EnglishEspañolPortuguês

Migrações de longa distância estão desaparecendo

25 de dezembro de 2011
5 min. de leitura
A-
A+

Estudo mostra que é preciso preservar corredores
usados pelos animais para migrar

Grupo de antilocapra, o mais rápido mamífero terrestre da América do Norte (Foto: Joel Berger via The New York Times)

Todos os anos, no outono, o beija-flor-calíope, que pesa tanto quanto uma moeda pequena, enfrenta ventos fortes e mau tempo para migrar do Canadá e norte dos Estados Unidos para o sul, chegando até o México, e depois retornar na primavera, percorrendo um total de 6.400 a 8.000 mil quilômetros.
Trata-se de uma entre as várias dezenas de “migrações espetaculares” – por ar ou terra – narradas no novo relatório da Sociedade para a Conservação da Vida Selvagem. Entretanto, o relatório alerta que tais migrações estão em perigo.
“As migrações de longa distância como um todo estão desaparecendo rapidamente”, afirmou Keith Aune, autor do relatório e cientista sênior da conservação da sociedade em Montana, cuja sede fica no jardim zoológico do Bronx, em New York.
Para o relatório, foram entrevistados biólogos de campo do oeste dos Estados Unidos, onde a maior parte das migrações ainda ocorre. O trabalho detalha 24 migrações terrestres e 17 aéreas. O próximo relatório irá estudar as migrações oceânicas. Há muitas outras migrações em perigo, contudo, essas são as mais importantes e com maior chance de sobreviver caso recebam o apoio da opinião pública, afirmou Aune.
As migrações de longa distância não são apenas um espetáculo, afirmou Aune, elas são cruciais para manter as espécies selvagens que ainda existem em um mundo que se transforma.
“Trata-se de sobrevivência”, continuou ele. “Quando as migrações são interrompidas, perdemos a capacidade de manter uma população”, afirma.
Isso aconteceu diversas vezes, afirmou, citando a grande migração de bisões pelas Grandes Planícies dos Estados Unidos nos séculos 19 e 20. Embora ainda existam bisões, a presença deles está reduzida em grande medida a poucas reservas, como o Parque Nacional Yellowstone.
Em seguida, aconteceu com o hoje extinto pombo-passageiro (Ectopistes migratorius). Em 1866, o bando migratório era tão grande que levava 14 horas para atravessar uma localidade de Ontário, no Canadá.
Histórias como essa podem conquistar o apoio a favor da preservação dos corredores usados pelos animais para migrar. “Se eu afirmar: ‘precisamos proteger a conectividade ecológica’, as pessoas dirão: ‘O que isso significa’? Precisamos de algo que o público consiga compreender. Migrações espetaculares possuem o poder da narrativa”.
Os animais selvagens migram em busca de água ou comida em diferentes épocas do ano, ou para se reproduzirem. A capacidade de se deslocar livremente na natureza pode se tornar ainda mais importante com as alterações climáticas e a necessidade de adaptação da fauna selvagem. Eles precisam acompanhar o movimento das plantas que lhes servem de alimento ou procurar por novas fontes de água conforme as fontes habituais secam.
O problema é que, muitas vezes, os corredores são muito longos, e surgem diversos obstáculos devido à falta de reconhecimento ou proteção das migrações. Mas existem também os obstáculos naturais. Este ano, por exemplo, vários exemplares de antilocapra (Antilocapra americana) — o mais rápido mamífero terrestre da América do Norte– afogaram-se quando tentavam atravessar o rio Missouri durante a cheia em direção à área onde as fêmeas dão cria no Canadá.
David Wilcove, ecologista de Princeton e autor do livro No way home: the decline of the world’s great animal migrations (“Sem caminho para casa: o declínio das grandes migrações mundiais de animais”, em tradução livre _ Island Press, 2007), acredita que narrativas sobre as grandes migrações podem representar uma boa estratégia.
“Eu não acredito que a noção de biodiversidade por si só tenha obtido força perante o público”, afirmou. “Porém, as pessoas são fascinadas pelas migrações de animais desde que os primeiros hominídeos observaram os gnus. E essa fascinação continua nos dias de hoje”, afirma.
Oswald Schmitz, ecologista da Universidade Yale, concorda, mas menciona que ainda faltam evidências para se afirmar que a perda dos corredores pode ter como resultado a extinção.
“Precisamos introduzir gradualmente um novo tipo de ética, e este relatório cumpre muito bem a função de mostrar porque precisamos proteger os grandes cenários naturais”, afirma. “Trata-se de uma narrativa que explica a quem não é cientista a razão da necessidade de proteger as grandes paisagens”, afirma.
Segundo os biólogos, a proteção de grandes paisagens também tem a vantagem de proteger uma enorme variedade de outras espécies que ocupam áreas menores.
Entre as migrações presentes no relatório está a distância de 640 quilômetros percorrida por alguns caribus do Alasca. Os caribus podem se deparar, entre outros perigos, com dificuldades à medida que as alterações climáticas trazem mais neve, o que pode retardar a viagem e torná-los mais vulneráveis ao ataque de lobos. Talvez mais do que qualquer outra espécie, cita o relatório, os caribus possuem uma história de “sobrevivência através de movimentos e migrações adaptativos”.
Porém, em termos de quilometragem absoluta, a viagem deles se torna pequena quando comparada à de pássaros da espécie Sterna paradisaea, que viajam até 38.000 quilômetros em um ano, realizando uma viagem de ida e volta de um polo a outro. A migração pode estar ameaçada pelo desenvolvimento humano nos locais de parada dos pássaros durante a viagem.
Três espécies de morcegos possuem corredores particularmente específicos, aponta o relatório. Os morcegos das espécies Choeronycteris mexicana e Leptonycteris nivalis, e os menos numerosos da espécie Leptonycteris yerbabuena, passam algum tempo no sudoeste dos Estados Unidos. As três migram em épocas diferentes para o México, alimentando-se de néctar, pólen e frutas de seu corredor de migração. A principal ameaça consiste na incorporação dos terrenos no “corredor de néctar”, o qual possui plantas com flores que fornecem alimento durante a viagem.
À medida que as rotas de migração são interrompidas, outras espécies também podem ser afetadas _ incluindo os seres humanos. Tomemos o caso dos pássaros canoros migratórios, cujo número foi reduzido em toda a América do Norte.
Esses pássaros comem de 3.000 a 10.000 toneladas de insetos todos os dias na primavera, enquanto realizam sua viagem.
“Trata-se de uma preocupação real”, afirmou Wilcove, de Princeton. “Tudo indica que, com o declínio dos pássaros canoros, o dano causado pelos insetos às culturas e florestas será maior”, afirma.
Fonte: Último Segundo

Você viu?

Ir para o topo