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Responsável por ONG relata como a proteção beneficiou aos animais e a si própria

27 de junho de 2010
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Espécie de “São Francisco de saias”, Silvana Carvalho criou  há cinco anos e mantém vivo o Grupo Patas, ONG de São José do Rio Preto que vive de ajuda de amigos e cuida de 220 cães abandonados em Rio Preto. Em entrevista concedida à Rede Bom Dia, ela relata histórias sobre cães, o dia a dia no abrigo, a situação atual em relação ao abandono e a boa influência que o voluntariado teve em sua vida.

 

Silvana Carvalho (Foto: Ricardo Boni/Agência BOM DIA)

 

– Vocês só acolhem cães?

Silvana Carvalho –  No momento, só cães. O espaço, de 5 mil m² não tem condições. Gostaria de ter um gatil. Meu amor por gatos e cachorros é o mesmo. Só que escolhi cuidar de cachorros e tenho 220 lá. Se eu levar um gato, a situação fica complicada. É um sonho, mas eu não pude realizar.

– Você fala muito na primeira pessoa do singular. É um trabalho exclusivamente seu? Você tem CGC, montou uma empresa, uma ONG? Ou está com a cara e a coragem?

Silvana – Comecei com a cara e com a coragem. Não gostaria de ter uma ONG. Sou contra. Teria uma despesa desnecessária. Só que surgiu a necessidade. Estou pleiteando com o prefeito um espaço para construir um abrigo definitivo. Faltam alguns detalhes. Se não tiver uma ONG legalizada não consigo nada na prefeitura.

– Adoro cachorro, mas não consigo ter na minha casa. Acho muito difícil lidar com a questão higiênica. Como lidar com 200 cachorros no mesmo lugar?

Silvana – A situação do abrigo é meio complicada. Precisa de muito amor mesmo. São 220 animais, e não conto filhotes. Chegamos às 7h da manhã. Imagine a situação. São recolhidas com a pá de lixo, uma por uma, as fezes dos animais, e colocadas numa fossa, porque não tem a parte de esgoto. Tenho três fossas. Mas acho que, de todos os problemas que a gente tem na vida, catar coco de cachorro é o menor. Eu acho o cheiro do cachorro maravilhoso. Não me incomoda em nada. Tenho seis. Três dormem comigo e três com minha irmã. Tem cheiro pior do que o do cachorro.

– De onde surgiu a paixão por animais?

Silvana – Sou ativista há seis anos. Sempre gostei dos animais. Mas gostar e lutar é bem diferente. Preciso de uma luta para viver. Na época dos escravos não estava aqui. Na época em que as mulheres precisavam de espaço maior em relação aos homens, também era muito nova. Na ditadura era novinha. Teria lutado por tudo. Escolhi a causa mais difícil. Lutar pelos negros teria sido muito fácil perto do que é a causa animal.
Seis anos atrás não tinha pelo que lutar. Fico perdida no mundo. A gente tem que fazer alguma coisa. Entrei numa depressão muito grande. Não queria viver mais. A té que um dia, andando no meu bairro, vi uma cachorrinha que teve cria. Cinco filhotinhos, perto do rio. Sempre tive dó, mas não era ativista. Levei para casa com os filhotinhos. Senti algo tão Deus dentro de mim. Uma felicidade tão grande, que tudo mudou. Descobri minha grande causa. Porque Deus entrou em mim naquela hora e falou: “É por isso que você vai lutar enquanto viver” (choro).
Tenho emoção em falar isso porque minha família já não sabia mais o que fazer comigo. Passei por psiquiatras e tomava sete tipos de remédios por mês. Não queria mais viver. Tenho uma família linda, um filho lindo, mas não bastavam. Foi a mão de Deus, de São Francisco de Assis, que me deu isso naquele momento. Nunca mais fui a psiquiatra, nunca mais precisei tomar remédio. Enquanto respirar, vou lutar pelos animais. Já passaram mais de mil animais na minha mão.

– Qual seu sentimento ao ver tanto animal maltratado em confronto com a sofisticação dos pet shops?

Silvana –  Lamentável. Sou contra a venda de animais. Existe por trás uma situação muito triste que as pessoas não conhecem. Aquele poodle, shitizu, maltês bonitinho, ali na gaiolinha, vem de uma situação de maus-tratos. Pegam uma cadela, matriz, colocam para procriar o tempo todo. Tem uma cria e já entra em outra. Quando tem dois ou três anos, está tão acabada que dão, jogam fora ou levam para um centro de zoonoses.
A pessoa vai ao shopping, o animal é bonitinho, a criança quer. A mãe compra. Ela cansa e a mãe não quer trabalho. Ela dá a funcionária, que nunca teve um cachorro de raça. Ela leva pra casa, mas não tem condições de sustentar, vacinar, castrar. E esse animalzinho de raça vai viver na rua, na calçada, na frente da casa.

– O município não tem canil?

Silvana  –  Não. Todos já viram filmes sobre guerra, holocausto. O centro de zoonoses é o holocausto animal. São celas terríveis, frias, com granito e espaços pequenos em que ficam 80 animais na fila da morte para ser sacrificados. Trinta por cento são de raça, que o próprio tutor comprou e não quer mais e joga lá.
No ano passado, numa reunião na Câmara com a Arpa, a Fauna, a Proambi e o Grupo Patas, foi feita uma promessa pelo prefeito Valdomiro de que haveria castração em massa e de que ele não usaria mais o centro de zoonoses para matança. Foi prometido que escolheria uma área e construiria um novo centro, que nem levaria mais esse nome. A gente sonha com a coordenadoria do bem-estar animal.
Até há três meses eram sacrificados 900 animais por mês: sadios, filhotes e de raça. Pit bull e filhote não têm vez. Pit bull nem vai para a cela. Vai para o corredor da morte e fica esperando ser sacrificado. Filhotes também. O prefeito teve bom senso. Ele sabe que é crime pegar animais sadios. Ele ainda é o único que está com uma luzinha no final do túnel. Nunca um prefeito se mostrou interessado na causa animal.

– Existe estimativa de cachorros abandonados em Rio Preto? Existe uma atividade paralela, educativa, para diminuir o abandono?

Silvana  –  A estimativa é de 10 mil animais abandonados Tenho 220 cachorros. Matam-se 900 por mês e morrem 900 por mês nas ruas. A mesma quantidade de sacrifício é a de morte por atropelamento. Agora o centro não mata, mas os atropelamentos são uma média de 30 por dia.
Ainda prefiro vê-los na rua a vê-los no centro de zoonoses. Na rua têm chance de vida. De cada dez pessoas, nove gostam de animais. De cada nove, três recolhem. Tem estimativa de vida de três anos na rua: comendo e revirando o lixo. No centro de zoonoses, não tem chance.
As ONGs de Rio Preto são contra meu trabalho. Acham que não resolve. O que resolve o abandono é castração. Concordo 100%. Só que, enquanto não acontece, não tenho estômago nem coração para ver um cachorro atropelado, filhotes em caixa de papelão, e não recolher. Meu abrigo é um mal necessário. Se o prefeito cumprisse de castrar mil por mês, diminuiria o número de abandono. Faço minha parte.

– Qual a sua posição sobre extinguir raças agressivas?

Silvana – Gostaria que extinguisse humanos ignorantes que não evoluem e fazem muito mal para a sociedade. Principalmente esses que pegam um pit bull e amarram numa corrente de um metro e deixam o cachorro violento e saí para se exibir na rua.

– Víamos propaganda da Sociedade Brasileira de Proteção aos Animais. Conhece?

Silvana  –  Não. Recebo em torno de 20 registros de maus-tratos por dia. Graves; 90% são praticados por homens. Machucam de todas as formas. A fome é a primeira. Muitos vivem no sol, na chuva, no frio, não têm casinha. Muitos são comidos por bichos (moscas). Maus-tratos a animais são uma das maiores covardias que o ser humano pode praticar. São anjos indefesos. Comem se você der comida. Morrem por qualquer coisinha. Rezo todos os dias a Deus para não me deixar pegar ódio do ser humano.

– Como podemos ser mais ativos nesse trabalho?

Silvana  –  Primeiro, associe-se a uma ONG com ativismo na causa animal. Pode chamar a polícia para denunciar maus-tratos. Não precisa ser você. Ligue numa ONG. Participe de campanhas.
Também faço brechós. Tenho um filho músico, Zeca Barreto. Ele faz shows para arrecadar dinheiro. Fazemos rifas. Fora um grupo que me ajuda financeiramente.
Vou finalizar com São Francisco de Assis: “Comece fazendo o necessário. Depois o que é possível e quando você ver estará fazendo o impossível.”

Fonte: Rede Bom Dia 

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