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Adoção de vira-latas pode indicar uma volta à singeleza

13 de julho de 2010
2 min. de leitura
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Duas notícias recentes dão o que pensar. Em Miami, após a morte de sua tutora, a chiuaua Conchita aparecia como herdeira de uma verdadeira fortuna de milhões e milhões de dólares. A apresentadora Oprah Winfrey, uma das mais queridas personalidades da TV americana, declarada apaixonada por animais, também mantém cães em seu testamento bonificados, diga-se, com cifras polpudas.

Seguramente poderíamos aprofundar e detalhar a reflexão sobre o assunto. Espiritualidade dos animais parece ser tema dos mais instigantes, como já se compreendia na Civilização do Egito Antigo. Contudo, a perspectiva do consumismo desenfreado ligado aos pets parece ser exagerado e um tanto quanto despropositado. Melhor olhar para outro lado e ampliar nossos horizontes. Assim, a notícia seguinte me parece bem mais alegre e entusiasmada.

Semana passada uma destacada revista dominical (de gigantesca tiragem) trazia na capa uma simpática cadelinha vira-lata, de orelhas erguidas, atenta, nos mirando com ar amistoso. Ao lado da foto, a chamada jornalística: “o eleito”. Pesquisa séria coordenada por um instituto igualmente sério apontava o cãozinho sem raça e sem pedigree como o preferido dos paulistanos. Nessa imensa metrópole na qual 37% das casas têm cachorro, a esmagadora maioria deles são vira-latas.

Que bom. Em tempos de lobo feroz, nada melhor do que a simplicidade fiel dessas belezuras. Sempre tranquilos, atentos, muitas vezes sobreviventes das ruas, não ligam por aparecerem nos dicionários como “sem classe” e “sem pureza”. São dedicados companheiros e, como se viu, ainda podem conquistar até os mais gelados corações humanos.

Mais surpresos ainda ficaremos ao lembrarmos que, por tradição, São Paulo é conhecida como uma cidade da ganância, gostemos ou não. O que principalmente move toda a gente que por aqui se estabelece é a “força da grana”, como disse Caetano Veloso (baiano, um pouquinho paulistano de adoção). Se a mais ambiciosa experiência existencial em termos de aglomerado humano nesse país indica não o rottweiller ou o pit bull (considerados, pelo senso comum, bons para guarda e segurança), mas a pacífica inteligência da mistura de raças como seu cão símbolo, resta esperança de tudo o que é singelo ser valorizado como deve, de todas as pessoas encontrarem seu lugar – tanto aqui no plano da matéria, bem como nas esferas mais elevadas da depuração cósmica.

O SRD (sem raça definida) é um cão que se adapta facilmente; competente, equilibrado, hábil, esperto, divertido e resistente. Sua psicologia é dócil e pouco previsível – o que faz com que seja um amigão pronto a surpreender das formas mais inventivas e inesperadas. Nesses dias meio desesperados, vazios e exagerados, de salão de beleza para cães, rações especiais (até restaurante especializado há!), roupas caras, acessórios exclusivos, luxos de couro e diamantes, hotéis e terapia canina, prefiro a alma sem enfeites do vira-lata – ele sim, com uma abanadinha de rabo, verdadeira celebridade dessa nossa grande cidade.

* Para Bonnie e Kissy, divertidas, fiéis e quase humanas. Em memória.

Fonte: Gazeta Web

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