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Último suspiro

1 de outubro de 2010
3 min. de leitura
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O mundo está escuro, estamos dando nossos últimos suspiros.

A verdade mesmo é que ninguém está em paz. Caso contrário, o mundo estaria em paz, não em guerra, não estaríamos vivendo nessa lama de sangue onde pisam nossos hábitos, por onde se arrasta a nossa cultura.

Dói querer ver a mudança no mundo, dói enquanto nos sentamos à mesa e mais um animal é morto antes de ir parar na mesa do vizinho. Porque, mesmo sem saber, nós sabemos. Mesmo sem ouvir o grito, sem ler a notícia, nós fazemos parte do último suspiro de cada animal maltratado e morto.

Conversando com uma amiga lactovegetariana a respeito do direito dos animais à vida, no contexto da utilização de animais em rituais religiosos, ouvi a seguinte frase: “Fernanda, de onde você tirou essa história de direito à vida?”.

Pausa longa porque esse episódio me deixou em choque por alguns longos minutos. Passou minha fome e os meus olhos começaram a arder.

Confesso que me percorreu um lamento profundo, ao mesmo tempo em que minhas forças se moviam para emitir uma resposta brutal, que eu obviamente não vou reproduzir aqui. Eu quis dar um grito, queria fazer tudo parar, queria que estivesse ela no lugar do animal cujo assassinato ela tentava justificar a todo custo, porque me parecia ao menos mais justo.

Mas respondi apenas: “então fique em paz com as suas escolhas”. E o assunto morreu ali. Porque, na verdade, eu não tinha mais o que dizer. Ela queria um motivo para dormir tranquila e, quando a gente quer um motivo, qualquer coisa serve. Então nada do que eu dissesse adentraria.

Já virou tradição negar os direitos dos animais sob a máscara das mais elevadas e elaboradas justificativas (paladar, religião, cultura etc.) – dessa forma, tornamo-nos ainda mais sórdidos, porque nos escondemos debaixo de um pano falso, de algo que não existe. A pior coisa que há na vida é fazer parecer o que não é. E diante de um faro aguçado para incongruências, algumas falas se tornam ridículas. Então pronto, aproveito a deixa para pedir a todos o mínimo: sejamos honestos em nossas palavras, em nossa expressão. Matar é violência, tomar a vida de outro ser é violência. Liberdade é o que podemos fazer sem interferir no direito do outro. Simples e direto: não é preciso pintar as coisas de intenções que não são inerentes às atitudes em que estão contidas.

Aí vem uma questão polêmica: se as pessoas estão predispostas à violência, de que adianta serem vegetarianas? Se não nascem nelas primeiro a energia pacífica e o respeito?

Acho mais digno um ser não vegetariano a caminho do veganismo e da prática do bem, que se reconhece em seus equívocos e limitações, do que um vegetariano, ou quase isso, que não tem a menor ideia do que é respeitar o direito à vida de um outro ser.

Osho, que foi um espiritualista vegetariano, em um trecho de sua obra Um pássaro em voo, diz justamente isso: seria uma grande falsidade que as pessoas violentas deixassem de comer e consumir o que deriva da dor e da exploração dos animais. Um gesto pacífico é consequência do que somos interiormente e não o contrário.

O mundo não pode se tornar vegano agora. Porque ninguém está em paz. Estão todos alheios a si mesmos, e não há revolução que faça nascer em cada um a compaixão, senão o exercício individual que só percorremos com os próprios pés.

Sinto pelos que esperam do mundo essa mudança. Eu espero do mundo um despertar. Sigo acreditando no poder da arte inspirada na vida. Eu espero que as pessoas derretam seus muros e se reencontrem – e que, portanto, sejam menos impermeáveis. O vegetarianismo, que é a prática da compaixão pelos animais, virá depois, eu lhes garanto.

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