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Acórdão do TJSP reconhece a crueldade aos animais em rodeios

15 de abril de 2011
5 min. de leitura
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Por Renata Martins  (da Redação)

Em novembro de 2007 a Mountarat Associação de Proteção Ambiental moveu uma ação civil pública em face de Doctor’s Ranch, tendo como objeto o impedimento da ré em utilizar animais em festivais, treinamentos, aulas ou eventos similares a serem realizados a qualquer momento.

A Mountarat abraçou tal demanda considerando-se diversas denúncias que vinha recebendo sobre as constantes laçadas de animais realizadas na Estrada de Caucaia, altura do número 1000, no Município de Cotia (SP), com diversos testemunhos de flagrantes de animais desfalecidos no local, bem como o anúncio da ré de que realizaria um festival de laçadas de animais naquele mês.

A trajetória foi longa e árdua, sendo que em primeiro grau, apesar do juiz a quo reconhecer que “restou comprovado que as provas que utilizam laços causam maus-tratos aos animais”, julgou a ação improcedente, por entender que o pedido da autora foi genérico.

De fato, optamos na citada ação em fazer um pedido abolicionista, com o objetivo de finalmente levar ao Judiciário a coerência em prol dos direitos animais, ou seja, impedindo-se qualquer forma de utilização dos animais.

Ocorre que, como tal pedido não foi acolhido em primeira instância, sendo que nem ao menos foi a ação julgada parcialmente procedente, impedindo-se as comprovadamente cruéis laçadas, outra opção não havia se não a apelação.

Assim, apelamos justificando de forma incisiva a coerência lógica, jurídica e filosófica do pedido amplo (abolicionista), mas, ao mesmo tempo, não pretendendo colocar tudo a perder (sem aventuras jurídicas, mas apenas uma introdução do abolicionismo no Judiciário!), requeremos incisivamente que ao menos as laçadas fossem vetadas, já que esta é a atividade corriqueira e única da ré.

Pois bem. No último dia 31.03.2011 a citada Apelação foi julgada pela Câmara Especial de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Apesar de inúmeras vitórias em primeiro grau contra os rodeios, até então, infelizmente diversos haviam sido os julgamentos do TJSP no sentido de que se os apetrechos usados em rodeios e atividades similares atendessem às especificações da lei federal dos rodeios (sedém de algodão, esporas sem pontas, laço com redutor de impacto etc.), não haveria qualquer impedimento às atividades, considerando-se a falta de comprovação científica que tais atividades submetem os animais a crueldades (sic).

Porém, desta vez tudo foi diferente. Em um brilhante Acórdão relatado pelo Desembargador Renato Nalini pudemos ver os direitos animais reconhecidos pelo Tribunal paulista em relação aos rodeios (Apelação n.º 0013772- 21.2007.8.26.0152).

Merecem destaque alguns trechos do citado Acórdão, nas sábias e inspiradoras colocações do Exmo. Desembargador:

“ (…) Toda prova produzida quanto à matéria tratada neste autos é contundente. (…) A atividade do rodeio submete os animais a atos de abuso e maus-tratos, impinge-lhes intenso martírio físico e mental, constitui-se em verdadeira exploração econômica da dor …

(…) Ainda que se invoque a existência de uma legislação federal e estadual permissiva, a única conclusão aceitável é aquela que impede as sessões de tortura pública a que são expostos tantos animais.

(…) E é evidente que os animais utilizados em rodeios estão a reagir contra o sofrimento imposto pela utilização de instrumentos como esporas, cordas e sedém. A só circunstância dos animais escoicearem, pularem, esbravejarem, como forma de reagir aos estímulos a que são submetidos, comprova que não estão na arena a se divertir, mas sim sofrendo indescritível dor.

Não importa o material utilizado para a confecção das cintas, cilhas, barrigueiras ou sedém (de lã natural ou de couro, corda, com argolas de metal), ou ainda o formato das esporas (pontiagudas ou rombudas), pois, fossem tais instrumentos tão inofensivos e os rodeios poderiam passar sem eles.

Em verdade, sequer haveria necessidade dos laudos produzidos e constantes dos autos para a notória constatação de que tais seres vivos, para deleite da espécie que se considera a única racional de toda criação, são submetidos a tortura e tratamento vil.

(…) Tampouco convence a alegação de que a festa de rodeio é tradição do homem do interior e faz parte da cultura brasileira – como se isso justificasse a crueldade contra animais. As festas hoje realizadas em grandes arenas, com shows, anunciantes e forte esquema publicitário, nada têm de tradicional, no máximo constituem exemplo de um costume adotado por parcela da população – essa sim prática reiterada e difundida – de copiar e imitar estrangeirices, o country da cultura norte-americana. Sua proibição – no que tem de martirizante aos animais – não causará dano algum à cultura bandeirante ou nacional.

(…) Infelizmente, está longe o tempo em que a humanidade se conscientizará de que a vida é um fenômeno complexo e que a realidade holística da aventura terrena une toda manifestação vital por elos indissolúveis. Rompido qualquer deles, as consequências serão nefastas não apenas para aquela espécie atingida, mas também para todas as demais.

Aparentemente a humanidade regride. (…) . Em pleno século XXI há quem se entusiasme a causar dor a seres vivos e se escude na legalidade formal para legitimar práticas cujo primitivismo é inegável.”

Ante as citadas incontestáveis assertivas, ao final deu-se parcial provimento à apelação da Mountarat, condenando a ré na obrigação de não fazer para que se abstenha de realizar provas de rodeio em festivais/eventos (bulldogging, team roping, calf roping e quais outras de laço e derrubada), bem como em treinos e aulas sob pena de aplicação de multa diária no valor de cinco mil reais.

Sem dúvida tal decisão significa um enorme ganho aos animais e ao reconhecimento de seus direitos e nos torna mais esperançosos e fortes para prosseguirmos nesta longa caminhada que tem sido a busca pela total abolição ao uso de animais.

A inspiração torna-se maior e a esperança que esta decisão seja pacificada no Tribunal bandeirante é agora nossa maior sonho – e que este não seja utópico!

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