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So Far Away

16 de junho de 2010
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Já se vão quase quarenta anos desde que Carole King, superando o medo crônico que tinha de aparecer em público, subiu ao palco do BBC Concert  para divulgar seu disco Tapestry, álbum que se tornaria, em 1971, um dos maiores sucessos da indústria fonográfica norte-americana.  Suas mãos tímidas, assim que pousaram nas teclas do piano, ali fizeram emergir um mundo encantado e desconhecido. Pela voz rouca da cantora, acompanhada do violão sereno de James Taylor e da viva pulsação de um contrabaixo pontilhado, pôde-se ouvir uma canção memorável que ela compôs naquela época de angústias e de incertezas. Uma canção tão melancólica quanto bela, que falava de solidão e de esperança.  De juventude e sonhos.  Voz e piano em sintonia. Piano e voz em plenitude. Uma canção para não esquecer.  A breve imagem suspensa e um apelo invisível nos versos de Carole King. Tão distante

Eram tempos de contracultura aqueles. Nos EUA, o fantasma da guerra do Vietnã inspirava muitos jovens a cantar a paz e o amor. Surgiam os movimentos ecologistas organizados, em defesa do planeta, em defesa do ambiente, em defesa dos animais. Arte e música, direta ou indiretamente, irmanadas em uma causa comum. Give peace a chance, love is the answer, perdeu-se a conta de quantas vezes esses bordões pacifistas foram entoados pelos hippies para afastar as ameaças veladas de um conflito nuclear. Lutas só em favor da natureza. Acreditava-se que a flor poderia triunfar sobre os canhões. Doce utopia. Onde foi que tudo se perdeu?  Já não importa. O sonho acabou, mas ficou uma canção. Uma canção tão distante

Passados os sobressaltos e os grandes temporais, o império da violência parece ainda se alastrar pela nossa sociedade. Não apenas a violência bélica, presente em outras partes do mundo, mas a violência cotidiana que se confunde com a própria condição humana.  Vive-se hoje pelo prazer instantâneo, pelo desejo de ter, de consumir e depois descartar. Tempo em que mentiras repetidas tornam-se verdades concebidas. Em que traições viram virtudes.  Mata-se para vingar, mata-se para roubar, mata-se por matar. Querem a árvore abatida e o pássaro preso. Querem a terra desnudada com pastos a perder de vista.  Querem por querer. E assim se apunhalam os sentimentos, como se a dor maior – a dor da alma – pudesse ser aplacada. Se ao menos um dia eles tivessem ouvido aquela canção. Mas tudo é tão distante

Não se sabe, ao certo, por que em meados da década de 80 Carole King saiu voluntariamente de cena para viver quase anônima em uma pequena região de Idaho, junto a ambientalistas. Talvez ela quisesse retornar às suas origens, devagar e silenciosa,  seguindo o curso dos rios, tocando nas folhas da relva, sentindo  o gosto da chuva. Talvez ela apenas buscasse a essência do seu ser. À procura de uma vida alternativa: carneiros e cabras pastando solenes no jardim… a esperança de óculos… e um filho de cuca legal, quem sabe? Aprender a magia dos bosques, a magia de plantar e de colher. Depois desse exílio espiritual ela retornou à civilização e à carreira musical, restabelecendo grandes parcerias. Mas sua vida no campo nunca deixou de ser um belo sonho. Um sonho que hoje parece tão distante

The BBC Concert, 1971. Um vídeo antigo e uma canção perpetuada no tempo. Carole King ao piano de cauda vibrando acordes em tom menor:  there’s so many dreams, i’ve yet to find,  but you’re so far away. Vejo-a, ouço-a, reconheço-a. Sob a noite fria sob a chuva sob a neve. Canta, Carole King, canta a melodia que preenche o espaço da nossa solidão. Que nos traz de volta a inocência perdida. Que nos permite reviver tudo aquilo que há muito se esqueceu. Canta para os bichos da floresta, para as montanhas mais inacessíveis, canta para os inocentes condenados, para a rosa que floresceu. Canta para nos aliviar o cansaço.  Porque, nesta hora grave em que escrevo, nada mais importa. Quero apenas ouvi-la cantar, Carole King, música dos nossos anseios mais secretos, da nossa sede de amor infinito, das nossas tão sonhadas utopias.  So far away… 

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