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Medalha, medalha, medalha

6 de novembro de 2009
3 min. de leitura
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Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA

O cão Miley salvou seus ‘donos’ Stacie Pitts e Randy Childers de intoxicação enquanto dormiam. O caso aconteceu em dezembro passado, nos Estados Unidos. Agora o ato de heroísmo do cão está sendo reconhecido, na 27ª edição do Prêmio Annual do Cão Herói, que aconteceu nessa terça-feira (19), em Los Angeles (EUA). Em 7 de dezembro de 2008, Miley foi responsável por salvar os donos e também uma criança de 6 anos da morte. Todos dormiam quando ele insistiu em acordar Stacie. Abalada pelo sono, com náuseas e forte de cabeça, foi acordar o noivo e a menina, que também estavam com os mesmos sintomas.

Hoje, fui o centro das atenções. Recebi aplausos, beijos, dengos, comidas especias e um superosso. Havia um coro que gritava meu nome: “Miley!” e fotógrafos não se cansavam de explorar meus melhores ângulos. Isso sem falar de cinegrafistas, repórteres e admiradores anônimos. Eu sou o máximo! Estava lá, no meio da festa, abana o rabo para um, para outro, dá a patinha, senta, levanta e rola, quando um colega se aproximou com focinho de poucos amigos. Não me cheirou e nem me deixou cheirá-lo. Nem precisava. Havia tensão no ar. Fui ousado e perguntei: “O amigo quer um autógrafo deste herói aqui?”. Ele levantou a parte de cima da boca, mostrou bem os caninos, que eram enormes, rosnou e respondeu: “Você acha que é herói, seu tolo?”

“Sou sim. Estou recebendo uma homenagem porque salvei meus donos e uma criança de 6 anos da morte. Eles estavam sendo envenenados com monóxido de carbono, enquanto dormiam. E quem sentiu o cheiro, decifrou o perigo e foi latir e pular na porta, hein? Quem, quem? Fui eu. Consegui incomodá-los com a barulheira que fiz e eles puderam acordar a tempo de não morrerem intoxicados.”
“Ah, quer dizer que o ‘nobre amigo’ se considera um herói porque não fez mais que a obrigação?”

“Como assim? Não entendo você.”

“Desde que você se conhece por vira-lata, desde suas primeiras pulgas, quem cuidou da sua existência, hein pateta? Quem curou suas dores de barriga quando você insistia em comer a grama do quintal? Quem nunca deixou faltar comida e água fresca nas suas tigelas? Quem sempre esteve atento para brincar, coçar sua barriga e levá-lo a passear duas vezes ao dia? Vai, responde…”

Nessa hora, baixei as orelhas, meu rabinho foi para o meio das patas traseiras e respondi sem graça: “Meus donos…”

“Pois então. Percebe que você não fez nada além de sua obrigação quando latiu o alerta sobre a intoxicação? Afinal, para que serve esse focinho tããão grande? É para cheirar melhor, seu bobinho…”

Confesso que fiquei envergonhado. E ele continuou: “Escuta bem, esse negócio de medalha, pódio, homenagem é coisa de ser humano, entendeu? Nós, cachorros, não precisamos de nada disso. Somos leais a nossos donos e a lealdade não precisa ser premiada. É nossa essência. Tudo bem curtir uma festinha mas isso é muito bom para gente. Nossa praia é outra… Ei, também não precisa ficar tão amuado. Tudo bem, você se deixou levar pela vaidade. Agora, esquece os fogos de artifício e se mantenha alerta. Somos protetores por natureza, entendeu?”

Abanei a cabeça, as orelhas, a cauda… De repente me abanei inteirinho, afirmativamente, mostrando ao colega que tinha entendido a lição. E, para provar que não guardo mágoas, dei a ele o superosso que havia ganho como prêmio. Ele o abocanhou, piscou o olho esquerdo e latiu: “É isso aí, amigão. Agora você entendeu… Quando tiver dúvida lembre-se do santo Chico: ‘É dando que se recebe’.”

Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.

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