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Pit bulls resgatados de rinhas provam que é possível superar o trauma

21 de agosto de 2010
6 min. de leitura
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Por Giovanna Chinellato (da Redação)

O pequeno cãozinho preto e branco correu batendo na mobília e se escondeu em seu cantinho. Ele não podia subir ou descer as escadas, nem sabia subir num sofá. A descarga disparada ou a louça batendo são suficientes para fazê-lo disparar pela casa. Ele não era um mau cachorro, simplesmente não sabia fazer melhor – ele nunca vivera numa casa. Sua falta de habilidade em se relacionar socialmente foi responsável pelo nome Jonny Rotten (Jonny Destruído). “Ele era um homem das cavernas”, disse Cris Cohen, de Burlingame, Califórnia (EUA), que abrigou Jonny. “Ele não tinha modos.”

Jonny (Foto: Amado Garcia)

Conforme reportagem feita pelo site Parade, isso é totalmente compreensível. Jonny foi um dos 51 pit bulls resgatados em abril de 2007 do canil Bad Newz, em Smithfield, um ringue de rinhas administrado por Michael Vick, jogador de futebol americano da NFL (pelo Atlanta Falcons). Apesar de ser novo demais para ter sido um lutador, Jonny provavelmente teve suas habilidades colocadas à prova e, como os outros da Bad Newz, passou a vida inteira trancado num cercado ou acorrentado a um eixo rotativo na floresta, com pouca ou nenhuma interação com outros cães ou pessoas.

Depois da batida na propriedade de Vick, Jonny e os outros cães foram considerados evidência e colocados em abrigos até que a investigação fosse concluída. As condições eram diversas, mas até os melhores cães podem demonstrar estresse depois de meses confinados. Com os cães de Vick, isso não era problema, assumiu-se que todos seriam sacrificados assim que saísse a sentença.

Por pedido do povo, o juiz Henry Hudson determinou que o governo pagaria um milhão de dólares para tentar curar os pit bulls de seus traumas. A ASPCA foi contatada para reunir um time de especialistas em comportamento animal e avaliar os cães.

O fato de se tratar de pit bulls – uma raça injustamente banida de vários estados e cidades dos EUA – não era um ponto positivo para eles. E, para piorar, o acordo de Vick detalhou tratamentos cruéis que iam além da negligência, eram abusos brutais. Quando o caso foi concluído e o time tinha terminado as avaliações, os cães já haviam passado nove meses no abrigo. “Disseram que esses eram os cães mais problemáticos da América”, disse o vice-presidente executivo da ASPCA Dr. Stephen Zawistowski, que liderou o time. Era possível ao menos tentar uma reabilitação?  

O que o time encontrou foi um pouco de tudo. Menos de 12 cães eram lutadores realmente. Dois foram sacrificados – um desenvolveu uma agressividade muito grande e outro tinha um ferimento irreparável. Então tinha o grupo reconhecido como “cães panqueca”, animais tão traumatizados que se jogavam no chão e tremiam com a aproximação de humanos. Outro grupo parecia de cães relativamente amigáveis que nunca tiveram uma chance.  

Jonny pertencia a esse último grupo, de maneira que foi parar nas mãos de Cohen, que tem um pit bull e já havia abrigado outros seis como voluntário da BAD RAP (Bay Area Doglovers Responsable About Pit bulls). “O primeiro passo é deixá-los aliviar o estresse do canil”, Cohen disse, se referindo ao estresse que segue o confinamento. Ele controlou a ansiedade de Jonny com calma e com o que ele chama de “a rotina”. “Eles amam saber que as mesmas coisas vão acontecer no mesmo horário todos os dias. Uma vez que eles têm uma certeza, podem relaxar.”  

Cohen colocou Jonny num programa de caminhadas, brincadeiras, comidinhas e relaxamento, que ajudaram a aliviar sua insegurança e medo, emoções que podem levar ao mau comportamento. “Uma grande parte disso é construir confiança”, Zawistowski diz. “Ensiná-los que o mundo não é tão horrível”. Em dez dias, Jonny abraçou a rotina e começou a relaxar.  

Cohen começou então a trabalhar um treinamento básico. Cachorros criados como os de Vick reagem excessivamente a estímulos externos. Se eles veem um pássaro que querem perseguir, eles o perseguem. Aprender mesmo o comando mais simples força-os ao autocontrole, especialmente quando o comando é remunerado de petiscos e afeto. De repente, o cão precisa fazer uma escolha. “Eu faço o que eu quero ou espero e faço o que foi pedido? Coisas boas me acontecem quando controlo meus impulsos.” Ensinar um cão como Jonny a sentar é essencialmente treinar sua forma de pensar, de acordo com o dr. Randy Lockwood, vice-presidente de iniciativas anticrueldade da ASPCA.

Entretanto, nem todos os pit bulls se deram tão bem quanto Jonny. Muitos deles continuaram a atacar, pelo medo. Poucos que pareciam estar melhorando regrediram tudo de novo. Eles eram apenas infortunados. “Alguns são melhores que outros, mas são cães felizes”, disse o Dr. Frank McMillan, diretor de bem-estar da Best Friends Animal Society, cujo santuário em Kanab, Utah, abrigou 22 dos cães de Vick. “Ao mesmo tempo, é difícil fazer alegações assim. Os resultados são individuais.”

Na verdade, as pessoas que resgataram os cães disseram o mesmo, que eles deveriam ser avaliados individualmente – e essa foi a grande lição dos cães do Bad Newz. Generalizações e preconceitos apenas atrapalhavam e não eram produtivos para os pit bulls, assim como não o são para pessoas.

Considere agora outra vítima de Vick, Hector. Um belo cachorro marrom com nariz preto e cicatrizes horríveis no peito, ele obviamente fora um cão de briga. Mesmo assim, desde o começo, tudo o que ele fez foi amar o mundo. Depois de mudar de lar adotivo pra lar adotivo, ele foi adotado permanentemente por Roo Yori. Diretor de cuidados e tratamento da Animal Farm Foundation, em Nova York, Yori é reconhecido como companheiro humano de Wallace, o pit bull campeão de pegar freesbee.

Livro de Jim Gorant sobre os pit bulls de Vick que será lançado mês que vem nos EUA

Então, quais as conclusões que podemos tirar do destino desses pit bulls? “Sabemos tão pouco de cães como esses porque poucos tiveram uma chance de viver de verdade”, disse o Dr. McMillan. “Estamos aprendendo muito, mas o trabalho ainda não permitiu conclusões concretas. Esses cães representam o começo desse tipo de estudo.”

Mesmo assim, agora sabemos com certeza que, enquanto pode ser mais fácil e rápido exterminar cães resgatados de rinhas, essa não é a única opção. Veja quão longe Jonny chegou. Cohen formalmente adotou-o ano passado e ele, também, encoraja crianças que estão aprendendo a ler. As crianças que se intercalam contando histórias para ele não sabem que ele é um pit bull, nem que ele foi um dos cães de Vick. Ninguém o conhece por Jonny Rotten também. No caminho da reabilitação, ele ganhou um novo nome. Agora ele é Jonny Justice (Jonny Justiça).

Fonte: Parade

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