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Bloody Logo: ilusionismo do branding e vidas para consumo

28 de abril de 2010
6 min. de leitura
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Que era da informação, que nada. Sabe aquela publicidade televisiva na qual um bichinho feliz indica pratos congelados feitos a partir da carne de animais como ele, assassinados, triturados, embebidos em temperos e molhos “temáticos”? E aquele outro onde o produto feito com exploração animal é tão facilmente preparado por uma jovem executiva bem-sucedida, saboreado por casais exemplares com suas crianças felizes brincando em cenários coloridos? Pois essa mentira toda tem nome: é a era do branding.
Uma análise indispensável do branding foi apresentada pela jornalista Naomi Klein no livro Sem Logo – a tirania das marcas em um planeta vendido. Apesar de priorizar no seu estudo a face do lucro das grandes marcas e a escravidão das populações de países miseráveis para uma produção com custo baixíssimo a partir dos anos 90, o ponto de vista de Klein pode bem ser aplicado aos absurdos da exploração animal. O poder de sedução da imagem do produto foi sobrevalorizado e delegado às agências de publicidade, que por sua vez passaram a tomar um lugar agigantado no processo produtivo.

Segundo Klein, “as agências de publicidade espertas abandonaram a idéia de que elas estão empenhadas em um produto feito por outra pessoa e passaram a pensar em si mesmas como fábricas de marca, produzindo o que é de valor verdadeiro: o conceito, o estilo de vida, a atitude”. Uma coisa é certa: as práticas comunicacionais que visam fazer a marca na cabeça dos consumidores trouxeram implicações devastadoras. Para completar o quadro, a produção dos bens físicos propriamente dita foi terceirizada. Fatores como as condições de trabalho e remuneração dos operários, quando, onde ou com que tipo de atrocidade animal o produto é feito deixaram de ser importantes para os executivos do branding.

O que se viu nas duas últimas décadas foi um revival dos piores aspectos já vivenciados pela revolução industrial, rebatizado sob o conceito oficial de revolução da informação, onde a prioridade, em suma, é a falta de informação – ou informação maquiada. E isto tudo cabe numa metáfora bem ao estilo Pink Floyd – the Wall: a publicidade modela um mundo ilusório enquanto, na prática, tudo o que é vivo – famílias, comunidades, florestas, animais e biomas inteiros – vira insumo para o moedor de carne da economia. Em outras palavras: é o auge da ganância contra a vida para mover os moinhos da produção desenfreada, destruidora e focada no lucro.

O branding é uma farsa armada por publicitários e marketeiros inecrupulosos e dissimulados que reconhecem que produto não é nada, imagem é tudo. Em típica linguagem publicitária: animais não são nada, vontade de comer carne é tudo. E esta idéia proliferou-se de tal forma na cultura ocidental a ponto de pessoas públicas se darem ao trabalho de julgar que quem respeita os animais e boicota produtos que promovem crueldade é que está errado. Exemplo disso foi o comentário do estilista Karl Lagerfeld nesta semana, ao afirmar ao jornal inglês Daily Telegraph que a discussão sobre o uso de peles é infantil, já que comer carne de animais é normal.

“O oportunismo dessas tendências não só reflete o status do branding como panacéia econômica percebida, mas também uma desvalorização correspondente do processo de produção e de produtores em geral. O branding, em outras palavras, foi engolindo todo o valor agregado”. A sociedade contemporânea é o efeito gerado pelo ilusionismo publicitário, onde as pessoas valem pelo seu poder de compra e animais são tratados como objetos de acordo com seu potencial para uso como matéria prima em favor de um enganoso bem-estarismo humano.

Retomo a referência à publicidade televisiva. As bloody logos que exploram animais – marcas que revestem a deplorável realidade do confinamento, tortura, privação de direitos, injeção de hormônios, estimulantes químicos e assassinato de animais – escondem-se por trás de animações bem produzidas, trilhas sonoras originalíssimas, bebês top models e simulações de sabor insubstituíveis. Ora, você já notou a maquiagem diminutiva no vocabulário publicitário: um cadáver de frango é verbalizado como “franguinho”; para o lamentável ajuntamento de partes do corpo de um ser vivo fincadas num palito usa-se “espetinho”; para o novilho confinado e assassinado, “bifinho”. Não é preciso ir muito longe para perceber a mentira por trás do “leitinho” envasado em poluentes e insustentáveis embalagens e anunciados por criancinhas vestidas de bichinhos ou as bloody logos de iogurtes tipo petit suisse nomeadas com nomes no diminutivo para melhor seduzir as crianças.

No Bloody Logos: opções às marcas globais

Se consumir é inevitável na sociedade capitalista, comecemos então a ser responsáveis e conscientes nesse processo. A reeducação para o consumo não é apenas urgente, mas a única saída para um mundo justo, menos hipócrita, de paz, onde a escravidão e a exploração inexistam sob qualquer forma. O mundo das marcas está ciente dos fatores psicológicos implícitos na manipulação para o consumo. E vai continuar disposto mover a engrenagem do consumo a qualquer preço se os cidadãos não se propuserem a compreender a alienação a que estão expostos.

E isto não significa que fora do discurso publicitário e da economia consumista não existam saídas. Está nas mãos de quem consome boicotar qualquer tipo de produto que pressuponha crueldade contra animais. No caso do setor alimentício, a publicidade insiste na versão insana do bem-estar pelo consumo de carnes, leite, ovos sem jamais deixar espaço para a realidade covarde de exploração animal omitida em seus rótulos. Basta refletir sobre a realidade de como os produtos são feitos.

Criando filmes publicitários sobre iogurtes com propriedades laxantes anunciadas por modelos publicitários pretendem convencer o consumidor de que aquela é uma opção saudável, um estilo de vida desejável. Mas uma escolha realmente saudável, livre de crueldade, sustentável ambientalmente – e recomendada por nutricionistas sérios – é consumir produtos vegetais orgânicos, da estação e preferencialmente produzidos na própria região, sem processamentos químicos ou acréscimo de estabilizantes, corantes e outros venenos. Ler os rótulos e tomar consciência de como é produzido o que consome pode levar o cidadão a manter-se distante das marcas sangrentas, que industrializam a escravidão, humilhação e morte de animais.

No setor de roupas e calçados também é perfeitamente possível encontrar produtos que, quando inevitável o consumo, garantem origem vegetal, como o algodão e a borracha e que não implicam exploração animal. Quanto aos cosméticos, muitas pessoas ficam chocadas quando descobrem o que significa realmente “dermatologicamente testado” para as grandes marcas. Ao tomar consciência disto muitas tornam-se veganas, por uma questão de ética. A própria economia do setor de cosméticos já movimenta hoje um mercado crescente de opções veganas, que não são testadas na pele de animais esfolados, são 100% biodegradáveis e ainda possuem certificação.

A crise que a sociedade de consumo enfrenta hoje não é só financeira. É moral. É lamentável que o desrespeito animal tenha ido tão longe e que ainda seja necessário conviver com a promoção publicitária da dor e sofrimento, como se isso fosse uma verdade cultural inata. Há saída desde que as pessoas se conscientizem de que o estresse do excesso não as permite ver a sua própria colaboração na manutenção da crueldade contra a vida por meio do consumo.

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