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SEDA ou SEBA: os perigos da autonomeação

12 de setembro de 2011
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Depois de alguns percalços na consecução de seu objetivo, uma Secretaria Especial de Direitos Animais foi criada em Porto Alegre (RS).

Sigla: SEDA. A dificuldade do projeto para obter a sanção da Câmara de Vereadores se prendia a questões como a oneração dos cofres públicos pela  necessidade de receita para pagamento de funcionários e da atuação em si. Com apoio de grupos de proteção animal, eis que o projeto passou, e a Secretaria está em funcionamento.

É importante frisar que as pessoas atuantes na Secretaria são históricas na proteção de animais domésticos, com trabalho sério e dedicado. Não poucas vezes recorri a estas pessoas em busca de apoio para salvamento de animais urbanos em situação de risco, com excelente acolhida. A estas pessoas, sou grata em nome de cães e gatos que pudemos atender. Temos, porém, alguns problemas que a Secretaria, para fazer jus a seu nome, deveria enfrentar com outros métodos e embasamento teórico.

Como seria bom se na defesa animal, no mínimo, se dessem nomes aos bois, nomes coerentes evidentemente. Não teríamos grupos se autoatribuindo predicados com conteúdo diferente do que são, não teríamos uma Secretaria se dizendo de Direitos Animais, quando mal e mal é de bem estar animal. Mal e mal, porque lida com algumas espécies e, mesmo para propostas bem-estaristas, não alcança as demais, como bois, vacas, galinhas, ratos, para ficar só com alguns excluídos.

Enfim, Secretaria de Bem Estar de Alguns Animais seria um bom nome para dizer o que ela realmente é e faz. Sugestão de sigla: SEBA. Seria muito bem-vinda, pois seu trabalho de conscientização a respeito de maus-tratos a animais domesticados, esterilização e tratamento é mais do que necessário e deveria se universalizar com recursos do poder municipal.

Teríamos outras sugestões de nomes para outros grupos, mas daí é outra história. A SEBA faz mais estragos à locução Direitos Animais pelo status de Secretaria municipal, com trabalho em escolas e locais públicos. Nestes locais, as pessoas estão “aprendendo” que direitos animais é levar o bem estar e o controle populacional de cães e gatos. Animais são cães, gatos e, às vezes, cavalos.

A grande surpresa é saber que a SEBA promove ações dentro do Acampamento Farroupilha, onde se impetram, num mesmo local, os maiores atentados aos direitos animais: confinados, expostos ao estresse da visitação constante por um longo mês, escolares de dia, bailes de noite, cadáveres sendo assados constantemente,  rodeios e a novidade do ano: uma minifazendinha. Em 100 m2, cavalos, ovelhas, pobres vacas leiteiras, assistem inertes à divulgação dos projetos Bicho Amigo e Adote um Cavalo e são visitados por 50 alunos por turno. Não que ambos os projetos não sejam importantes e valiosos, mas a contradição está no ar, tanto quanto a música gaudéria, e algumas facas voadoras que já fizeram também uma vítima humana nesta edição.

Para quem não é do sul, Acampamento Farroupilha é a instalação, em um parque no Centro (sic!) da cidade, de centenas de casas de costaneira (casca de pinheiro), chamadas piquetes, ao redor e dentro dos quais se tenta reproduzir a vida no campo. Alguns chamam de Disneylândia dos pampas. Tentar ainda é um verbo forte para o que acontece ali. Nunca se viu um campo com casas grudadas umas nas outras, com índice populacional de shoppings, música alta constante e muita gente desempregada ou de férias ou dando expediente no local. Na verdade, mais parece com um megarrodeio texano. Mas não. Trata-se da celebração da data de 20 de setembro, quando o Rio Grande do Sul saiu derrotado da chamada Guerra dos Farrapos.

A pergunta sobre por que comemoram uma derrota fica para psicanalistas. O certo é que, para alguns, ali se aprende e se cultua o tradicionalismo, um bairrismo alicerçado na assustadora palavra tradição. (Ninguém lembra de acusar o Acampamento de falta do que fazer, como se faz com  o carnaval, ainda que o Acampamento dure muito mais tempo.) Entre os organizadores e seus apoiadores, a palavra tradição é repetida à exaustão. Para os frequentadores em busca de atender as ordens da mídia, é só mais uma festa em que se tem a chance de beliscar gratuitamente uma amostra de churrasco aqui e ali, uma possibilidade de beber bastante, casar no baile e ver o tempo passar.

Para os animais, bem, aí é que a porca torce o rabo. Os animais estão na sua máxima condição de escravos. (Aqui, porém, finalmente, uma coerência. Os farrapos nunca ligaram muito para escravos, tanto é que a elite pecuarista, que levou adiante tal revolução, prometeu alforria a seus escravos em troca de lutarem à frente dos pelotões de brancos, armados apenas com lanças, o que resultou na óbvia morte da maior parte deles em combate, apenas sonhando com a futura liberdade.)

Ao se instalar no Acampamento, sem emitir crítica ao que ali acontece em termos de atentado aos direitos animais, muito pelo contrário, incorporando-se ao evento, a SEBA comprova a sua vocação original que em nada se coaduna com o nome que leva. E uma Secretaria Bem-Estarista, sequer Neo-bem-estarista é.

Carregasse seu verdadeiro nome e não prestasse um desserviço conceitual à causa dos Direitos Animais, vá lá que fizesse o seu trabalho de bem estar animal, ações que existem nesta cidade, desde que fundada a Sociedade de Proteção Animal no século passado, com equivalentes objetivos.

Como se vê, sempre é bom duvidar de quem se pretende à frente dos demais quando se autonomeia.

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