EnglishEspañolPortuguês

Problemas de animais soltos em rodovias próximas a Bauru (SP) estão longe de uma solução

14 de dezembro de 2010
7 min. de leitura
A-
A+
Em meio aos veículos, policial tenta retirar animal negligenciado pelo tutor na pista (Foto: Arquivo/Malavolta Jr)

Infelizmente, tal cena se tornou mais do que comum nas rodovias da região: um veículo destruído, vítimas graves e fatais sendo retiradas das ferragens e, a alguns metros do local, um cavalo estendido na pista. E o pior é que essa tragédia – que novamente se repetiu durante o último final de semana e resultou em três mortos na rodovia Bauru/Marília (SP) – se tornou um problema social que parece estar bem distante de uma solução.

Sempre que ocorrem tais acidentes, a opinião pública se inflama e questiona diferentes órgãos, que vão desde a fiscalização nas rodovias até a investigação para apurar e punir quem são os tutores negligentes desses animais. Entretanto, a reportagem constatou que a situação não é tão simplista assim.

Recaindo mais uma vez sobre a guarda responsável e consciente dos tutores – fato comum em todas as análises -, é preciso discutir inclusive o fim da “profissão” de carroceiro, visto por muitos como a única solução que amenizaria o problema.

Segundo o coordenador do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Bauru, José Rodrigues Gonçalves Neto, a maioria dos acidentes envolvendo animais em rodovias próximas às cidades atinge cavalos. “Calculo que os equinos sejam o motivo de 90% de acidentes que ocorrem em pistas que cortam a malha urbana. Os mais frequentes são na Bauru/Marília (Comandante João Ribeiro de Barros), Bauru/Piratininga (Rodovia Engenheiro João Batista Cabral Rennó) e na Bauru/Iacanga (Cezário José de Castilho)”, aponta.

E é exatamente por esse alto índice que Neto explica as dificuldades envolvendo o controle de quem trabalha com cavalos na área urbana. “Em casos de acidente, todo mundo fica procurando a responsabilidade. Polícia, CCZ, concessionárias têm sua parte a cumprir, porém não somos onipotentes. O principal responsável é o tutor do animal. É nele que as ações devem incidir”.

Em abril deste ano, o decreto municipal 11.213 tentou fazer exatamente isso. Veículos de tração animal seriam obrigados a integrar um cadastro e, assim, receberem uma autorização para continuar circulando. Com isso, a prefeitura esperava manter um controle maior sobre os tutores e, até mesmo, fiscalizar como estavam tratando os animais.

Entretanto, tal decreto não está atingindo o êxito esperado. A assessoria de comunicação da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb) informou que tal “fracasso” nos registros é devido a um artigo que obriga o carroceiro a apresentar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) que comprova a existência de um espaço destinado a abrigar o animal.

Sem este documento, os carroceiros não estão conseguindo se cadastrar e o processo está lento. A assessoria informou ainda que, por isso, está sendo analisada a hipótese de mudar o decreto e abolir a exigência do IPTU para facilitar os cadastros.

Entretanto, a assessoria de comunicação da Emdurb não informou como fará para abolir a apresentação do IPTU e, mesmo assim, ter a garantia de que os proprietários possuem um lugar para abrigar o cavalo.

Problema social

Mesmo que seja cancelada a obrigatoriedade da apresentação do IPTU, tal ação provavelmente não iria resolver a problemática dos animais na pista. Pelo menos é o que afirma o coordenador do CCZ. “É difícil conseguir êxito nesse cadastro. Muitos carroceiros não estão preocupados com esse registro. Nas reuniões que fizemos, apareceram 13 carroceiros. Você acha que só temos isso de carroceiros em Bauru?”, questiona.

Para Gonçalves Neto, o problema é de extensão social, uma vez que ele enxerga a solução exatamente na extinção da profissão de carroceiro. “Eu acho que o correto seria proibir. Mas isso deveria ser feito de forma lenta e a longo prazo. Ninguém nasce carroceiro. Para amenizar o problema de cavalos soltos na rodovia, o certo seria acabar com a profissão, porém, seria preciso todo um trabalho social para realocar esses trabalhadores”, aponta.

A delegada da Sociedade de Proteção Ambiental Mountarat, Damair Pereira de Almeida, concorda com o coordenador do CCZ. Preocupada com os casos recentes de acidentes ocasionados por animais nas pistas da região, ela está tentando marcar uma reunião com o prefeito Rodrigo Agostinho.

“É preciso uma ação conjunta. Quero me reunir com o prefeito, representantes das concessionárias, polícia rodoviária e outros órgãos para discutir o que fazer. Do jeito que está não pode ficar. Tem muita gente morrendo. Concordo que o mais correto seria acabar com a profissão de carroceiro”, completa a delegada da Mountarat.

Soltos para pastar

A delegada da Sociedade de Proteção Ambiental Mountarat, Damair Pereira de Almeida, confirma que, nas extensões de rodovias que cortam a malha urbana na região de Bauru, o maior perigo são os cavalos.

De acordo com ela, a irresponsabilidade de muitos tutores de equinos se junta ao próprio instinto do animal para causar as tragédias. “Os tutores negligentes deixam os animais soltos durante a noite para pastar. Mas o que acontece é que cavalos são seletivos. Não é todo capim que eles pastam. Assim, o tutor deixa o animal em um local, mas ele acaba se deslocando em busca de outros capins. Muitas vezes, ele faz isso até chegar na rodovia”.

Damair Almeida aponta que o correto é sempre deixar os animais presos em locais com espaço adequado e com boas condições, como alimento e o recolhimento periódico de fezes e urina.

Além dos crimes em decorrência dos possíveis acidentes que animais na pista podem causar, o delegado do 1º Distrito Policial (DP), onde também funciona a Delegacia Ambiental de Bauru, Dinair José da Silva, aponta que o próprio ato de abandonar o animal já é passível de punição. De acordo com o artigo 31 da Lei de Contravenções Penais, “deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente ou não guardar com a devida cautela animal perigoso” pode ser punido com multa ou detenção de 10 dias a dois meses.

Polícia garante que investigações dão resultado, mas cobra mais fiscalização

Outro apontamento frequentemente feito em relação aos acidentes com animais na pista é sobre as investigações policiais. Casos assim sempre levam a população a questionar: a polícia não consegue localizar e levar à Justiça os responsáveis por esses animais?

O delegado titular do 1º Distrito Policial (DP), Dinair José da Silva, afirma que as investigações já resultaram em várias prisões, porém, ele não sabe o desfecho de cada caso. “Já recebi e conduzi vários inquéritos. Em muitos, conseguimos localizar o responsável por um animal solto na pista. Agora, se ele foi punido da forma que deveria ou não, isso eu não posso garantir”.

Ele explica que o indiciamento pode variar de acordo com as consequências de cada caso. “A punição pode progredir desde o crime previsto no artigo 132, que é a periclitação da vida ou saúde de outro, e resulta em três meses a um ano de prisão ou até mesmo em penas maiores, como homicídio culposo ou, em outros casos, com dolo eventual, ou seja, quando o tutor assumiu o risco e as consequências de deixar um animal solto”.

O delegado começou ontem as investigações do acidente ocorrido na rodovia Bauru/Marília no último final de semana. A tragédia ocorreu na noite de sexta-feira, quando três pessoas morreram nas proximidades do Núcleo Fortunato Rocha Lima após atropelar um cavalo.

“A Polícia Rodoviária já faz uma investigação inicial no momento do acidente. Verifica se o cavalo tem alguma marca que possa identificar o tutor. Depois, nós seguimos. Apuramos a causa do acidente e quem realmente é o responsável”, informa.

Questionado sobre o decreto que registra os carroceiros, Dinair aponta que realmente ajuda, porém, pede mais fiscalização. “A Polícia Civil faz um trabalho após o acidente ocorrer. É preciso fiscalização nas estradas para evitá-los. Do mesmo jeito que é preciso fiscalizar se esses carroceiros são mesmo registrados. Caso isso funcione, ficaria mais fácil para nós localizarmos os tutores”.

Entretanto, o coordenador do CCZ, José Gonçalves Neto, mais uma vez aponta falha no decreto também nesse quesito. Segundo ele, “os equinos passam de um tutor para outro de forma muito rápida. Assim, um carroceiro poderia ter um cavalo registrado, porém, muito provavelmente, o animal já estaria sob a posse de outra pessoa”.

Fonte: JCnet

Você viu?

Ir para o topo