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Rancho dos Gnomos acolhe animais vítimas de maus-tratos em Cotia (SP)

3 de abril de 2010
6 min. de leitura
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Araras e papagaios encontrados encaixotados como mercadoria, gavião sem pata depois de ser atingido por uma linha de pipa com cerol, uma macaca abusada sexualmente numa oficina, leões de circo com queimaduras na testa, presas serradas e garras cortadas, corujas utilizadas na prática de tiro ao alvo, galos e galinhas cegos. São animais vítima de maus-tratos que já não podem mais se reintegrar à natureza.

Em Cotia, na Grande São Paulo, a 120 quilômetros de Campinas, o casal Silvia e Marcos Pompeu decidiu dedicar a vida a esses animais. Em 1990 eles fundaram o Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos. Transformaram o sítio da família numa verdadeira arca de Noé, de 35 mil metros quadrados.

“Aqui eles tocam a terra, têm o dia e a noite, têm o sol, têm a chuva. Têm a natureza a seu favor”, diz Marcos.

Não é preciso ser doutor em saúde animal para perceber o bom tratamento aos bichos. Para se ter uma ideia, visitantes fumantes recebem um frasco para guardar as cinzas e as sobras dos cigarros consumidos durante a visita, pois tudo que traz risco aos animais não podem permanecer no Rancho.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estima que 1 milhão de animais silvestres sejam retirados todos os anos das matas brasileiras. Segundo o órgão, o tráfico de animais é o terceiro maior comércio do mundo — perde apenas para o tráfico de drogas e de armas.

“Existe a lei da oferta e procura. Por isso, o número é alto. O importante é na hora da oferta do traficante, a pessoa ser consciente para recusar e denunciar”, diz Silvia.

Histórias

O cão Xis foi atropelado, ficou agonizando na rua, em frente a um ponto de ônibus onde estavam 20 pessoas e ninguém fez nada. Uma mulher parou o carro e fez o resgate do animal ensanguentado. Ao chegar no rancho, passou pelo procedimento de emergência e tratamento. Hoje está recuperado. Apesar de não ter uma pata, os movimentos foram reabilitados. “Foram oito meses intensivos de tratamento de raio X, até por isso, batizamos o cão de Xis.” “Num outro caso, resgatamos o leão de um circo, e quando ele teve o primeiro contato com o chão, ele começou agarrar a terra, morder a terra, batia as patas na grama”, lembra a fundadora.

Problemas

O Ibama e a Polícia Ambiental não sabem o que fazer com a quantidade de animais apreendidos, principalmente os felinos. “Um leão precisa de muito espaço para ter uma qualidade de vida. E no Brasil existem poucos locais para cria-los.”

“As despesas são altas”, afirma o sargento da Polícia Ambiental de Campinas Cícero Aparecido dos Santos.

O casal garante que no Rancho dos Gnomos tem espaço para crescimento, desde que seja com apoio. Eles dependem de doações para a alimentação e para as obras. “Graças aos patrocinadores estamos construindo mais dois recintos. Um para o leão Alex e o outro para a tigresa Yamma.” Resgatados de circos, aguardam o término das obras. Cada um morará numa área com mais de 1 mil m2.

“Não temos de onde tirar dinheiro. Já vendemos propriedades, como terrenos, apartamentos, meu carro. Tudo para manutenção dos animais. Estamos num ponto em que a demanda é grande e supera a real situação”, diz Silvia.

Leoas abandonadas em Sumaré são atração

Há sete anos, circo abandonou-as com presas serradas

Em 2003, um leão e duas leoas foram abandonados pelo Circo da Romênia. Estavam extremamente debilitados e abaixo do peso, com as presas serradas, com quadro de infecção na boca, queimaduras na testa e ainda apresentavam problemas cerebrais em virtude das pancadas e do longo tempo de confinamento. Na época, o proprietário do circo Mário Stankovich negou ter abandonado os leões, e afirmou que pretendia doá-los para a cidade por ter interrompido suas atividades.

Hoje, sete anos depois, reencontramos os felinos. “O Lupam morreu após 27 dias que chegou. Não resistiu ao estresse e às fortes dores. O resultado da necropsia foi crueldade extrema”, conta Marcos Pompeu.

As leoas, porém, são atração do sítio e já têm até uma companhia, o Darshã — de 13 anos, que foi trocado por carnes num frigorífico, e depois foi abandonado numa câmera fria desativada.

Batizadas de Hera e Biná, elas consomem cinco quilos de carne todos os dias e gostam do cheiro da erva-cidreira para se acalmar.

Um pouco mais adiante das leoas, está Miltão, papagaio apreendido no mesmo circo em Sumaré. Ele teve a parte superior do bico cortada. Hoje está bem, com mais peso e penugem com as cores mais vivas. Todos os bichos quando chegam têm os nomes trocados, isso de acordo com Marcos, é procedimento e serve para que os animais não resgatem a mínima lembrança do passado de crueldade.

História do casal começou com uma cabra

No Rancho dos Gnomos tudo começou por acaso. Silvia Pompeu ganhou do marido Silvio uma cabra. Ela não tinha a mínima noção do que era cuidar de um animal daquele tipo. Foi em busca de informações, conversou com especialistas. Num certo dia, conheceram Vilma Lazarine que os convidou para o Congresso Bem-Estar Animal na América Latina. “Os três dias de congresso foram os mais longos da minha vida. Meu mundo desabou. Eu saí de lá e só chorava. Era o choro da alma. Passei por um período de depressão profunda. Percebi como éramos fúteis”, conta Silvia. “Desse dia em diante a vida ficou mais difícil. Passamos a ser seletivos, mais conscientes. Escolher amigos, onde ir, o que comer, ficou complicado”, completa o marido.

Após o período de choque, o casal que já havia planejado morar no Exterior, e já estava com passagens compradas, cancelou tudo. Hoje, 20 anos depois, o rancho, que já chegou a ter mais de mil animais juntos, agora tem 300, de diversas espécies. E os números não param. São 20 funcionários e centenas de voluntários. Trabalham no rancho apenas participantes do programa de Eco Voluntário. “Eles vêm de outro país e ficam duas semanas aqui no rancho. Aprendem e depois ensinam”, informa Silvia.

E para conviver com os animais, acompanhar de perto o dia a dia, a estagiária Suzana Vijaya, de 36 anos, veio de Portugal. “Vim pelo amor e carinho. E, por eles, luto com a minha vida”, conta a voluntária.

Para a fundadora, existem pessoas que não gostam, mas defendem. E não precisa sentir algo especial. Apenas o respeito, diz ela. “Acima de tudo, o respeito como obrigação moral. O saber compartilhar a liberdade entre as espécies”, afirma Silvia.

Saiba mais

Mais de 60 municípios e os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul já criaram leis que proíbem a entrada de circos com animais. “A lei de maus-tratos tem punição pequena, apenas dois anos. A penalidade aumenta quando associado a um crime”, lembra Marcos Pompeu. Os interessados em ajudar podem entrar em contato pelo e-mail [email protected] ou no site www.ranchodosgnomos.org.br.

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