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Cresce movimento por delegacias e promotorias para crimes contra animais no Brasil

8 de setembro de 2010
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A sociedade brasileira tem se organizado pela implantação de delegacias, núcleos especiais ou promotorias onde questões envolvendo animais possam ser tratadas de forma diferenciada. A importância desses centros reside numa maior eficácia no cumprimento das leis e na punição mais efetiva de quem maltrata, mutila, abusa ou fere animais.

O movimento em prol de instituições especializadas surgiu de forma quase natural devido ao crescente reconhecimento da importância da promoção do bem-estar animal. Sabe-se, atualmente, que esse fator gera reflexos importantes para a própria saúde física, mental, emocional dos seres humanos que convivem com animais, ou compartilham seu meio ambiente, sobretudo nas regiões densamente urbanizadas.

Fato é que os animais ocupam cada vez mais espaço na sociedade humana, e cientistas, como a professora Ceres Faraco, médica veterinária e psicóloga, perceberam a importância dessa ligação e levaram para a área acadêmica pesquisas e estudos envolvendo as relações interespécies.

Ceres defende a tese das famílias multiespécies, que trazem benefícios para humanos e animais. Os relacionamentos e interações envolvem conforto, companhia, sentimentos e emoções. Essas trocas passaram a interessar pesquisadores, chegaram à academia há cerca de três décadas, gerando estudos e pesquisas na área comportamental, na Medicina Veterinária, na Psicologia, e também na área do Direito.

Os animais não são sujeitos de Direito, mas existe um forte movimento mundial pelo reconhecimento dessa condição. Da mesma forma, é crescente a busca de garantias para os animais: direito ao bem-estar, à liberdade, à expressão de seus comportamentos naturais e à assistência médica veterinária. Com forte embasamento legal, as garantias refletiriam na estrutura e gerariam novas demandas nas instituições públicas, inclusive no judiciário.

Promotoria Animal

 

O promotor de Justiça de São José dos Campos, Dr. Laerte Fernando Levai, defende há alguns anos a criação da Promotoria de Defesa Animal. Essa tese saiu dos bancos acadêmicos onde foi em primeiro lugar apresentada, tomou as ruas e sensibilizou autoridades e cidadãos comuns. Uma ideia que se une a vários movimentos paralelos pela criação de delegacias específicas para crimes envolvendo os animais.

Teoricamente, qualquer Distrito Policial deve receber denúncias relativas a agressões, abusos, maus-tratos e outros crimes envolvendo animais, desde a vigência da Lei de Crimes Ambientais, que criminalizou essas práticas. Entretanto, há relatos de cidadãos que buscam atendimento e são recebidos com má vontade por escrivães e até delegados, o que acaba intimidando e afastando possíveis denunciantes.

A criação de uma Promotoria, comparada a de uma Delegacia ou Núcleo, é um processo mais lento, exigindo a aprovação de uma lei e a designação de um promotor.

O caminho menos complexo defendido em São Paulo pelo procurador e deputado estadual Fernando Capez (PSDB/SP) é a criação de um Grupo de Atuação Especial de Defesa Animal, que poderá reunir promotores afetos e sensíveis às demandas envolvendo animais, sejam eles domésticos, domesticados, silvestres nativos ou exóticos. Esse grupo pode ser criado pelo Procurador Geral de Justiça, sem a necessidade de uma lei, e fica ligado diretamente ao gabinete dessa autoridade.

Delegacias Especiais

No município de São Paulo, já existe, há 10 anos, um grupo especial de meio ambiente. Recentemente, esse grupo ganhou status de Delegacia de Meio Ambiente, e mais uma delegacia especializada foi criada.

Marcelo Pavlenco, da ONG SOS Fauna, afiliada à WSPA e especializada no trabalho com animais da fauna silvestre brasileira, explica que os “outros distritos policiais ficaram impedidos de atender crimes contra o meio ambiente, que só podem ser tratados pelas delegacias específicas”.

Pavlenco vem percebendo melhoras, com mais apoio das autoridades quando se trata da repressão a crimes envolvendo os animais silvestres, e afirma que “muito mais do que delegacias especializadas, precisamos de pessoas vocacionadas para tratarem de crimes envolvendo a vida animal. Se a autoridade não é sensível, não funciona”.

O promotor e colunista da ANDA Laerte Levai crê na importância de delegacias especializadas, e acredita que, assim que uma delas é instalada, a procura é enorme, pois a demanda estava antes reprimida. “As pessoas não têm coragem de fazer um boletim de ocorrência, buscar uma delegacia quando o caso envolve animais, pois têm medo de serem ridicularizadas, e muitas vezes são mesmo.”

Quando um animal é ferido, morto, envenenado ou mutilado, as pessoas ficam “sem direção”, diz o promotor. “Buscam a zoonoses, buscam as ONGs, tentam daqui e dali e se desesperam”, afirma. Assim, a implantação de delegacias especializadas facilitaria o processo de denúncia. Levai lembra, entretanto, “que ainda resta saber o que fazer com o animal vitimado que sobreviveu e, muitas vezes, necessita de socorro imediato e especializado”.

Portanto, pondera o promotor, teríamos que investir em uma nova estrutura. “Eu defendo a criação da Promotoria de Defesa Animal, e acredito na importância das delegacias também. Nada mais natural que elas surjam e atuem em parceria com as promotorias. Mas essas instituições não são viáveis sem parcerias com outros órgãos policiais, ONGs, faculdades, universidades que tenham hospitais veterinários, e parcerias com as prefeituras. Além disso, teríamos que investir em assistentes técnicos especializados”, explica o promotor, defendendo inclusive a necessidade de cursos de capacitação para promotores, juízes e delegados.

Peritos veterinários

Durante a realização da I Conferência Internacional de Medicina Veterinária do Coletivo, promovida pelo Instituto Técnico de Educação e Controle Animal – ITEC, afiliado à WSPA, a médica veterinária e perita criminal americana Melinda Merck detalhou a especificidade científica envolvida em investigações de crimes que vitimam animais. E deixou claro que a especialização das equipes envolvidas nesse trabalho é fundamental.

Já o professor Dr. Paulo Cesar Maiorka, do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo – USP, afirma que a especialização para médicos veterinários no ramo da perícia criminal é um movimento ainda recente, e a cada dia mais necessário.

A legislação brasileira dá ao médico veterinário a prerrogativa da perícia quando o crime envolve um animal, mas sabe-se que, em muitos locais, profissionais de outras áreas vêm se encarregando desse trabalho, podendo, conforme Maiorka, comprometer o resultado da investigação. “O que pode causar problema na perícia é a imperícia”, afirma o professor, detalhando que, para se tornar um perito, o médico veterinário primeiramente precisa ser especialista em uma determinada área, com título conferido pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária.

“Imagine um caso de uma suposta imperícia médica envolvendo um cirurgião veterinário famoso. O perito que vai atuar não pode ser um recém-formado, precisa ter especialização na mesma área. Se começamos a investir em perícias e o fazemos errado, caímos no descrédito”, diz Maiorka, frisando que infelizmente muitos setores da Justiça e da sociedade já tratam com desprezo crimes em que as vítimas são animais.

“Portanto, é preciso investir em cursos, pois eles existem, mas ainda são poucos. E também é necessário ampliar a oferta de concursos para peritos veterinários. No Estado de São Paulo, eles acontecem a cada dois anos, mas a polícia paulista tem somente 15 peritos veterinários, e o estado é considerado o mais avançado nesse setor”, afirma Maiorka.

A boa notícia é que outros estados estão investindo no desenvolvimento e na especialização de peritos, como Bahia e Rio de Janeiro. E os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária também voltam sua atenção para essa carreira. Maiorka observa ainda que a polícia e as autoridades constituídas devem abraçar a ideia, sendo um dos próximos passos conseguir criar um Instituto Médico Legal – IML veterinário.

Socorrer é fundamental


No momento em que as instituições policiais e o Ministério Público começam a voltar seus olhos para a necessidade de tratar de forma especializada os crimes ou denúncias envolvendo animais, surgem evidências de que um ponto fundamental é o socorro às vítimas. “Na maior parte dos casos de denúncias, o bicho tem que ser apreendido, não pode continuar onde está ou precisa de socorro médico veterinário imediato. E para onde levá-los?”, questiona a advogada Vanice Teixeira Orlandi, presidente da União Internacional Protetora dos Animais – UIPA, tradicional ONG de São Paulo, afiliada à WSPA.

O mesmo drama é vivenciado por Marcelo Pavlenco, da SOS Fauna, mas nesse caso com um agravante: a ONG trabalha com animais da fauna silvestre nativa, e até para cuidar deles, manejá-los e destiná-los, precisa de autorizações especiais do Ibama. E quando acontecem, por exemplo, grandes apreensões de silvestres do tráfico, não existe suporte de órgãos públicos para o socorro imediato, que precisa ser muito mais especializado.

“Delegacias, promotorias, sim, mas se não houver centros de recuperação de animais, fica complicado”, observa Vanice, que atende, por meio da UIPA, mensalmente, cerca de 120 denúncias de práticas que vitimam animais, principalmente cães e gatos.

Outro aspecto lembrado pela advogada é a necessidade de sensibilizar e especializar delegados, promotores e juízes, medida defendida pelo promotor Laerte Levai. Vanice observa que é preciso especializar as autoridades, mas ela, particularmente, não acredita que devam ser pessoas “vocacionadas”, com algum tipo de “sensibilidade especial em relação aos animais”. “Não se trata de vocação, mas de tratar a questão com a seriedade que merece e com o uso das ferramentas jurídicas empregadas na apuração de todos os outros crimes”.

“Maus-tratos envolvem muita polêmica”, observa Orlandi, explicando que “a matéria em si é imensa e o problema é o entendimento que as autoridades têm sobre o que sejam maus-tratos. Eles os restringem a espancamento, lesões, ferimentos visíveis. No entanto, se a lei pune os atos de ferir e mutilar, e também atos de abuso e maus-tratos, é porque a prática dessas duas últimas condutas se consumam independentemente de ferimentos e mutilações, já que a lei não tem palavras inúteis, esclarece a advogada. Ela acrescenta que, “se a existência de lesões fosse necessária para a consumação da prática de abuso e maus-tratos, não constaria na lei a tipificação das condutas de ferir e mutilar”.

“Dificilmente uma autoridade reconhece que fazer um macaco andar de bicicleta é um abuso, é um crime. Não precisamos encontrar lesões em um animal para termos uma situação de abuso ou maus-tratos. Um cão amarrado, com liberdade de movimento restrita, submetido a isolamento contínuo, mesmo que pareça estar bem, com pelos bons, sem ferimentos aparentes, está em situação de maus-tratos, e delegados não entendem assim. É uma crueldade isolar um cão, que é um animal social”, detalha Orlandi.

“Atendi um caso de um cão que apanhava e não tinha onde dormir, não tinha abrigo no quintal. Mas a polícia constatou que o animal estava em bom estado, apenas porque tinha atestado de vacinação e alimentos, o que é um absurdo”, conta a presidente da UIPA.

Ministério Público

As Promotorias especializadas em questões envolvendo animais podem ajudar, admite Vanice. “A Promotoria do Meio Ambiente de São Paulo excluiu de suas competências os maus-tratos a animais domésticos. Os promotores consideram que danos a um animal não configuram dano ambiental, e remetem para a promotoria criminal. Com isso, tudo que pode ser feito no âmbito cível, onde o promotor pode agir antes do dano, acaba não acontecendo”, detalha Vanice, afirmando que é preciso rever todos esses entendimentos na criação de novas promotorias.

E enquanto não surgem Promotorias e Delegacias especializadas, a presidente da UIPA, a exemplo do presidente da SOS FAUNA, defende os investimentos, inclusive conversas e aproximação, com autoridades já constituídas. “’É preferível que haja um delegado na delegacia policial da região que tenha entendimento correto sobre a questão, do que uma delegacia especial com um delegado que tenha conhecimento restrito sobre o assunto”.

Nesse sentido, as gestões para a escolha dos delegados também são fundamentais no momento em que delegacias ou núcleos especiais de defesa animal são implantados, como ocorreu recentemente em Vitória, Espírito Santo. As ONGs conseguiram a nomeação de um delegado que tem entendimento e sensibilidade da importância de garantir o atendimento das demandas envolvendo delitos que vitimam animais.

Sejam delegacias, núcleos especiais, promotorias ou grupos de promotores, é evidente o fortalecimento do movimento que integra a proteção animal, parlamentares e outras autoridades, em busca do estabelecimento de estruturas e mecanismos que permitam reprimir com eficiência a prática de atos violentos, maus-tratos ou abusos contra animais. Assim, é fundamental que as pessoas que se importam e reconhecem a importância do convívio com os animais não se calem diante dessas ocorrências.

“É preciso socorrer o animal vitimado, mas também exigir que as autoridades cumpram sua obrigação, cumpram as leis, apurem, reprimam a violência que atinge os animais. Eles sentem e sofrem como os humanos, mas no caso deles, sofrem sem a chance de socorro e de protesto, não conseguem falar e, na maior parte das vezes, ficam impossibilitados se defender, de reagir”, alerta Vanice Orlandi.

Fonte: WSPA

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