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Segundo educadora, a escolha do que comemos revela o tipo de moral que rege nossas condutas

16 de fevereiro de 2010
3 min. de leitura
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Por Samantha Buglione

O aquecimento global está na nossa barriga. Estamos, literalmente, comendo demais e aquecendo demais o planeta. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 18% dos gases que causam o aquecimento global decorrem da pecuária intensiva. Vacas, porcos e galinhas são os verdadeiros vilões dos dias de calor. As vacas, principalmente. Isso porque as pobres leiteiras liberam metano, gás 21 vezes mais poluidor que o dióxido de carbono. Das áreas desmatadas na Amazônia, 75% são ocupadas pela pecuária, onde vivem cerca de 70 milhões de bois.

Para além dos dados da FAO, estudo da Universidade de Brasília afirma que a pecuária, no Brasil, é responsável por 50% das emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa (GEEs). Mercedes Bustamante, uma das coordenadoras do trabalho, afirma que a pecuária emitiu cerca de um bilhão de toneladas de gases do efeito estufa em 2005. O estudo leva em conta três grandes fontes de emissão relacionadas diretamente à pecuária: o desmatamento para abertura de pastagens (tanto no cerrado quanto na Amazônia), as queimadas para manejo de pastagens, e o metano exalado pela fermentação de biomassa no estômago dos animais.

O fator que mais pesa no bolso é o desmatamento da Amazônia, responsável por 65% das emissões do setor em 2005. A pesquisa também confirma a percepção de que a pecuária é responsável pela maior parte (75%) da área derrubada de floresta no bioma. No caso do cerrado, a abertura de pastagens foi responsável por 56% do desmatamento do bioma e 13% das emissões do setor em 2005. O cálculo considera apenas o carbono emitido imediatamente pela queima da vegetação superficial e das respectivas raízes. Não inclui outra grande fonte de emissão, que é a decomposição da matéria orgânica misturada ao solo – uma emissão lenta e gradual, mas que, com o tempo, pode chegar ao dobro do que é emitido pelo desmatamento.

A população mundial aumentou algumas centenas de milhares nos últimos 50 anos, mas nada se compara ao número de bovinos. Estima-se que, para cada humano, há mais ou menos cinco vacas espalhadas por aí. Entram no cálculo, inclusive, os humanos que passarão a vida sem comer qualquer grama de proteína animal. Ao final da vida, um carnívoro comeu cerca de 1,8 mil animais.

Comer é um ato político, com impacto na saúde humana, no meio ambiente e na vida de outros seres vivos. Equivocadamente acreditamos que no silêncio do lar, na frente da TV, com “big alguma coisa” e muito refrigerante com glutamato não causamos danos. Estamos enganados. Atualmente, nosso garfo mata mais que tsunamis. Até 2050, haverá entre 1 bilhão e 3 bilhões de refugiados por conta de catástrofes ambientais. O responsável? Nosso churrasquinho, nosso garfo e nossa faca, ou seja, nós. Comer é a versão nada romântica do bater das asas de uma borboleta no Sul que causa um terremoto no Norte. No caso da carne, é a produção de soja transgênica no Brasil – que acaba com a pequena propriedade e manda milhares de agricultores para a cidade, aumentando os bolsões de miséria –, que alimenta os bois e vacas europeus (e brasileiros também). 75% da produção de soja são para alimentar animais que não vão alimentar todo mundo. Boa parte da plantação de soja e pecuária no Brasil está onde um dia foi mata atlântica, cerrado e floresta amazônica.

Comer não é um ato privado ou inocente. Querendo ou não, a eleição do nosso alimento revela o tipo de moral que rege nossas condutas e o tipo de sociedade que estamos fomentando.

Samantha Buglione é professora de direito, bioética e do mestrado em gestão de políticas públicas da Univali. Doutora em ciências humanas.

Fonte: A Notícia

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