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Incêndios e pesticidas ameaçam bicho-pau

27 de setembro de 2009
4 min. de leitura
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A devastação das florestas portuguesas aliada às alterações climáticas e à excessiva utilização de pesticidas são os principais perigos que enfrenta este inseto com aspecto de um pequeno ramo. Parecem pequenos ramos ou pedaços de madeira e andam lentamente, como se o vento fosse o único responsável por sua locomoção.

A capacidade de camuflagem do bicho-pau faz com que seja difícil avistá-lo no meio dos bosques ou de uma simples vegetação. Este inofensivo inseto pertence à família dos fasmídeos, cuja origem do nome deriva da palavra “fantasma”, o que não significa que seja assombroso… deve o nome à capacidade de se tornar invisível.

Porém, o fato de muito poucos portugueses alguma vez terem visto um bicho-pau pode não estar relacionado com a sua capacidade de mimetização, mas sim com as ameaças que enfrenta.

O entomólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa José Alberto Quartau explica que “em Portugal estes insetos podem ficar ameaçados se os incêndios florestais continuarem”. Segundo o especialista, o “grande drama” para esta espécie é sempre a “perda de habitat” e, neste capítulo, os incêndios dos últimos anos têm tido um efeito nefasto na fauna.

Por outro lado, o especialista em insetos aponta ainda outros fatores que são prejudiciais para os bichos-pau. “A agricultura, o uso excessivo de pesticidas, e a construção juntam-se às alterações climáticas que nos últimos anos provocaram mudanças no ecossistema”, esclarece José Alberto Quartau. As alterações no clima têm provocado o êxodo das espécies para o norte à medida que as temperaturas mais quentes vão subindo no hemisfério.

Em Portugal, os bichos-pau estão, segundo o entomólogo, “distribuídos de forma uniforme pelo País”. Nas saídas de campo, o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa costuma apanhar estes insetos principalmente “no substrato de bosques, em pinhais comuns (de pinheiro bravo) e até em pequenas vegetações no Alentejo”.

Portugal é um país “privilegiado”, pois o seu clima ameno permite-lhe ter espécies subtropicais como o bicho-pau. Porém, as espécies de fasmídeos que existem no país não são tão coloridas e exóticas como as dos trópicos. Os bichos-pau que caem “na rede” de José Alberto Quartau “têm um aspecto de galhos e confundem-se com raminhos da vegetação”.

Ainda que não tenham a mesma capacidade de mudar a cor da pele como os bicho-pau mais tropicais, estes insetos em Portugal também alteram a pigmentação. “Quando os apanho junto a uma vegetação amarelada, eles estão amarelados, quando os apanho junto a uma vegetação verde, eles estão mais esverdeados”, conta o entomólogo.

Os bichos-pau são, no entender de José Alberto Quartau, uma espécie “muito mal estudada” em Portugal. É por isso muito difícil dizer se o número de populações deste inseto tem vindo a diminuir no País. Porém, sabe-se que os incêndios dos últimos anos terão sido lesivos para estes invertebrados, tal como para outras espécies.

Um dos caminhos para proteger a espécie seria a monitorização das populações de bichos-pau, mas isso implica “fiscalizar e acompanhar com regularidade”, o que envolve custos.

“Não estão sendo feitos estudos porque é muito difícil arranjar financiamento para estes insetos que não têm nenhuma importância econômica nem científica relevante”, explica José Alberto Quartau.

No campo de financiamento de estudos, segundo explica o entomólogo, as espécies privilegiadas são aquelas que “envolvem interesses econômicos, que são lesivas para as florestas, ou que podem ajudar na cura de doenças”. Ora, o bicho-pau tem a favor dele o fato de “não ter um impacto negativo na natureza”, mas não sendo atrativo em termos econômicos e de interesse humano, dificilmente será estudado num futuro próximo.

No entanto, em termos de interesse para a biologia, há várias características curiosas de que são dotados os bichos-pau que existem em Portugal. Um dos fatos é que no país, normalmente, “só se encontram fêmeas o que significa que existe uma reprodução assexuada, o que é raro”, explica o entomólogo.

Além disso, “outro fato fascinante” é o de, quando está em fase de crescimento (estado em que assume o nome de ninfa), o bicho-pau se auto-regenerar. “Se perder uma perna durante esse período, ela cresce de novo, esse fenômeno regenerador é interessante do ponto de vista da biologia animal”, esclarece José Alberto Quartau. Isto claro, sem esquecer a capacidade de camuflagem, característica rara entre as espécies animais.

O pesquisador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa lamenta o fato de os invertebrados serem das espécies mais esquecidas. Porém, relembra sua importância nos ecossistemas: “para existirem vertebrados é muito importante o papel dos invertebrados. Por exemplo, não existiriam algumas aves se não existissem insetos”.

Para já, não se prevê que a comunidade científica aprofunde, a curto ou a médio prazo, o estudo sobre estes insetos. No senso comum, o exotismo dos bichos-pau faz com que sejam animais de estimação por excelência.

Porém, quem não os tiver em cativeiro, dificilmente os conhecerá melhor, a não ser que recorra a fotografias ou documentários televisivos. Isto porque, por muita atenção que se tenha, será difícil encontrá-los num incursão pelo bosque. Não é por acaso que são da família dos “fantasmas”.

Fonte: Diário de Notícias

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