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Aves migratórias sofrem ameaças em rota no CE

15 de agosto de 2011
5 min. de leitura
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Os céus das Américas são cortados todos os anos por aves migratórias. Elas partem de um frio ao norte para outro a sul. É uma jornada longa, de poucas paradas. Mas certamente, em ao menos uma delas, o ponto de apoio é a zona costeira do Brasil, ou melhor, do Nordeste. Até que em Icapuí, no litoral do Ceará, tem aves que gorjeiam aqui que não em outro lugar entre Canadá e a Patagônia (sul da Argentina).

Entre agosto e setembro, muitas espécies migram do Hemisfério Norte, fugindo do frio, e vêm para o calor do litoral cearense. Em Icapuí, há fartura de alimento, além do sol. Foto: Alberto Campos/ Acervo Aquasi

A biodiversidade nos mangues e o recuo do mar em tempos de maré baixa, revelando os moluscos e frutos do mar, são o banquete à mostra das aves migratórias. Reabastecidas em Icapuí, seguem viagem. Mas, pelo menos, duas espécies em extinção estão fortemente ameaçadas pelos danos ambientais em Icapuí. A poluição, o desmatamento, e empreendimentos industriais mal planejados estão ameaçando o futuro das aves migratórias. A Associação de Pesquisa e Preservação dos Ecossistemas Aquáticos (Aquasis) no Ceará faz acompanhamentos das aves migratórias e tem estudos que são referência nacional. O Ceará é o Estado brasileiro com o maior número de aves migratórias. Os biólogos pedem socorro pelas aves.

Ponto de referência

A zona costeira de Icapuí é tão diversa quanto as particularidades encontradas pelas aves que por ali aterrissam de passagem. É principalmente nas áreas praianas de Ponta Grossa, Banco dos Cajuais, Manguezal da Barra Grande, Córrego do Sal e Matas de Tabuleiro que as aves são mais encontradas. Pudera, lá estão riquezas de fauna que servem de alimento para esses animais. É a comida que vem quando o mar recua e a areia se faz de bandeja e deixa à mostra mariscos, mexilhões e pequenos crustáceos.

“Icapuí é um ponto excepcional do continente sul-americano. Achamos uma espécie altamente ameaçada que está frequentando o banco dos cajuais para se alimentar. Fizemos parceria com institutos de pesquisa nos Estados Unidos e no Canadá, onde essas aves são encontradas e, no ano passado, tivemos o primeiro aninhamento dessa espécie no Ceará”, afirma o engenheiro de pesca Alberto Campos, especialista da Aquasis há 17 anos.

É neste período, entre agosto e setembro, que muitas aves migratórias “descem” do Hemisfério Norte em direção à Patagônia no extremo-sul do continente, e param em Icapuí para se alimentar. Das mais de 20 espécies migratórias que passam por Icapuí, pelo menos duas estão ameaçadas de extinção: o maçarico do papo-vermelho (Calibris Canutus) e o Trinta-Réis Róseo (Sterna Dougallii).

A Aquasis começou o monitoramento dessas aves em 2007, e nos dois anos seguintes houve um acompanhamento mais sistemático, principalmente na área de Banco dos Cajuais, situado na extrema litorânea de Icapuí com o Estado do Rio Grande do Norte. Mas também é feito o acompanhamento no estuário dos rios Timonha e Ubatuba.

O Banco dos Cajuais é uma ampla planície de maré em forma de lua cheia, adjacente à linha da praia, que se estende em boa parte do litoral. A porção mais extensa está na Barra Grande, sendo importante fonte de recursos marinhos para mariscos e algas, além de berçário da vida marinha para diversas espécies de importância comercial, como peixes e lagostas. Também lá está um dos principais bancos de capim-agulha da região, que é o alimento preferido do peixe-boi, o mamífero mais ameaçado de extinção no Brasil.

Outro local que contribui para a concentração de aves (migratórias e não-migratórias) é a praia de Ponta Grossa, que apresenta um conjunto de lagoas e áreas arenosas onde são encontrados, entre a comunidade e a linha de marés, aves como pernilongo, sirizeira, socoé e o martim-pescador. Durante a maré cheia buscam abrigo lá. Os tetéus também são comuns por ali, e fazem voos rasantes, para impor sua presença para observadores que se aproximam de seus territórios. Também podem ser encontrados em Ponta Grossa o maçarico-branco, o malaçarico-do-bico-grosso e o tiziu-da-praia. Os mangues também são habitat para aves, principalmente no entorno das praias de Barra Grande, Requenguela e Placas.

O que mais ameaça as aves, incluindo as migratórias em fase de extinção, é a ação humana. De acordo com os biólogos e engenheiros da Aquasis, o que mais tem ameaçado aquela biodiversidade é a instalação irregular de fazendas de camarão. Elas ocupam o manguezal, destroem os habitats de descanso das aves que viajam cruzando as Américas. Por lei, as fazendas deveriam ter um tanque de sedimentação, para tratamento dos resíduos da produção de camarão antes de jogar na natureza. Mas como isso não acontece, invadem exatamente a área onde as aves migratórias aterrissam para colher alimentos. Outro desafio para os especialistas brasileiros e mesmo do Canadá e Estados Unidos, que acompanham a viagem das aves em extinção lá, é a localização dos parques eólicos.

Impactos

O assunto já é tão polêmico, que o engenheiro de pesca Alberto Campos esclarece: “nós somos totalmente a favor da energia eólica. O que não somos a favor é que os parques eólicos sejam construídos na beira da praia, por vários motivos, competem com o patrimônio da paisagem costeira, que tem um valor incalculável. Outro problema é que os próprios turistas estão reclamando que alguns cartões postais são ocupados pelas paliteiras eólicas, que são privadas”, afirma o engenheiro.

Conforme acompanhamento da Aquasis, a localização das eólicas tem provocado o aumento da mortalidade de aves. “Nós não somos contra energia eólica, mas é tudo uma questão de eles afastarem os geradores de cerca de um quilômetro. Houve um caso em que queriam colocar os parques eólicos bem no campo da área dos cajuais, que é onde se alimentam as aves migratórias, incluindo as que estão em extinção, então o que queremos é apenas que essas áreas de berçário da natureza sejam respeitadas”.

Extinção

20 espécies migratórias, em média, passam por Icapuí. Duas estão ameaçadas de extinção: o maçarico do papo-vermelho e o Trinta-Réis Róseo

Fonte: Diário do Nordeste

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