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Pesca, vilã dos mares

12 de fevereiro de 2011
4 min. de leitura
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Por Sérgio Greif   (da Redação)

Imagem ilustrativa

Há algo de inconsistente na relação entre pessoas e peixes. Essa inconsistência reside precisamente no juízo que fazemos desses animais, especialmente quando não os consideramos animais plenos. Todo vegetariano já ouviu, pelo menos algumas vezes, a pergunta envolta em pontinhos de exclamação: “Mas você não come nem peixe?!”. É claro que não, peixes são animais, eles não crescem em árvores.

Em nossa sociedade, os direitos animais já avançaram em alguns pontos. Por exemplo, no Brasil, a caça não goza de muita simpatia. A “caça”, porque a pesca ainda é considerada esporte que pode ser praticado até por crianças. Programas de pesca na televisão antecedem a programação infantil e isso nos mesmos canais onde, mesmo quando o assunto é pecuária, cenas de abate de mamíferos e aves nunca são mostradas explicitamente por serem consideradas por demais fortes.

Peixes são animais em todos os sentidos. Mas podemos entender o porquê desta falta de status. Ao contrário de outros animais não reconhecemos em peixes sinais externos de dor, e se eles gritam estes são sons inaudíveis aos nossos ouvidos. Peixes não alteram suas expressões faciais, portanto, dificilmente atraem compaixão. Para o raciocínio leigo, peixes nem mesmo são vivos, uma vez que vivem imersos na água e não devem respirar, e se não respiram não tem alma.

Para todos os efeitos, peixes são vistos como recursos. Estoques esgotáveis se não forem manejados adequadamente. Por essa razão, fala-se em sustentabilidade da pesca. Em um raciocínio proposto pela ecologia rasa, sustentabilidade é uma equação, onde o recurso é retirado em uma proporção igual ou inferior à sua capacidade de recomposição. O objetivo é sempre continuar proporcionando esse mesmo recurso ao ser humano, para que ele nunca falte.

Esse raciocínio é pobre e tosco, eu sei, não à toa chamamos de “ecologia rasa”. Mas para aqueles que pensam que isso é o mais baixo que podemos descer, sempre podem haver surpresas. Nesta semana li uma Carta Aberta da ministra da Pesca e Aquicultura, Ideli Salvatti, ao setor pesqueiro. Nela, a ministra como sempre reforça a importância econômica dessa atividade, dado o potencial brasileiro.  O objetivo da carta é basicamente informar que, em atendimento a uma proposta da presidenta Dilma Rousseff, o Brasil aumentaria sua produção de pescado.

De que forma fazer isso? Uma nova tecnologia? Não, até onde sei. A idéia consiste, em resumo, a simplificar o licenciamento ambiental. Enfraquecer o que o governo, desde seu antecessor, trata como meros artifícios de burocracia, atrasos de desenvolvimento. A meta inclui não apenas neutralizar o licenciamento realizado em esfera federal, mas também o licenciamento em âmbito estadual.

Ora, qualquer criança que já tenha assistido a um programa educativo voltado para o tema sabe que a exploração pesqueira já ultrapassou em muito sua capacidade suporte. Antes visto como a cornocópia, e ao mesmo tempo o sumidouro, do mundo, por muitos anos peixes, crustáceos e mariscos foram tirados dos mares como se estes jamais pudessem se esgotar, e ao mesmo tempo nosso esgoto e nosso lixo foram destinados para lá, como se o mar pudesse diluí-los infinitamente, a ponto de fazê-los sumir.  Há mais de 30 anos sabemos que não é assim, e a principal evidencia disto é a poluição marinha.

Em muitas localidades da costa onde a pesca era intensa os cardumes simplesmente desapareceram. Mares anteriormente ricos tornaram-se praticamente desertos submersos. Isso porque a pesca de arraste ceifa todas as formas de vida que possam ficar retidas em suas malhas. Isso significa que não apenas os peixes de interesse comercial –  as ditas “espécies nobres” – mas peixes sem qualquer interesse com o mesmo tamanho são também capturados e mortos, e descartados depois.

E o problema não se restringe apenas à pesca industrializada. A pesca artesanal, que se utiliza de redes fixadas ao leito por hastes metálicas, também é responsável pela captura não seletiva de peixes, além de prejudicar o próprio assoalho marinho e suas formas de vida. Caranguejos e lagostas, mesmo capturados manualmente um a um tendem a desaparecer, devido às pressões do mercado.

Há leis e regulamentos criados nas últimas décadas com o objetivo de tentar manter a atividade minimamente sustentável. Elas estabelecem normas de captura, épocas do ano, tamanho mínimo dos animais, etc. Estas, porém, se mostram ineficazes frente às novas demandas e, mais recentemente, os esforços federais em neutralizar tais regulamentações.

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