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"Ativismo não é opção", diz brasileiro que voltou da Antártida

7 de março de 2011
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O nutricionista George Guimarães, voluntário em expedição na Antártida, instala grades de proteção em convés de navio. (Foto: Sea Shepherd/Divulgação)

A ONG Sea Shepherd realizou, neste verão, uma de suas expedições contra a captura de baleias na Antártida, executadas principalmente por navios japoneses. Neste ano, pela primeira vez, as atividades de caça aos mamíferos marinhos foram interrompidas antes do fim da temporada.

O paulistano George Guimarães, 37, participou, entre os dias 22 de dezembro de 2010 e 5 de fevereiro de 2011, da última campanha da ONG que transformou caçadores em caça e a considerou a mais bem-sucedida da história –a organização atua nos mares da Antártida desde 2002.

Nutricionista de formação, Guimarães é especialista em dieta vegetariana e é proprietário de dois restaurantes vegetarianos em São Paulo. “Não é só no ativismo. Minhas outras atividades também são uma forma de defender os direitos dos animais”, disse ele à Folha.

Seus dois filhos, de 12 e 10 anos, também não consomem carne em nenhuma refeição.

Acompanhe a entrevista:

Na sua opinião, qual o balanço da campanha deste ano?

George Guimarães – Esta, sem dúvida, foi a campanha mais bem-sucedida. Foi a menor cota que os japoneses já caçaram — cerca de 10% do que objetivavam — e a primeira vez que eles abandonam a temporada no meio, justamente pelas dificuldades impostas pela Sea Shepherd. Isso se deve ao fortalecimento da nossa estrutura e também ao fato de a frota japonesa ter vindo com menos navios do que de costume.

Mas houve algum outro motivo, além da presença da Sea Shepherd, pelo qual eles teriam recuado?

Eles recuaram por causa da nossa presença, mas houve motivos por que não conseguiram resistir tão bem a ela. Eles estavam com uma frota menor, e a Sea Shepherd, com uma melhor.

E o que a Sea Shepherd tinha de diferente para tornar a ação deste ano mais eficaz que as anteriores?

No ano anterior, tivemos uma embarcação semelhante ao Gojira [nome de barco de alta velocidade presente na campanha de 2011], mas ela foi destruída pela frota japonesa logo no início da campanha, então teve pouca eficiência. Desta vez, o Gojira perseverou até o final da campanha. Ele faz toda a diferença, porque ajuda na localização da frota [dos navios japoneses]. Foi o Gojira que cumpriu esse papel.

Você já havia participado dessa campanha?

Eu não tinha nenhuma experiência com a vida marítima. Foi minha primeira campanha da Sea Shepherd. Eu sou ativista há 16 anos, tenho um grupo de defesa de animais aqui no Brasil, mas essa experiência era o que eu estava esperando já há algum tempo. Surgiu a oportunidade, fiquei sabendo e tinha 36 horas para pegar o avião [para ir à Nova Zelândia, de onde saem as embarcações da ONG], mas não podia deixar passar, porque realmente era uma experiência única poder participar dessa forma de ativismo.

O que o motivou?

Entendo que o ativismo não é sequer uma opção. Qualquer indivíduo que participa da sociedade tem a obrigação moral de atuar, de usar tempo e energia, para reverter os erros que a nossa sociedade cometeu no passado. Isso pode se aplicar a várias áreas, como na social ou na ambiental. Eu optei pelos direitos dos animais. O que me motiva é a responsabilidade, mesmo, de reverter a situação que foi criada. Acredito que todo mundo deveria ser ativista, doar um pouco de tempo por alguma causa.
Conheço o trabalho da Sea Shepherd há três anos e meio. Há dois anos me convenci de que queria fazer parte de uma das campanhas. Foi quando me inscrevi. Fui chamado agora.

Como funciona o processo de se candidatar a voluntário?

Eu me voluntariei há dois anos. Quando você faz isso, não é específico para uma campanha. Realmente, a campanha de que eu gostaria de participar era essa, que é a maior campanha deles, mas eu estava aceitando a ideia de que, para chegar até essa, teria de participar primeiro de outras campanhas mais “low profile” [menores]. Felizmente fui chamado para a campanha mais bacana. Como é trabalho voluntário, nem sempre eles devem poder dizer “Ah, primeiro faça tal trabalho para ficar mais treinado”, apesar de talvez eles preferirem assim.

Você preenche um formulário, diz a sua disponibilidade de tempo — não escrevi uma data específica de disponibilidade, por isso meu cadastro ficou em aberto — e suas habilidades. Não tenho muitas quando se trata da vida a bordo, talvez por isso não tenha sido chamado logo. Não sou marceneiro, serralheiro ou engenheiro, funções mais delicadas, com menos voluntários. Deve ter mais gente como eu, que está lá para fazer qualquer coisa.

Tendo sido sua primeira experiência a bordo, você passou por algum treinamento ou preparação?

Não, eu recebi a ligação e tive que pegar o voo 36 horas depois. O treinamento era “na raça”. Comecei no convés e fui ganhando experiência. Na ponte de comando, foi a mesma coisa. Eu não sabia nada sobre radares, sobre navegação. Tem alguém que te passa o que deve ser feito, e há ajuda de pessoas mais experientes a bordo.

Que tarefas você executava?

No começo, durante o trabalho no convés, trabalhei com as cordas, fazendo lançamentos do barco pequeno e com limpeza. Todos se desempenham na limpeza do navio — lavar a louça, lavar banheiros, limpar os corredores, jogar o lixo fora –, já que não há funcionários em nenhum setor. Já na ponte de comando, eu trabalhava como assistente, monitorando os equipamentos de comunicação, os radares e fazendo o registro de tudo o que acontecia. Acabei ficando na ponte de comando em todas as situações de embate.

Houve algum momento de confronto do qual você participou, ou alguma situação de risco em que se envolveu?

Na maior parte do tempo, eu estava na ponte de comando, um lugar relativamente seguro. Por isso, não me senti ameaçado em nenhum momento, mas a tripulação foi ameaçada em algumas situações. Foram usados, por exemplo, dispositivos acústicos contra o helicóptero, de forma a deixar o piloto desorientado. Já houve, em outras campanhas, uso de armas de fogo contra o capitão do navio da Sea Shepherd. Mas, depois de repercussões negativas de ações deles na mídia, eles não repetem erros de anos anteriores.

O que você destacaria como experiência depois de voltar da campanha?

A importância de ações como essa. Saber que, quando meus filhos — ou melhor, meus netos — estiverem vivos, essas baleias que não foram mortas pela frota japonesa ainda existirão porque estávamos lá é algo muito gratificante.

Como você responderia a críticas a esse tipo de ação, descrita por algumas pessoas como “ecoterrorismo”?

A Sea Shepherd não usa violência, e sim intervenção física. Nenhuma das ações poderiam causar algum dano a algum ser humano ou animal que esteja a bordo dos navios. O uso da força é bem diferente do uso de violência. A força contra um navio ou uma instituição, sem ferir humanos, não é violência. Isso na verdade é uma confusão de quem está observando, ou uma confusão plantada, mesmo, para que as pessoas passem a observar dessa maneira. O governo japonês, por exemplo, tem feito isso, uma campanha para vender as ações da organização como ecoterrorismo. Na verdade, algumas ações da frota japonesa têm o potencial de ferir a vida humana, e até já chegaram a fazer isso. As ações da Sea Shepherd jamais feriram qualquer pessoa da frota japonesa.

A Sea Shepherd não poderia fazer isso em qualquer situação. Os japoneses estão lá ilegalmente, então ela faz o que os governos deveriam estar fazendo. É claro que se eu resolver intervir fisicamente em um matadouro em São Paulo, vou ser preso. Então, o que a Sea Shepherd faz na Antártida só pode ser feito na Antártida sem maiores consequências [para a organização]. Então, em outros projetos de ativismo, não vou aplicar as mesmas táticas aplicadas lá.

Você pretende embarcar novamente?

Não há nenhum tipo de compromisso, de nenhuma das partes, nesse sentido. O que posso dizer é que estou disponível, mas cuido também de outros projetos a favor dos direitos dos animais.

Fonte: Folha

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