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Defensores enfrentam desafios para salvar animais dos maus-tratos, na China

19 de julho de 2011
6 min. de leitura
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Por Natalia Cesana (da Redação)

Cão confinado (Foto: Reprodução/China Dialogue)

Em uma cultura em que os cachorros são vistos de forma contraditória, ativistas de proteção animal recentemente resgataram mais de 500 cães que seriam mortos e iniciaram uma disputa no país, segundo informou o jornal China Dialogue.
 
O incidente do dia 15 de abril, quando um grupo de defensores dos animais parou um caminhão lotado de cachorros e evitou que eles fossem assassinados– expôs a falta de legislação na China sobre o consumo de carne de cachorro, trazendo uma discussão a público.

Voluntários usaram o Twitter para reunir 300 pessoas. No dia do resgate, eles esperaram no posto de pedágio de uma estrada e pararam o caminhão que transportava 520 cachorros. Tanto os ativistas como o motorista chamaram a polícia ao mesmo tempo. Depois de esperarem por 15 horas, os ativistas perceberam que não seriam presos e conseguiram recolher a quantia de US$ 17 mil para comprar os animais.

“Ao salvar mais de 500 cães, esperamos despertar a consciência de cinco milhões de pessoas”, disse uma das voluntárias, a apresentadora de televisão conhecida pelo apelido de Dabaoma. Durante o programa, ela embargou a voz ao descrever a situação em que os cachorros estavam.
O vídeo feito no momento do resgate mostra o caminhão abarrotado de cachorros, que estavam desidratados e com dificuldades para respirar. Filhotes nascidos durante a longa viagem foram esmagados com os pés. Exames feitos depois comprovaram que muitos estavam gravamente doentes. Alguns, inclusive, morreram ali mesmo. O motorista do caminhão estava presente no programa de Dabaoma, quando o vídeo foi exibido, e foi duramente criticado pela apresentadora.

“Eles pensam que cachorros são mais importantes que pessoas”, disse o motorista. Com 31 anos e oriundo de uma família pobre, ele começou a trabalhar com tranporte de cachorros em 2006. O motorista reclamou que, com o resgate, deixou de ganhar cerca de US$ 3 mil – o equivalente a um ano de mensalidade escolar de duas crianças. Desde então, ninguém mais lhe deixa transportar animais. O homem considera ainda que seus direitos foram desrespeitados, porque seus dados pessoas foram divulgados e ele foi perseguido e ameaçado.

“O motorista queria US$ 20 mil, mas não tínhamos tudo isso”, disse Wang Yunjie, da Sociedade de Caridade Animal. “Queríamos que ele sofresse um pouco e se déssemos toda a quantia, estaríamos o encorajando a continuar transportando cães.” Yunjie contou ainda que os cachorros haviam sido maltratados.

A China não tem leis que proíbam maus-tratos a animais. No começo do ano, um projeto de lei foi redigido e colocado em consulta pública, mas nenhuma legislação entrou em vigência ainda.

Alguns chineses pensam que manter um cachorro é um estilo de vida de ricos. Um internauta escreveu: “Os que defendem animais são as esposas ricas da cidade que não entendem nada das dificuldades da vida rural.” Outro disse: “Todo esse dinheiro para comprar os cães, quanto será que custará cuidar deles. Não seria melhor usar o dinheiro para ajudar os pobres?”

A opinião sobre os cachorros na China é contraditória. Amantes de animais os veem como companheiros leais. Por outras pessoas, são vistos com desprezo.

Nas aldeias chinesas, principalmente as do nordeste do país, os cachorros geralmente são tratados com crueldade, sendo consumidos em festivais, casamentos e funerais. Quando o caminhão foi interceptado, o motorista estava levando os cães para essa região.

Fan Xiantao dirige uma fábrica de carne de cachorro. A família dele está neste ramo desde que a dinastia Han (de 206 a.C. até 220 d.C), ou seja, há 77 gerações. Fan alega que a carne de cachorro tem uma história dentro da cultura chinesa e, durante sua participação no programa de TV de Dabaoma, ele explicou que “mais de cem mil cachorros são mortos todos os anos e 500 toneladas de carne são produzidas e vendidas para Rússia, Japão, Coreia e Cingapura.”

Na foto, caminhão transporta cães que serão mortos para o consumo humano (Foto: kilroy238)

Na região onde está localizada a fábrica de Fan, os produtos feitos com carne de cachorro são considerados patrimônio imaterial. Cerca de cem mil pessoas estão envolvidas no comércio de cachorros, que movimenta anualmente US$ 155 milhões.

Fan classifca os cães em policiais, para consumo e para “estimação”, e não vê motivos para que hajam conflitos com os amantes de animais. “Eles mantêm os animais de “estimação” deles e eu faço minha carne.” Sapatos foram lançados pela plateia quando uma pessoa aceitou que Fan lhe desse como presente um produto feito com carne de cachorro.

Também houve críticas sobre a ação dos ativistas. Bloquear o caminho em uma estrada é algo perigoso. Yan Yan, um advogado, disse que a proteção aos animais não deve significar colocar em risco a segurança pública ou das pessoas. Muitos opositores do método utilizado pelo grupo consideraram a ação radical. Entretanto, o escritor Chen Lan acredita que os voluntários não quebraram lei nenhuma e anda impediram que os cachorros fossem parar nas mesas de jantar.

No dia 15 de junho, um grupo de trabalho criado pela Sociedade de Caridade Animal, publicou os seguintes dados coletados por meio de pesquisa: os certificados de quarentena dos cachorros, que indicam o anmial como sendo para abate, foram emitidos de forma ilegal. O Hospital Veterinário de Pequim pesquisou 40 animais e constatou que nenhum deles havia sido imunizado contra a raiva. Outras investigações descobriram que Hu Genjun, nomeado para administrar as imunizações e a emissão dos certificados, não era legalmente qualificado para tal.

Durante coletiva de imprensa dois meses depois que o caminhão foi interceptado, o foco da discussão não era mais os animais e sim a qualidade da comida oferecida.

O grupo de trabalho divulgou também que uma empresa que fabrica vacinas disse que não é adequado utilizá-las em cães que serão abatidos. Mas a regulamentação determina que cachorros não imunizados não podem ser comercializados. As informações revelam a zona cinzenta que é a cadeia de fornecimento de carne de cachorro. Consumir esse tipo de alimento não é ilegal na China, mas não há padrões de saúde que regulamentem a prática, ou seja, para animais que não vêm de fazendas não existem garantias.

Os amantes dos animais observaram que não há registros legais de como os cães são adquiridos, não estando claro de onde eles vêm. Alguns são de raça, alguns provavelmente foram roubados. Roubo de cachorros é comum na China. Em novembro do ano passado, o jornal Yangtze Evening Times revelou que há um comércio de cães roubados. Um dos envolvidos na prática contou para um repórter disfarçado que ele havia perdido a conta de quantos cachorros já havia vendido, mas que 99% deles foram envenenados e roubados. A matéria também diz que o controle da carne de cachorro não está sob a jurisdição das autoridades de saúde e supervisão.

O grupo está atualmente denunciando imunizações e certificações ilegais para as autoridades – incluindo o Ministério Chinês da Agricultura, o Ministério da Saúde, a Administração Geral da Qualidade de Supervisão e Quarentena e a Administração Estatal de Indústria e Comércio.

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