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Vegetarianismo & Ecomoda

22 de fevereiro de 2011
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Em 2003, quando os temas ligados à natureza eram apenas inspiração para as coleções de moda, Marly Winckler, presidente da SVB – Sociedade Vegetariana Brasileira, fez um convite ao curso de Moda da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), para apresentação de um desfile “ecológico”, no 36° Congresso Mundial de Vegetarianismo[1]. O evento foi realizado em Florianópolis, no Hotel Resort Costão do Santinho, no período de 8 a 12 de novembro de 2004.

O tema proposto para os desfiles foi “moda sem crueldade”. Todas as peças foram confeccionadas sem utilizar matéria-prima de origem animal. O primeiro desfile foi desenvolvido pelos alunos formandos da oitava fase do curso de Moda/UDESC com a utilização de tecidos novos com propostas ecológicas, como: tecidos feitos a partir da reciclagem de PET, tecidos orgânicos, couro vegetal, entre outros. A coleção foi chamada “Sementes da Moda”. O segundo desfile foi desenvolvido pelo projeto de extensão “Coleção para o Veg Fashion”, com a participação de uma equipe de alunos e professores da UDESC, e pessoas da comunidade. Todas as peças foram confeccionadas com reaproveitamento de materiais. A partir de uma campanha no CEART – Centro de Artes da UDESC – foram arrecadados roupas, tecidos, calçados e demais objetos de vestuário que não eram mais utilizados pelos doadores. Após a triagem das doações recebidas, algumas peças foram totalmente desmontadas para criação de novos modelos, e outras receberam tingimentos, aplicações, customização, ou outras técnicas. A coleção foi chamada “Chic é ser consciente[2]”.

O evento teve projeção internacional, pois o Congresso Mundial de Vegetarianismo reuniu pessoas de diversos países para discutir questões relativas ao vegetarianismo e veganismo: alimentação, consumo consciente, preservação ambiental, direito dos animais, filosofia, entre outros.

Desfile 1° Veg Fashion - em novembro de 2004. (Fonte: Acervo pessoal)

A participação no evento nos estimulou para o estudo e aprofundamento da temática moda e meio ambiente. Em 2005, o tema abordado no “1° Veg Fashion” norteou a criação do Programa de Extensão EcoModa, sob a minha coordenação e do professor Lucas da Rosa, e também a pesquisa “Eco Fashion: consolidação de uma tendência ecológica para a moda”.

A idealização do Programa de Extensão EcoModa partiu, além das questões ambientais, também de motivações sociais. Dentre elas, verificou-se junto à coordenação do curso de Moda/UDESC que havia uma minoria de ingressantes formados em escolas públicas. A maioria dos jovens das comunidades de baixa renda tem dificuldade de ingressar no curso de Moda, pois há um alto índice de candidatos por vaga a cada vestibular[3]. Na verdade é a realidade nos demais cursos e universidades brasileiras.

Observamos também que não havia ações desenvolvidas no departamento de Moda para atender estas comunidades. A partir desse contexto, questionamos: que ações poderiam ser desenvolvidas para aproximar o curso de moda da comunidade, aliando a questão ambiental?

Quanto à questão ambiental, constatamos que o sistema da moda, com a renovação constante dos produtos, prescritas pelas tendências de moda, estimula o consumo excessivo, o que gera um ciclo de vida muito curto dos produtos do vestuário. A produção cresce para atender à demanda estimulada, com isso aumenta o consumo de energia, de água, de matérias-primas, efluentes, lixo, entre outros; bem como gera a redução de recursos naturais, causando impactos negativos ao meio ambiente natural. Como então podemos pensar o vestuário, junto com os alunos e a comunidade, num contexto de menor impacto ambiental?

Com base nas questões identificadas, o Programa de Extensão EcoModa UDESC foi criado como uma tentativa para gerar soluções socioambientais ligadas à área do vestuário. O objetivo do programa é disseminar na sociedade a produção e o consumo éticos, promovendo a inter-relação entre o meio acadêmico e a comunidade, por meio de ações socioambientais para a adequação dos produtos ligados ao universo da moda, num contexto de menor impacto ambiental e com geração de renda para os participantes. Constatamos que a extensão universitária seria o meio mais ágil para alcançar resultados relevantes na difusão dessa proposta no ambiente externo à universidade.

O Programa de Extensão EcoModa UDESC é constituído por projetos, eventos, cursos e diversas atividades como: palestras, exposições, participação em programas de televisão, rádio, entre outras. A maioria das ações acontece em Florianópolis, mas também recebemos convites para apresentar desfiles e palestras em outros estados e países.

No primeiro ano de atividade, em 2005, o Programa de Extensão EcoModa realizou  várias ações, entre elas o desfile infantil “É o bicho”.

Desfile da coleção “É o Bicho” - EcoModa vestindo uma nova era, no Floripa Fashion em agosto de 2005. (Fonte: Acervo pessoal)

O desfile da coleção infantil “É o bicho” teve como tema animais: gatos, tartarugas, cavalos, bois, galinhas, e outros, representados em aplicações, bordados e bonecos de tecido. Foram desenvolvidas roupas confortáveis em malha e jeans. O objetivo foi despertar no público uma reflexão acerca da necessidade das crianças de aprenderem brincando sobre o dever de respeitar os animais e toda natureza, desde a infância. Assim, acreditamos que podemos, por meio desse tipo de atividade, estimular a formação de adultos éticos e com valores que incluem a preservação do ambiente natural.

No segundo ano de atividade, em 2006, entre as ações do Programa EcoModa desenvolvemos o projeto “EcoModa: desenvolvimento de coleção para o II Veg Fashion”. A coleção chamada “modaCOMpaixão” foi desenvolvida a partir de roupas doadas, retalhos e outros materiais reutilizados, com uso de técnicas como: patchwork, customização, tingimentos, aplicações, bordados, fuxicos, entre outros. A coleção foi apresentada em desfile na cidade de São Paulo, dia 7 de agosto de 2006, no Memorial da América Latina, durante o 1° Congresso Vegetariano Brasileiro e Latino-americano.

Biquíni desenvolvido com retalhos. Projeto “modaCOMpaixão” do EcoModa em 2006. (Fonte: Acervo pessoal)

Em 2007, as atividades e propostas do Programa de Extensão EcoModa UDESC foram apresentadas pela primeira vez no exterior durante o I Encuentro Internacional de Diseño, Marketing Y Moda, que foi realizado nos dias 20 e 21 de setembro de 2007, em Bogotá, Colômbia. No primeiro dia apresentei a conferência “Desenvolvimento sustentável: um desafio para a moda”, e no segundo dia o desfile “Retalhos do Brasil”.

Desfile “Retalhos do Brasil”, Bogotá/Colômbia em 2007. (Fonte: Acervo pessoal)

Em 2008, a ênfase foi o trabalho junto à comunidade. O projeto “EcoModa na comunidade: ações sociais e ambientais” teve como objetivo desenvolver atividades junto à comunidade oferecendo cursos de capacitação, oficinas e palestras com foco na produção e consumo éticos, promovendo a geração de renda e a preservação do meio ambiente natural. Durante o projeto foram desenvolvidos produtos como: brinquedos, peças de vestuário e objetos de decoração, a partir de resíduos domésticos e de empresas de confecção do vestuário.

Figura 5 – Oficinas de customização: roupas, acessórios e brinquedos, 2008. (Fonte: Acervo pessoal)

Em fevereiro de 2009, apresentei conferência Ecodiseño Y Responsabilidad Social: Nuevos retos y exigencias para la industria de la moda, na Cámara de Comércio de Bogotá, e o desfile “ECOMODA” na abertura da “Semana de Moda de Bogotá”, Colômbia. No Floripa Fashion de março, do mesmo ano, apresentei a palestra “Moda com ética e com estética” e em maio a palestra “Princípios para uma moda sustentável” no SENAI de Brusque, SC.

Desfile “EcoModa Brasil”, Semana de Moda de Bogotá/Colômbia, em 2009. (Fonte: Acervo pessoal)

Em novembro de 2010 apresentei a Coleção “Primavera Silenciosa” em Firenze/Itália, no evento “Florens 2010”. A coleção teve como tema a Bióloga Rachel Carson. Com sua obra “Primavera Silenciosa”, publicada em 1962, Carson iniciou uma verdadeira revolução em defesa do meio ambiente natural, desencadeando investigações sobre os danos dos inseticidas e outros produtos químicos à saúde humana e para as demais formas de vida. Contudo, a indústria química multimilionária gastou milhares de dólares para difamar sua pesquisa e seu caráter. Por ser cientista,

sem doutorado, mulher, amante de pássaros e coelhos, ter gatos, ser solteira aos 54 anos, foi considerada, pelos afetados com suas denúncias, uma histérica cuja visão alarmista do futuro podia ser ignorada ou, caso necessário, silenciada.

Figura 7 – Coleção “Primavera Silenciosa”, apresentação em Firenze/Itália, em 2010. Saia de algodão reciclado, blusa de algodão orgânico com aplicações de renda de bilro e bijuterias com sementes e fibras vegetais, sapato de material sintético revestido de algodão reciclado. (Foto: Cláudio Brandão)

A coleção “Primavera Silenciosa” foi desenvolvida como a proposta para se repensar o sistema da moda vigente diante da emergência por um modo de vida ambientalmente mais sustentável. Para tanto, pesquisamos materiais com menor impacto ambiental, como os tecidos orgânicos, reciclados e reaproveitados. Também utilizamos produtos da cultura local como as rendas de bilro e os acessórios feitos por artesãos. Além disso, buscamos trabalhar com uma estética menos efêmera, mais atemporal, para que as roupas sejam usadas por mais tempo, não sujeitas à moda passageira.

O Ipê, uma árvore da mata atlântica brasileira, que floresce durante os meses de agosto e setembro, geralmente com a planta totalmente despida da folhagem cujos frutos amadurecem a partir de setembro a meados de outubro, foi o tema escolhido para criação da coleção “Primavera Silenciosa”. Os estágios de transformação do Ipê durante o ano: no inverno, folhas e galhos secos, parecendo estar sem vida, então renasce na primavera com suas flores brancas, amarelas, rosas e roxas, e no verão, o verde exuberante das folhas e o marrom do tronco harmonizam o calor entre o céu e a terra, inspiraram a estrutura da coleção que apresenta peças com formas básicas, baseadas na alfaiataria. Uma roupa feita para sair da passarela, ou da vitrine, para ser usada por uma mulher consciente do mundo que a cerca, que se veste bem, prima pela qualidade e pelo “ser ético”.

Em 2011, o Programa de Extensão EcoModa UDESC entra em seu sétimo ano de atividades, com muitas ideias e poucos recursos financeiros. Contudo, com mais reconhecimento, credibilidade e parcerias. Um trabalho que se iniciou como um projeto utópico de uma professora vegetariana, que respeita o direito dos animais e que gosta de transformar roupas usadas, mas que hoje é considerado pioneiro dentro da instituição/UDESC e que conseguiu parcerias importantes com empresas de tecidos reciclados e orgânicos, além da participação cada vez maior da comunidade e do interesse de outras instituições.

Sonhar é preciso… mas é necessário realizar!


[1] Congresso Mundial de Vegetarianismo acontece a cada dois anos em um país diferente, em 2004 no Brasil, em 2006 na Índia, em 2008 na Alemanha e em 2010 na Indonésia.

[2] Proposta pela jornalista Danieli Ferraz, organizadora do 1° Veg Fashion.

[3] Dados apresentados pela coordenação do curso de Moda/UDESC.

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