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Professor da USP se refere com desprezo aos animais durante palestra

30 de setembro de 2010
5 min. de leitura
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Simone D’oliveira
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Faço pós-graduação em gestão ambiental na UFRJ e estive em um seminário na FIRJAN sobre “Lixo: fonte de energia limpa.”. Estava assistindo à palestra do Sr. Sabetai Calderoni que é professor da USP, consultor da ONU e autor do livro Bilhões perdido no lixo. Tudo transcorria bem até o palestrante falar da utilização do esterco de animais para a geração de energia, fazendo o seguinte comentário: “São os animais trabalhando para nós e no natal ainda podemos colocá-los na nossa ceia.”

Abaixo, o-mail que enviei para esse senhor.

Sr. Sabetai Calderoni,

Assisti ontem à sua palestra no FIRJAN sobre “O potencial do aproveitamento energético do lixo nas cidades brasileiras”. Achei muito interessante o início, principalmente a parte que se falou sobre a redução do consumo de energia através das latinhas, papel, plástico, da conservação de energia, da compostagem.

Porém, foi feito um comentário infeliz, para não dizer de mau-gosto, quando foi apresentada a alternativa da utilização do esterco de animais (caprinos, bovinos etc) para gerar energia. Quem disse ao senhor que os animais têm que trabalhar para nós e que estão aqui para nos servir? Esse pensamento antropocêntrico, utilitarista e especista deveria ser substituído por um pensamento biocêntrico, principalmente nessa área ambiental, onde, hoje, estamos tentado fazer um resgate de nossa relação com a natureza.

Não consigo compreender porque os animais são sempre motivo de chacota, de risadas. Não ouvi nenhuma gracinha quando se falou em garrafas Pet e latinhas de alumínio; será que os objetos têm mais valor do que a vida, seja ela animal ou vegetal? E depois nos questionamos o porquê do consumo excessivo. Isso não me espanta, vindo de uma sociedade que trata o animal como um resíduo e  o coloca no mesmo patamar de um objeto.

Depois de utilizarmos os seus excrementos, eles ainda nos servem como ceia de Natal? Bom, o Natal virou sinônimo de consumismo e desperdício de comida, isso vai de encontro ao verdadeiro sentido dessa data. Deveria ser um momento de silêncio, paz e reflexão. Jesus nasceu entre animais vivos e de forma simples e, justamente, no dia do seu aniversário é colocada sobre a mesa uma variedade imensa de cadáveres, que tiveram uma vida de sofrimento e confinamento só para saciar nosso paladar egoísta, afinal, ninguém está muito preocupado com a saúde.

Aqueles milhões de animais que foram apresentados dentro das estatísticas só existem porque os seres humanos os usam para a alimentação: segundo o último relatório da ONU, são necessários 195 litros de água para se produzir 1 quilo de feijão, enquanto que para se produzir 1 quilo de carne são necessários 8.931 litros. Além disso, 70% da soja produzida no Brasil é utilizada na alimentação de animais; se ela fosse utilizada para a alimentação humana, seria capaz de acabar com a fome do planeta, até porque a soja não é um alimento natural do gado.Mais uma vez estamos na contra-mão da natureza.

Portanto, comer animais gera aumento da fome e da miséria do planeta, causa impactos ambientais e não é uma prática ética. Além disso, dentro de um ecossistema natural, que é equilibrado e sustentável, não existe esse número tão grande de animais e nem extinção de espécies, isso só ocorre quando há interferência da espécie humana para atender aos seus interesses financeiros.

Para a maioria das pessoas o meu pensamento pode ser considerado radical ou, para aqueles que gostam de rotular, “ecochato”. Entretanto, ser radical é uma questão de ponto de vista; para quem está acostumado ao desperdício e ao consumismo, qualquer ideia de preservação e conservação de recursos é considerada extremista. Aqueles que rotulam devem tomar cuidado para também não serem chamados de “ecoincoerentes” e egoístas.


Não há nada mais egoísta do que comer um animal somente para saciar seu paladar, pois essa teoria de que o nosso cérebro se desenvolveu graças ao consumo de proteína animal não tem nenhuma comprovação científica; se isso fosse verdade, os animais carnívoros seriam os mais inteligentes.

Pesquisadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido, analisaram os hábitos alimentares e o QI de oito mil voluntários em um período de 20 anos (fizeram testes quando todos tinham dez anos de idade e de novo aos 30) e notaram que o QI dos que seguiam dietas vegetarianas era, em média, cinco pontos mais alto do que o daqueles que comiam carne regularmente. Os vegetarianos também eram mais propensos a ter diploma de curso superior e empregos melhores.

Dessa forma, devemos compreender que as condições em que a evolução humana se deu permitiram que o homem desenvolvesse sua inteligência para compensar seus desvantajosos atributos físicos Na maior parte de nossa história, as populações humanas subsistiram com dietas à base de vegetais, com  eventual acréscimo de algum componente de origem animal.

Mais uma vez, é necessário observamos a natureza, existem mais animais herbívoros do que carnívoros e mais espécies vegetais que animais.O planeta não aguenta bilhões de pessoas se alimentando de carne. Estamos vivendo um momento crítico de nossa existência, devemos repensar nossos atos, rever velhos conceitos. Devemos escolher se somos aqueles que riem e debocham ou aqueles que respeitam, se somos aqueles que destroem ou preservam, que matam ou que cuidam.

Nem sempre o progresso é sinônimo de evolução, basta ver a forma como nossa sociedade se constituiu. De nada adianta a evolução tecnológica se não vier acompanhada da evolução do pensamento.

Atenciosamente,

Simone Maria Simões D’Oliveira

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