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Amor, meu grande amor

23 de setembro de 2011
4 min. de leitura
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Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA

Estava pensando, cá com meus óculos, por que algumas pessoas gostam tanto de ter cachorros por perto, dentro de casa, em cima da cama, com morada cativa no coração. Poderia enumerar uns cem motivos. Alguns mais comuns, como por exemplo, porque os cães fazem companhia e numa cidade como São Paulo, onde a solidão já está no DNA de seus habitantes, ter um cachorro em casa é garantia certa de que alguém vai recebê-lo, com alegria, quando você abre a porta daquele apartamento vazio, sem cortina, com pizza amanhecida dentro da geladeira.

Alguém que demonstra um carinho explícito, pulando nas suas pernas, fazendo festa, festejando porque a pessoa mais importante do mundo acaba de entrar em casa. Só um cachorro recebe a gente assim. E se você sair para buscar mais pizza lá embaixo e voltar depois de meia hora vai ganhar a mesma festa, como se tivesse ficado semanas fora. Por mais que você more com uma pessoa que te ame, essa pessoa não vai pular nas suas pernas, não vai chorar e rir ao mesmo tempo, e nem demonstrar uma alegria exagerada, só porque você abriu a porta. Quando muito você recebe um boa noite, um beijinho distraído e está tudo certo. Sem babação, que como diz Caetano Veloso “…gente é outra alegria…”.

Outro motivo para ter um cão, ou vários, dentro de casa: a presença canina exige movimento, andanças, passeios diários. Xô sedentarismo! O cachorro chora, sofre, fica tomando sol no parapeito da janela, olha pra você com aqueles olhos fundos, compridos…. e ninguém resiste: é hora de calçar os tênis, pegar a guia e levar a você e a seu cachorro para um bom passeio.

Eu adoro ter cachorro dentro de casa. Não me importo que tudo cheire a cachorro, que haja pêlos por toda parte, não me importo em limpar cocô e xixi na área de serviço, trocar jornais e passar pano… não me importo nem com os sofás destruídos, os rodapés roídos, e muito menos com a quantidade de sandálias de borracha que já perdi para os dentes das minhas meninas peludas…

E quer coisa mais gostosa que dormir com cachorro? Eu adoro! Eles suspiram, vão se abandonando, piscam, e logo estão ajeitados debaixo do edredom ou enrodilhados em si mesmos. Eles roncam, se viram, espreguiçam, se alongam e chegam a ficar deitados em transversal, tomando a cama toda. De manhã, quando toca o despertador, o cachorro está molinho, ainda sonolento, e nessa hora é uma delícia puxá-lo pra perto, fazer carinho na barriga, cheirar as patas, encher aquele focinho de beijos. Ele vai acordando aos poucos, se espreguiça, se chacoalha, e pronto! Está preparado para um dia divertido, onde a ração será deliciosa, a água será fresquinha e saborosa, e o passeio será o melhor do mundo… e onde você se sente a melhor pessoa do universo só porque é capaz de amar, e se de dedicar a essas criaturas que não falam mas gritam de tanto que nos passam emoção.

Com os cães, a linguagem é uma só: amor. O rabo abanando, a boca aberta, a patinha batendo no seu braço, tentando chamar sua atenção, os latidos, sejam graves ou agudos, o xororô que muitos fazem, aquele sobe e desce nos móveis, as corridas de pega-pega pela casa… tudo isso são palavras de amor, palavras sem letras, sem sons… palavras de outro planeta, de outra dimensão… de um mundo onde o amor é incondicional. Dificilmente esse tipo de amor é conseguido entre as pessoas. A gente sempre condiciona o sentir a alguma questão. Os cães vão além. Você dá bronca, coloca de castigo, tira da boca dele aquele chinelo delicioso que ele está roendo há horas, e mesmo assim ele te ama, e mesmo assim ele vai lamber seu rosto se você chorar.

Cachorro não sabe “ficar de mal”, não compreende a palavra mágoa. Ele ama e sempre está pronto para aquele salto gigante assim que você virar a maçaneta. Cachorro é “olhos nos olhos”, sem enganação. Cachorro é uma bênção, um aprendizado porque o ser humano tem muito que aprender sobre o amor… Como diz João Bosco: “… quem quer viver um amor mas não quer suas marcas qualquer cicatriz/a ilusão do amor não é risco na areia/ é desenho de giz…”

Quem quer viver um amor, de verdade, com marcas, pêlos, arranhões, e “para sempre”, deve experimentar o amor canino. Esse dura! Uma eternidade…

Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.

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