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Focas se afogam no mar por falta de gelo no Canadá

17 de abril de 2010
5 min. de leitura
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Há duas questões extremamente frustrantes me causando desacordo com o governo no Canadá. A primeira é a ridícula posição teimosa do governo canadense de insistir em manter a matança de focas. A segunda é a arrogante e ecologicamente ignorante posição tomada pelo primeiro-ministro do Canadá Stephen Harper sobre a questão do aquecimento global e da mudança climática.

Em suma, o governo pensa que há uma população infinita de focas harpa a serem sacrificadas pelos neobárbaros de Newfoundland e da  ilha Magdalene, em troca do contínuo apoio político para mantê-lo no poder. Neste caso, o governo canadense poderá continuar a destruir o planeta com megaprojetos como o Alberta Tar Sands e o progressivo aumento de emissão de gases das estufas.

As duas questões juntaram-se nesta semana. O gelo que sustenta o berçário das focas harpa simplesmente não está onde deveria estar esse ano. “Este ano tem sido incomum, a ponto de não haver nenhum gelo. Tivemos altas temperaturas, ventos fortes e, como resultado, muito pouco gelo”, disse Dan Frampton, supervisor de operações no gelo da Guarda Costeira. “À essa época do ano, blocos de gelo encontram-se normalmente na área de St. John” (em Newfoundland).

Frampton disse que quebradores de gelo têm estado à deriva porque não há blocos no Estreito da ilha de Belle entre a Península Nordeste de Newfoundland e Sudeste de Labrador, assim como no Golfo de São Lourenço ou mais ao Norte do centro de Labrador. “A costa Nordeste (de Newfoundland) está aberta”, disse.

Frampton diz que os blocos de gelo normalmente se formam durante janeiro e fevereiro. Ele disse que mesmo a queda de temperatura, em março, mantém improvável a mudança significativa das condições do gelo esse ano.

Agora o problema é que as focas precisam de gelo e, se não há gelo, os filhotes de foca serão jogados na água e morrerão afogados ou as focas serão obrigadas a dar a luz na praia, colocando-se à mercê da população local descontrolada, que poderá matá-las por “diversão”.

No Golfo de São Lourenço deveria haver ao menos um milhão de focas, mas apenas 500 foram contabilizadas. Caçadores de filhotes de focas harpa das ilhas Magdalene dizem que estão “com medo de que sua caçada não aconteça”. Me parece que eles deveriam ter um pouco mais de medo pelo fato de seu ecossistema inteiro estar se transformando.

Cientistas do governo canadense dizem que esse não é um acontecimento de um ano apenas. “Pela última década, o gelo não tem estado duro como na década anterior, o que sugere uma tendência em longo prazo”, disse Mike Hammil, que estuda as condições do gelo para a Fisheries and Oceans, do Canadá.

Hammil prevê que a falta de gelo possa levar à alta mortalidade de filhotes de focas. Ele diz que a população é suficientemente grande para sobreviver esse ano, mas pode não continuar sendo o caso se as condições do gelo continuarem assim por muitos anos.

Pessoas que vivem nas ilhas Magdalen, Quebec, no Golfo de São Lourenço, confirmam que os blocos de gelo normalmente vistos nesta época do ano ainda não se formaram na costa. “É, só há água ao redor da ilha. Não há gelo em absoluto”, diz o veterano fuzileiro naval Jean-Claude Lapierre. “Tenho 69 anos e nunca vi isso antes. Eu conversei com as pessoas mais velhas e é a primeira vez que elas veem isso.”

Aí está o desdobramento de uma previsão que fiz ao governo canadense há duas décadas, quando os alertei de que as focas precisavam manter sua população, tendo em vista a futura mortalidade causada pelas mudanças climáticas. O Canadá insiste na existência de quatro a seis milhões de focas harpa em águas canadenses e nas cotas estabelecidas através dos anos com o objetivo de diminuir a população de focas sob a ignorante crença de que, quanto menos focas, mais peixes, especialmente bacalhau.

Os fatos ecológicos têm demonstrado o oposto: que quanto menor a população de focas, menor a de bacalhau, porque a foca harpa é o maior predador das espécies de peixes que caçam bacalhau. No entanto, os pescadores escolheram deliberadamente recusarem-se a acreditar no valor ecológico das focas, e, ao invés disso, vêm usando as focas como bode expiatório pela destruição do bacalhau causada pelas grandes dragas industriais, causadoras do colapso da pesca em 1992.

Há 500 anos, havia cerca de 40 milhões de focas no Leste, incluindo focas cinza, de capuz, foca comum, a extirpada walrus, além da harpa. Com a população das focas reduzida a menos de 10% da original desde a época da colonização europeia, as várias espécies de focas diminuíram e encontram-se numa posição extremamente vulnerável perante as mudanças climáticas. Se o gelo desaparecer, as focas também desaparecerão. É o mesmo tipo de falta de visão e falta de entendimento ecológico que permite que a matança das focas continue, mesmo que seu futuro esteja ameaçado pelo aquecimento global. 

Felizmente, governos europeus mais iluminados tomaram partido e baniram os produtos provenientes de focas, o que irá impor uma redução significante no número de focas assassinadas pelos bárbaros de tacos da costa Leste canadense. No entanto, o fato é que cada foca assassinada enfraquece a capacidade da espécie de sobreviver às bruscas mudanças climáticas.

É claro que sempre há aqueles que podem racionalizar todas as tragédias da natureza. É como um morador de Newfoundland me disse, alguns anos atrás, quando eu mencionei a possibilidade de o aquecimento global causar diminuição na formação de gelo, ameaçando a existência das focas harpa. Ele tomou um gole da sua cerveja e me lançou aquele olhar sabe-tudo de pescadores e disse: “Bom, então nós podíamos matar logo todas antes que elas sintam falta do gelo.”

Essa parece ser a estratégia do governo canadense – matar as focas, assim ninguém notará a falta do gelo.

Fonte: Sea Shepherd

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