EnglishEspañolPortuguês

Um 1º de Maio que esquece parte dos trabalhadores

30 de abril de 2010
3 min. de leitura
A-
A+

Fotos: Chicote Nunca Mais

Então neste sábado é mezzo-feriado, graças ao Dia do Trabalho / Dia do Trabalhador, conforme o ângulo por onde se esteja olhando. Sendo o trabalho mais que uma mera ferramenta da subsistência, mas um ato moral com o qual se obtém respeito e credibilidade, parte dos trabalhadores não é vista como tal. Estão abaixo de qualquer empregado ou patrão, sem direitos ou Fundo de Garantia, com uma aposentadoria atrelada à morte ‘humanitária’.

Quem puxa uma carroça por horas a fio, ferrado nos cascos e na boca, é um cidadão invisível no cotidiano ‘coelhinho-da-Duracell’ das grandes cidades, presença obrigatória no mecanismo cruel que faz sumir o lixo da frente da casa de cada morador. Não é uma atividade voluntária, e do potro que recebe ‘lições de conduta’ até o cavalo adulto que sofre, sedento, pela burocracia pança-cheia, é uma triste linha de vida. Em paralelo aos que conduzem a carroça.

Alguns glamourizam e ideologizam a coisa toda, como se a carroça fosse símbolo de autoafirmação valente e política, que não se curva ‘aos poderosos’. Sem esses óculos de lentes cor-de-rosa, o que se vê são miseráveis explorados por alguns um pouco menos miseráveis, sucessivamente, até chegar em um rico empresário, que pinga centavos pelo quilo do lixo valioso. Filhos de carroceiros condenados a também, e somente, ser carroceiros, e basta um olhar atento para vermos que o ‘pra valer’ começa na idade escolar.

Esse nó social se sustenta pelo baixo custo de manutenção de um cavalo, que, ‘amigo do homem’, trabalha de sol a sol comendo e bebendo pouco, sem assistência e nem sinal de liberdade, abençoado – muitas vezes – pela morte súbita, precoce e rápida, no asfalto quente e imundo da Capital. Não sofre mais, pelo menos.

Alguns abnegados ainda correm atrás, no ritmo enxuga-gelo, para socorrer os cavalos estourados pelo expediente forçado, sem remuneração nem escolha. Ficar preso em um aparato de amarras, cordas e ferros, movimentando um veículo instável e pesado cheio de entulho – e mais um, dois ou mais humanos – sem ter pecados a pagar, deve ser uma sensação e tanto. Quando um sapato aperta, eu penso na exaustão equina sem chance de defesa, argumentação filosófica, pedido de um copo d’água ou mesmo ‘chamar um guarda’.

E como os que puxam carroça, muitos animais foram cooptados pelo RH da humanidade, à força, e fazem o mundo girar no ritmo de seu cansaço. As cenas do trabalho rural com diversos animais não humanos tomando parte na atividade sempre foram captadas pelas lentes sensíveis de fotógrafos para exalar bucolismo, e raramente denúncia. São cachorros cuja vida se mede no comprimento da eterna corrente, são as bestas de carga, os que correm atrás dos rebanhos etc. Escravos que cuidam e manejam outros escravos, presos que estão à própria condição de terem sido subjugados ou frustrados nas primeiras tentativas de liberdade, pela mão humana.

Esse patrão exigente que drena a vida de seus comandados, e que descansa no 1º de Maio.

Você viu?

Ir para o topo