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Dia dos animais: nada a comemorar

4 de outubro de 2011
5 min. de leitura
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Dia 4 de outubro é lembrado como o Dia de São Francisco de Assis, grande personalidade além do seu tempo, que pregava a compaixão perante todas as criaturas, sendo por isso eleito o Padroeiro dos Animais e da Natureza. Por isso, neste dia, também se “comemora” o Dia dos Animais. Escrevemos entre aspas esta palavra, pois os animais não-humanos (lembrando que também somos animais, ditos “racionais”), ao meu ver, só tinham algo a comemorar antes da civilização humana.

Tom Regan, importante filósofo da área dos Direitos Animais, enfatiza em seu livro “Jaulas Vazias” (2006) que a civilização humana tem descaracterizado estes seres sencientes, convertendo-os em objetos de consumo, sejam eles vivos, mortos, inteiros, ou aos pedaços. Ocorre, na visão do autor, a conversão de animais não-humanos em: comida, roupas, artistas, competidores, instrumentos, e, complementando o autor, em brinquedos de luxo, os “pets”, e também em veículos, puxando carroças e carregando humanos em suas costas.

Na região dos Campos Gerais, interior do Paraná, podemos traçar um triste panorama, na prática, de como os animais nada tem a comemorar no dia de seu padroeiro. Creio não ser muito diferente em outras localidades.

Com relação à conversão dos animais em comida, se, de um lado, uma boa parcela da população procura saber mais sobre a cadeia de violência impregnada nos alimentos de origem animal, buscando o vegetarianismo como opção de dieta ética, por outro lado temos o incentivo à produção de carne de vitela na região (bezerros apartados de suas mães ainda recém nascidos para a extração do seu leite materno), o aumento da produção de frangos e porcos e o incentivo ao consumo de leite e derivados por parte do agronegócio, o que tem gerado até mesmo palestras com escolas da região.

Propagandas na TV, de animais “felizes” na forma de desenhos animados, ao serem convertidos em pedaços de carne, salsichas e derivados, ou ainda nos rótulos “fofinhos”, algo comum nos supermercados e fast foods.

Animais convertidos em roupas é uma metamorfose quase despercebida em nossa sociedade de consumo, que parece associar isso somente o uso de casacos de pele, e esquece que o couro dos calçados e das roupas também faz parte desta realidade, em grande escala em nosso país. Como se não bastasse o que já temos de exploração, o Brasil tem investido em criação de chinchilas no estado de São Paulo, e sabemos que muito do que está exposto por aí de “peludinho”, como detalhes em roupas, brinquedos e calçados, é pele de coelhos, ou de gatos, oriundos da China.

Vivemos numa cidade em que o avanço, no que se refere à conversão dos animais como artistas é a lei que proíbe apresentação de animais em circos, reafirmada por lei estadual. Já por parte dos animais convertidos em competidores, temos os rodeios, nossas arenas do século XXI. Sejam os rodeios norte-americanos ou brasileiros, há a falta de evolução cultural a ponto de encarar este tipo de tortura e repudiá-la, como tem ocorrido com as touradas na Espanha. Se realmente os animais não sofrem nestes eventos, não seriam necessários instrumentos como os laços, sedéns, choques, esporas e freios, usados em adultos e filhotes de animais herbívoros, eqüinos, bovinos e até mesmo os ovinos, nos “rodeios mirins”.

A realidade dos animais convertidos em instrumentos, seja no ensino ou na pesquisa, é algo escancarado cada vez mais pelos ativistas pelos Direitos Animais. Muitas pessoas sequer pararam para pensar na infinidade de produtos postos à venda graças à tortura de coelhos, ratos, macacos, cães, dentre outros animais. Produtos de limpeza, cosméticos, medicamentos, alimentos, até veículos, tudo testado em animais para que as empresas ganhem o aval do governo para que sejam comercializados livremente. Estes testes não excluem o risco dos produtos gerarem sérias conseqüências à saúde humana (“em caso de irritação, interrompa o uso e procure um médico”, dizem os rótulos).

Além dos laboratórios contratados pelas empresas destes produtos, temos uma grave mazela, cartesiana, em nossas universidades, faculdades e cursos técnicos: o uso de animais vivos em atividades de ensino e pesquisa. Mesmo com a gama de possibilidades de métodos substitutivos ao uso de animais, seja o uso de softwares, simulações computadorizadas, vídeos, modelos artificiais, culturas de tecidos, dentre outros, muitos professores e pesquisadores não querem mudar o rumo dessa barbárie, por puro dogmatismo oriundo da repetição de protocolos criados há décadas.

Os animais convertidos em “pets” é uma metamorfose muito discutida nos grupos de proteção animal, mas raramente debatida pela sua origem: o comércio de vidas. Enquanto se reclama do grande número de vira-latas nas ruas, temos o comércio escancarado de animais de raça em pet shops, feiras de filhotes ou fundos de quintal. O abandono é uma realidade crescente.

Passa a moda do poodle, entra a moda do yorkshire. Vai para a rua o poodle, ou para uma corrente curta na periferia da cidade. E quando um grupo de defensores dos direitos animais tenta protestar contra este comércio cruel e pela adoção dos milhares de animais carentes, ele é barrado pelo poder público, sendo coagido e posto como baderneiro, ou gente que não tem o que fazer. Enquanto isso, o poder público é inoperante no controle ético destes animais.

Por fim, os animais convertidos em veículos, cavalos, burros, mulas, que, após anos de escravidão, seja em corridas, saltos, trabalho junto ao poder público ou na zona rural, são vendidos a preço de banana para pessoas de classes populares, que convertem o final de suas vidas em servidão sem descanso, sem alimentação e cuidados, em submissão à violência, puxando pesadas carroças e carregando pessoas nas costas. Quando adoecem, envelhecem ou sofrem acidentes, são destinados ao abandono ou ao abate para a produção de embutidos ou carne seca.

Se os animais têm algo a comemorar, creio que seria ao menos o despertar das pessoas para essa realidade. A busca constante e resignada por não compactuar com essas metamorfoses. Sem fraquezas, pois a cada recaída, um inocente sucumbe. Se existe uma forma de praticar a compaixão no dia a dia, e de ser a mudança que se quer no mundo, esta forma começa com o veganismo.

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