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Eco-economia no cinema: “A carne é fraca” e as implicações à saúde do consumo de carne – parte 3

28 de setembro de 2010
7 min. de leitura
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Os depoimentos do médico Márcio Bontempo, do médico pediatra Paulo Eiró Gonsalves, da socióloga Marly Wincker, do psicólogo e higienista Fernando Travi e dos jornalistas Dagomir Marquezi e Flávia Lippi estabelecem um ótimo subsídio contra o bem-estarismo no núcleo temático sobre saúde de A carne é fraca. Entende-se por bem-estarista o discurso errôneo que prega que as pessoas devem comer carne em nome da sua saúde, do seu próprio bem-estar. Evidentemente este discurso não considera o bem-estar dos bichos, pois para isso eles teriam de estar a quilômetros de distância do alcance da maldade humana. Os assuntos abordados nesta terceira parte sobre saúde são variadíssimos: a putrefação da carne, a ingestão de proteínas, os agrotóxicos, o vegetarianismo e a dieta vegetariana para crianças. As palavras dos médicos são indispensáveis e elucidativas sobre como a mudança de hábitos alimentares podem recuperar a saúde das pessoas e do planeta.

O médico Márcio Bontempo propõe uma observação crítica aos produtos anunciados em comerciais televisivos, como o presunto. Segundo o médico “o homem está matando os bichos e se intoxicando com isso. O porco se vinga. O presunto tem gordura saturada, tem nitrito de sódio e potássio, tem corante, tem antibiótico e hormônio. Isso produz uma quantidade enorme de doenças. E esses materiais, que são também altamente tóxicos, são responsáveis pelo surgimento do câncer no intestino. A incidência de câncer no intestino grosso duplicou de uma década para cá. Isso é dado da Organização Mundial da Saúde”. Ele lembra que o ato de comer carne “vem do tempo da barbárie, do homem das cavernas, de queimar um bicho, sangrar um bicho e comer”.

É pela força de depoimentos como este e das mais recentes pesquisas na área médica que se esclarece sobre a dieta vegetariana, como contraponto aos efeitos nocivos dos produtos de origem animal à saúde. É o médico pediatra Paulo Eiró Gonsalves quem exprime que a carne não vai fazer falta na refeição das crianças, pois não é necessária ao organismo humano. Um fator fundamental nesta discussão é a preferência inata de muitas crianças contra o ato de comer carne, que geralmente não é respeitada pelos pais. Conforme a presidente da SVB – Sociedade Vegetariana Brasileira –, Marly Winckler, “é essencial também que os pais se abram para isso. E que os profissionais de saúde forneçam subsídios para que eles se tranquilizem”. Para ela, existe uma ditadura da informação que só passa dados equivocados sobre a alimentação. É fácil entender que existe uma cultura incentivada pela mídia de que a carne e outros produtos como leite e ovos são saudáveis e indispensáveis, quando, na verdade, os consumidores não são comunicados sobre os problemas que isto traz à saúde. No caso das crianças é ainda pior. O filme pauta a falta de questionamento dos pais sobre esta condição e ainda expõe que as crianças são duplamente vítimas, pois não têm o direito de se manter fora deste sistema. Tampouco elas têm acesso à verdade sobre o trajeto desses produtos até o prato.

Para complementar a fundamentação de que a carne faz mal à saúde humana, o psicólogo e higienista Fernando Travi alega que “o câncer só existe em carnívoros no mundo animal. Não se tem notícias de câncer em herbívoros e frugívoros”. Em acréscimo a estes dados, Travi relembra que o ser humano é aquele que é capaz de fazer coisas conscientes. À maioria dos consumidores parece impossível identificar que a carne mobiliza imediatamente uma quantidade imensa de bactérias responsáveis pela putrefação deste material. Porém, ao observarmos a ignorância das pessoas quanto ao que comem, é no mínimo esperançoso ver que uma iniciativa como A carne é fraca comparece em boa hora para traduzir o verdadeiro atentado à saúde humana da inclusão de carne.

Para Bontempo “a carne não nutre. Ela é indigesta. Ela fica mais tempo no estômago. E a falta de proteínas é um velho e surrado clichê: – ‘Mas sem carne, como vou obter as minhas proteínas?’ Grandes primatas como o orangotango são vegetarianos”. Marly Winckler acrescenta que “o próprio arroz que é pobre em proteína, tem de 8% a 9%, que é o que a gente precisa consumir por dia”. É ela quem indica que não existe carência de proteínas. “Não conheço ninguém com carência de proteína. O que existe é o excesso. As pessoas têm excesso de gordura, excesso de proteína. O resto é mito, gerado por esta mesma indústria que tem interesses a defender, mas que pode se transformar para atender uma nova tendência mundial”, acrescenta ela.

Sônia Felipe, pesquisadora e autora do livro Ética e experimentação animal: argumentos abolicionistas, critica o modelo de economia de mercado: “As pessoas que comem carne, que usam pedaços de animais ou produtos de animais estão na verdade pagando para que esta maquinaria de transformação da vida em coisa morta continue funcionando e dando lucro a alguns empresários”. A falsa ideia de que uma alimentação com carne é normal e necessária é desmentida e justificada ainda por vegetarianos como Éder Jofre, ex-pugilista, que deixou de comer carne em 1956 e dá seu depoimento para insistir que “estou vivo, estou legal, estou saudável, estou forte”. Para o jornalista Dagomir Marquezi, o vegetarianismo é uma opção saudável, lucrativa e “benéfica para a sociedade como um todo”. Para ele “essa nova geração, se tivesse uma chance maior de ter mais opções vegetarianas, daria o maior lucro”. Não só seria uma conquista para a saúde das pessoas se parassem de comer carne, como também há imensas possibilidades de investimento e rentabilidade por parte de empresas que queiram investir neste segmento de consumidores que não toleram espetáculos repugnantes. “Nós somos um nicho consumidor, nós queremos produtos. E temos dificuldades de achá-los. Algumas indústrias já estão percebendo isso”, completa Winckler.

O vegetarianismo é apresentado com o primeiro passo para o fim da escravidão animal. Para o médico Bontempo, ele está em sintonia com “esse novo tempo, essa consciência mais holística e global”. Um mundo melhor para todos passa pela abolição das vítimas do costume cultural. “Para construir um mundo melhor a gente necessariamente vai ter que rever esta questão da alimentação e tirar a carne do cardápio”, fala Winckler. É dela a frase que sintetiza o apelo pela paz: “Temos que começar a praticar a paz numa coisa que a gente faz todos os dias, às vezes três vezes por dias ou até mais, que é comer”.

De olhos bem abertos

A carne é fraca promove a libertação em três frentes: contra a destruição do meio ambiente, o especismo e o bem-estarismo. A temática geral é sobre os bastidores da incompreensível e intolerável invenção do homem para tornar miserável a vida dos animais e a de quem consome os restos mortais de suas carcaças. Ao terminar de assistir ao filme é realmente impossível não comparar esta situação a momentos históricos igualmente violentos e percebermos que tais execuções evocam a repetição das privações, abusos e mortes impostos nos campos de concentração nazistas.

A carne é fraca é dedicado a todos os seres que vivem e morrem para consumo humano, de acordo com Nina Rosa. Apenas espíritos egoístas, indiferentes e ambiciosos conseguem tolerar tal realidade após assisti-lo. Propõe o maior serviço à vida a que o audiovisual brasileiro já se prestou em sua história: um convite à tomada de consciência sobre o papel de cada um na cadeia de sofrimento, fundamentado cientificamente nas palavras dos maiores especialistas brasileiros, de forma a promover o direito de outras espécies. Como dito por Nina Rosa: “Para os animais, não importa o que você sente ou pensa, importa o que você faz”. A carne é fraca é a melhor aula que alguém pode assistir contra o especismo. E por se valer do cinema para isto, já é um clássico de ousadia e coragem em nome da abolição. E não impressiona o fato de ter sido realizado com poucos recursos e de forma independente.

Para assistir A carne é fraca

A carne é fraca foi dirigido por Denise Gonçalves, tem 54 minutos de duração e está disponível em DVD com 4 opções de idiomas. Pode ser adquirido no site do Instituto Nina Rosa (www.institutoninarosa.org.br). No site também é possível acessar os links para assisti-lo on-line.

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