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Juventude, ética e educação vegana formal de base

22 de abril de 2011
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Hoje passei por uma situação semelhante em duas séries diferentes na escola. Tanto no segundo quanto no terceiro ano do ensino médio que lecionei hoje, agiram com um total descaso com a temática que eu estava apresentando e comentando; em cada uma das três salas o número de alunos que deram atenção ao que eu estava falando não passou de cinco. O que me chamou a atenção não foi o número de ouvintes, pois com relação a isso sou heraclitiano; mas a reprodução da filosofia do descaso.

No caminho para casa me vi pensando nessa situação, que não é nova, pois, convivo com ela nos últimos anos e a conheço bem, mas esse descaso dos jovens com os princípios éticos me fez pensar se minhas aulas sobre Ética Animal estão realmente surtindo algum efeito prático na vida deles. Lembrei-me de Aristóteles, ele disse certa vez que não se ensina ética para os jovens, pois para compreender a magnitude dessa ciência prática é necessário ter experiência de vida.

Ao chegar em casa, fui consultar o livro do filósofo James Rachels para confirmar uma indicação de um capítulo que fiz a um aluno, e me deparei com a seguinte reflexão: “na ética deve-se esperar que ocasionalmente as pessoas se recusem a ouvir a razão. Afinal, a ética pode exigir que façamos coisas que não queremos fazer, portanto não é raro tentarmos evitar ouvir suas demandas”1. Eu havia dito algo parecido no terceiro ano para um aluno e três alunas, que eram os únicos (numa sala que tinha aproximadamente 35 alunos) que ouviam minha explicação sobre o modo de vida vegano e suas implicações morais no nosso dia a dia; eles próprios destacaram que a abolição do especismo via veganismo exigia uma mudança radical nos nossos costumes, por isso a sala não estava interessada no tema. Para a grande maioria deles é demais dar ouvidos à razão e fazer o que os princípios formais da ética prescrevem. Esses alunos estão “se preparando para o vestibular”, dentre alguns meses serão universitários e ulteriormente profissionais nos campos que escolheram atuar; mais uma leva de cidadãos reprodutores da ideologia dominante especista. Esse quietismo, esse espírito de seriedade me incomoda em demasia.

A cada dia que passo em sala de aula fica evidente que a real situação dos animais não humanos só vai mudar substancialmente quando investirmos pesado numa educação vegana formal de base. O que quero dizer com isso? A maneira como vemos os outros animais e, não menos, a nossa própria animalidade, deve ser corrigida abolindo qualquer cheiro de especismo desde a pré-escola. Mas para isso precisaríamos de pedagogos veganos. Onde estão?

Até um pouco antes da queda do muro de Berlim e a derrocada da União Soviética uma questão era frequentemente repetida pelos teóricos de esquerda: “socialismo ou barbárie?”. Lembro-me que anos depois em uma das aulas de Teoria Política na universidade, meu mestre José Cardonha (Zé Legal, para os próximos e herdeiro do socialismo marxiano e da Teologia da Libertação) disse: “a barbárie venceu”. Essa situação me leva a pensar numa possível questão: “veganismo ou barbárie?”. Espero não viver o suficiente para ver a barbárie vencer novamente.

A cada dia na sala de aula vejo uma parcela da juventude defendendo de uma maneira aguerrida seu pobre capital cultural especista – juntamente com o sexista e racista – sem ao menos se preocupar em buscar uma fundamentação racional para tal postura.

Sabemos que nunca vão conseguir dar uma resposta logicamente relevante e eticamente justificável para a manutenção de tais costumes discriminatórios; mas a questão é que não fazem, ao menos, o exercício da reflexão. É a incapacidade de pensamento, o vazio de pensamento, nos termos de Hannah Arendt, que possibilita a vitoria da barbárie.

Desde a mais tenra idade as crianças têm seu dom filosófico para o questionamento cerceado pelos pais. Ficaria a cargo dos pedagogos fazerem o contrapeso? Estimulando mais e mais a metralhadora da dúvida tão natural da criançada? Estimulando o recurso à analogia também tão natural e corriqueiro na vida infantil? Somente com uma educação vegana formal de base poderemos impedir a formação de uma geração após outra de Eichmanns especistas. Mas para isso precisaríamos de pedagogos veganos. Onde estão?

Cotidianamente me deparo com situações tão absurdas do ponto de vista ético em sala de aula que me pergunto “será que Aristóteles estava certo?”. Mas, depois, com calma, vejo que a questão não é que a juventude não consegue fazer um exercício de reflexão ética, raciocinar eticamente; a questão é que já foram por demais adestrados a não pensar. Se não há pensamento, reflexão crítica, não há possibilidade de mudar costumes bárbaros. Russell disse que “para muita gente, antes morrer que pensar. E é isso mesmo que fazem”. O que estamos fazendo com nossas crianças que as levam a se tornarem adolescentes e jovens tão “vivos-vazios”2 quanto os outros animais que consomem? Estamos adestrando nossas crianças a não darem ouvidos à razão, anos depois, temos jovens com extrema dificuldade em levar a sério um raciocínio ético, e consequentemente tornar-se-ão pais esquizofrênicos morais e o círculo vicioso continua.

A cada dia na sala de aula com os jovens do ensino médio percebo que as aulas de Ética Animal teriam mais sentido se a educação infantil não fosse castradora de espíritos livres. Infelizmente a pedagogia que ainda reina nas escolas é a “bancaria”, criticada há décadas por Freire; o sistema de ensino governamental é acrítico, ideologicamente necessário para manter o poder hegemônico e reificador de vidas. Barbárie, irreflexão, vazio de pensamento, vivos-vazios, esquizofrenia moral, como superar essa insanidade?

Somente com uma educação vegana formal de base. Precisamos urgentemente de uma pedagogia vegana crítica e autocrítica.

Notas

1. RACHELS, James. Os elementos da filosofia da moral. Barueri, SP: Manole, 2006. p. 45.

2. Agradeço a Sônia T. Felipe pelo conceito.

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