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Ativismo consciente: defesa dos animais, educação e inclusão dos vegetarianos

28 de abril de 2011
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Christian Saboia é vegetariano desde os 11 anos de idade e vegano desde 2008. Atualmente coordena o grupo ativista ConsciênciaVeg, cujo foco é a inclusão do vegetariano na sociedade, com uma abordagem que restaura sua autoestima, valorizando-o perante a sociedade e minimizando o preconceito que toda minoria carrega. Propondo um ativismo estratégico e com formatos inovadores, Christian quer explorar as ferramentas modernas de educação e meios de comunicação para sensibilizar o maior número de pessoas possível. Adepto da criatividade, ele traz ao ativismo no Brasil novas tendências e um sentido mais amplo para o engajamento. Reconhece que o movimento pelos direitos animais ainda vive sua infância, mas acredita que um dia será um valor universal; por isso, de forma otimista, arregaça as mangas pela causa e tem no debate seu maior trunfo, fomentando a ação articulada e cooperação entre os grupos e o envolvimento de toda a sociedade. Em entrevista exclusiva à ANDA, Christian destaca sua visão mais afetiva, humanitária, de inclusão e integração.

ANDA – Você lidera o ConsciênciaVeg, um grupo relativamente novo, que tem um enfoque nos vegetarianos, mais do que no vegetarianismo. Conte-nos como surgiu esta ideia e por que é importante este viés no movimento.

Christian Saboia – Sou vegetariano já há bastante tempo. Comecei minha jornada no vegetarianismo por volta dos 11 anos de idade. Nesta época não sabia que a minha repulsa por carne tinha nome. Considerava errado mas, devido à pouca idade, não tinha argumentos. Não conseguia articular o que sentia. Foi um período difícil, de várias idas e vindas, já que minha posição foi um grande problema para os meus pais. Os médicos reforçaram suas preocupações, e, em muitos momentos, não consegui lidar com a pressão. Considere que isto faz 27 anos, aproximadamente. Não havia internet. Ao contrário, na escola se ensinava Educação Moral e Cívica. Praticamente não se falava sobre vegetarianismo. Isto era especialmente verdadeiro em minha família.
Só na adolescência, ao conhecer outros vegetarianos é que entendi o que eu era e consegui a fundamentação para minha posição. Porém isto ficou um tanto quanto parado no tempo para mim depois deste primeiro despertar e só há pouco mais de 2 anos é que, por uma feliz coincidência, assisti ao filme A Carne é Fraca, produzido pelo Instituto Nina Rosa, por quem sinto imensa gratidão. A ficha caiu. Percebi que havia muito mais a fazer. Tornei-me vegano e comecei a estudar compulsivamente. Procurei entender como poderia me engajar e vi que muitos grupos já estavam organizados para trabalhar pela causa animal. Vi também uma oposição ao vegetarianismo muito bem estruturada, escondendo-se atrás de sofismas e de generalizações grosseiras. Esta oposição, percebi eu, já esgotara seus argumentos contra o vegetarianismo e agora se volta contra os vegetarianos, reforçando a programação cultural de exclusão, sob o falso pretexto da liberdade de escolha.
Entendi que este era o espaço que devia ocupar. Quando propus isto, pela Internet, para comunidades de vegetarianos, percebi que a ideia teve boa acolhida e logo alguns membros se juntaram e formamos o ConsciênciaVeg.
Entendo que existem três pilares que sustentam as ações em prol dos animais: (1) a defesa direta de seus direitos e sua proteção (de nós mesmos, diga-se de passagem), realizada por inúmeros grupos abnegados de protetores; (2) a educação e comunicação de massa realizada com bastante propriedade por diversos grupos; e (3) a defesa e fomento da inclusão dos vegetarianos, que sofrem um forma de discriminação camuflada e perniciosa, que chega a confundir muitos vegetarianos, já que coloca nossa opção de consciência na categoria de mera preferência alimentar.

ANDA – Você considera que o ativismo ainda é importante para a conscientização, ou as pessoas já têm informação suficiente e simplesmente não se sensibilizam com o sofrimento animal?  Ir às ruas é importante ou a atitude no dia a dia de cada um tem mais valor?

Christian Saboia – Considero o ativismo fundamental, mas, como em tudo na vida, precisa aprender com os erros. Precisa evoluir. O ativismo não deve se fechar em um formato convencional, previsível e chato. Ser ativista é decidir mudar o mundo. Comecemos a mudar a forma como pretendemos fazer isto. Precisamos mais de comunicação de massa, precisamos criar um ambiente favorável a uma imensa mudança de paradigma cultural. Nossa comunicação deve procurar mais formar do que informar, já que o vegetarianismo não é uma questão de fins mas de princípios. Nossas atitudes precisam ser coerentes com nosso discurso. Os opositores ao vegetarianismo têm interesses próprios a defender e o fazem com todas as ferramentas disponíveis.
Deveríamos pensar mais estrategicamente e apoiar-nos nas ferramentas de comunicação e de educação mais modernas. Não podemos nos dar ao luxo de agirmos de forma amadora. Outro ponto importante é que não lutamos contra pessoas, e sim contra uma cultura. Precisamos acolher, seduzir, encantar. Nunca o oposto.

ANDA – Aqui no Brasil percebemos um forte ativismo virtual, mas uma mobilização proporcionalmente baixa quando se pede que os ativistas saiam dos computadores para as ruas. A que você atribui essa falta de engajamento tão desproporcional em relação ao que se vê em comunidades virtuais?

Christian Saboia – Acredito que o formato tradicional de panfletagem e protesto nas ruas está esgotado pelo excesso de uso. Foi muito útil e ainda é, em muitos casos. Mas deve ser usado com inteligência e propósito. As pessoas percebem quando realmente devem ir. Cabe a nós aprendermos com os erros. Precisamos ser criativos e realmente inovadores. Se as pessoas manifestam-se por um canal e não por outro, o problema deve estar no canal e não nas pessoas. A forte presença de público nos dois últimos eventos promovidos pela ANDA demonstra isto claramente. Posto isto, confesso que sinto grande admiração (e gratidão) pelos grupos ativistas no Brasil. Todos aprendem bem rápido. O ConsciênciaVeg, mesmo sendo iniciante, foi muito bem acolhido, a propósito. Creio que estamos evoluindo.
Quanto ao ativismo virtual, particularmente, não vejo diferença entre o mundo real e o mundo virtual. Seja nas ruas ou atrás das telas de computadores, pessoas são pessoas. Para as futuras gerações o termo amigo virtual será tão sem sentido com amigo telefônico ou por correspondência.

ANDA – Que rumos você espera que o movimento pelos direitos animais tome?

Christian Saboia – Tenho firme convicção de que, mais cedo ou mais tarde, o direito animal será um valor universal. Iniciamos um movimento irreversível. Assim como a igualdade entre as pessoas, a equidade entre espécies, embora nos pareça utópico agora, está alicerçada em todos os nossos valores mais essenciais. Está emaranhada nas entranhas de nossos músculos morais, mesmo que em estado latente apenas.
O movimento pelos direitos animais vive sua infância ainda, manifesta pela euforia em uns e revolta em outros. Em algum tempo isto será incorporado ao conjunto de paradigmas culturais e a postura atual será substituída pela reflexão e análise madura. Nossos opositores, os exploradores dos direitos animais, nos pressionam para aprendermos mais rápido. Estamos evoluindo e todo o debate de hoje servirá de base para aprimorar a prática de nossos valores. Creio que devemos apenas ter a cautela de não nos perdermos de nossos objetivos, o que retardaria nosso avanço. Mais sou bastante otimista com o futuro.

ANDA – Na sua opinião, a luta pelos direitos animais aprofunda a tradição estabelecida pelos direitos humanos ou os reduz e relativiza? Ambas são lutas específicas ou são a mesma luta? Ter consciência dos direitos humanos implica também ter consciência dos direitos animais?

Christian Saboia – Entendo que toda forma de discriminação é uma doença moral, por assim dizer. Uma espécie de “doença da alma” de nossa sociedade. O especismo está nesta mesma categoria. Ao nos curarmos desta doença, aprimoramos nossa humanidade, ou aquilo de desejamos que humanidade venha a ser. A libertação animal é simultaneamente libertação humana, já que nos liberta da posição de algozes.
Entendo que os direitos humanos são um caso particular dos direitos animais, já que se baseiam no princípio da equidade. A percepção de que “o outro” tem direitos fundamentais ainda é muito recente e, como um infante, precisa crescer e amadurecer.
O relativismo cultural pertence à mesma categoria de sofismas que, a título de respeitar a liberdade de uns, escolhe ignorar a subjugação de outros.
O ConsciênciaVeg entende que a liberdade de viver sua opção de consciência de forma plena, de viver de forma ética, é também um direito humano fundamental.

ANDA – Você propõe uma abordagem que restaura a autoestima do vegetariano, valorizando-o perante a sociedade e minimizando o preconceito que toda minoria carrega. Mas, antes de ser aceito pela sociedade, em primeiro lugar o recém-vegano tem de se confrontar com a aceitação de sua família. Este não é uma questão também a ser considerada? A transição para o veganismo é um teste não só para o neovegano, mas também pra sua família?

Christian Saboia – Precisamente. É examente no núcleo familiar que os maiores problemas tendem a ocorrer. Todos sofrem e este sofrimento é legítimo. Mais do que nunca, precisamos de abordagens mais maduras e ternas para lidar com estas relações entre pessoas que se amam. Precisamos incluir também os não vegetarianos que têm relação com os vegetarianos em nossas ações. Transmitir segurança e apoio. Demonstrar que a atitude do neovegano, nos seus termos, é bem fundamentada, segura e positiva, para ele próprio e para os outros. Esta é uma preocupação e um foco de atenção do ConsciênciaVeg.

ANDA – Um desafio para os abolicionistas veganos relaciona-se ao uso e consumo de itens diversos, por exemplo, tinta para impressora e sintéticos derivados do petróleo. Em todos há um vinco escondido, o do sofrimento causado aos animais que foram usados nos testes desses itens antes de serem lançados no mercado para consumo humano. Como você encara esse “dilema” de não poder adotar uma forma absolutamente vegana em tudo o que costumamos consumir, já que precisamos continuar a trabalhar, comer e interagir num mundo onívoro?

Christian Saboia – Particularmente, não gosto do termo onívoro para designar os não vegetarianos. Isto porque os exploradores se escondem neste termo e o usam para nos colocar na categoria de “diferentes”. Todos somos onívoros. Não me tornei herbívoro, assim como quem come carne, por exemplo, não se tornou carnívoro. Todos temos escolhas.
Se, de um lado, o veganismo praticado representa o máximo ao nosso alcance de forma abrangente atualmente, o discurso dos exploradores senta-se sobre o extremo oposto desta posição e baseia seu discurso, não em valores intrínsecos, mas em contraposição à conduta vegana. Por esta razão, prefiro chamá-los de antivegs.
Existem então, ao meu ver, três grupos: os veganos, vegetarianos e protetores em um lado; os neutros em relação aos direitos animais, que são a grande maioria no largo centro; e os antivegs, no lado oposto, que defendem seus próprios interesses e portanto, são os verdadeiros extremistas.
Acredito que a proposição desses dilemas éticos surge essencialmente dos antivegs (ou dos antivegs que nos habitam), em suas provocações em relação à nossa coerência. É uma estratégia para nos colocar, por assim dizer, correndo atrás de nossos próprios rabos. Da minha parte faço o melhor que posso, dentro dos meus limites intelectuais, inclusive. Não há nada que qualquer um possa fazer além disto, de fato.

ANDA – Como líder de uma ONG centrada mais no vegano que no veganismo, como você vê as diferenças entre as abordagens e propostas da várias vertentes de defesa animal? O movimento que você organizou no Dia Mundial Antivivissecção em São Paulo, que teve a proeza de reunir representantes e ativistas das mais influentes ONGs de defesa animal, reflete bem o que você planeja como meta?

Christian Saboia – Vejo estas diferenças de abordagens e propostas como absolutamente indispensáveis. Estamos aprendendo, e a diversidade de experiências é uma grande força para o nosso ativismo. A capacidade de mobilização, cooperação e articulação das diversas ONGs é também uma tremenda vantagem.
A manifestação no “Dia Mundial Antivivissecção” este ano ocorreu em várias cidades, na verdade, como Rio de Janeiro, Campinas e na Baixada Santista. Contudo, fiz muito pouco pessoalmente. A virtude e fator de sucesso principal da manifestação sempre esteve nas próprias ONGs que estavam prontas e dispostas.
A cooperação, tanto na data, quanto na divulgação, bem como a presença absolutamente representativa de ativistas demonstra maturidade e me deixa bastante otimista. O pleno exercício da opção de consciência passa obrigatoriamente pela liberdade de expressão. Neste sentido, esse evento é um importante marco na história do ConsciênciaVeg. Ainda, penso que uma vocação de nossa ONGs é fornecer ferramentas e fomentar a ação articulada e cooperação entre os grupos.

ANDA – A libertação definitiva dos animais, hoje, ainda parece muito distante. Mesmo que aparentemente as mudanças sejam lentas, você acredita que devemos continuar a informar a todos e encorajar novas atitudes?

Christian Saboia – Com todas as nossas forças. Porém, devemos aprender sempre. Ver o que funciona e o que não funciona. Nosso objetivo é uma mudança cultural. É inocência exigir das pessoas individualmente tudo e tudo agora. Algumas pessoas simplesmente não serão capazes de fazerem isto sozinhas. Somos animais sociais e políticos. Não há como abdicar desta herança genética e cultural.
Se desejamos ver mudanças reais, precisamos incorporar estes novos valores ao conjunto de valores mínimos aceitáveis. Isto se dará pela educação e cultura, comunicação de massa, atuação política, pela atuação pelos caminhos jurídicos, pela ciência, pela religião, pela filosofia, pelos esportes, até mesmo pela moda. Enfim, não há caminho dispensável, na verdade. É um debate amplo e que obrigatoriamente envolverá toda a sociedade. É não é nada menos do que isto que queremos.

ANDA – Na sua opinião ser vegano é um sacrifício ou um privilégio?

Christian Saboia – Não posso considerar privilégio algo que me sinto eticamente obrigado a fazer. Seria o mesmo que dizer que me sinto privilegiado por ser honesto. Não me parece razoável nem muito sincero comigo mesmo. Tampouco considero um sacrifício, já que não me vejo como vítima de minha opção de consciência. Minha experiência como vegano e como vegetariano durante boa parte de minha vida foi pautada por diversas matizes. Às vezes as dificuldades de acesso a alimentos ou produtos praticamente intransponível representou uma fonte de dissabores, e em outras, as novas possibilidades, a descoberta de um novo restaurante, uma nova loja, uma nova receita e, principalmente, novos amigos, tem sido uma grande fonte de alegria.

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