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Exames de leishmaniose apresentam alto índice de falso positivo

24 de agosto de 2009
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Tutor de quatro cães, o motorista Jorge Luiz Teixeira, de 52 anos, luta para salvar a vida do animal mais velho, o rottweiler Lion. Agentes de controle de zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Belo Horizonte estiveram na casa do motorista, no Bairro Independência, na Região do Barreiro, colhendo amostras de sangue dos cachorros para exames de leishmaniose. Dias depois, voltaram à residência e informaram que apenas a análise em Lion tinha dado positivo e ele teria que ser sacrificado. Inconformado com a sentença dada ao rottweiler, que não apresenta sintomas da doença, Jorge Luiz resolveu fazer um segundo exame em um laboratório particular, que deu negativo. Por causa da divergência nos resultados, mais sangue do cão foi colhido pela zoonoses e encaminhado a um dos quatro laboratórios particulares da capital mineira, credenciados pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), ou seja, que têm o aval da SMS, para realizar a contraprova. O laudo confirmou que Lion estava sadio.

Raíssa Moreira de Souza, com a cadela que recebeu resultado positivo da PBH e negativo de laboratório particular (Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Raíssa Moreira de Souza, com a cadela que recebeu resultado positivo da Prefeitura de BH e negativo de laboratório particular (Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)

“Não adiantou. A prefeitura me informou que o laudo não vale nada. Querem recolher o cachorro e me ameaçam com uma multa de mais de R$ 4 mil. Tenho mulher e dois filhos em casa e sou o primeiro interessado em tomar a providência correta, caso o animal esteja doente. Mas ele come bem e não tem nenhum sintoma de leishmaniose. O Lion é um membro da família e farei o impossível para que ele continue com a gente”, afirmou Teixeira. A Portaria nº 1.426, de 11 de julho de 2008, dos ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que rege o trabalho desenvolvido pela secretaria para controle da doença, proíbe o tratamento e preconiza a eutanásia dos cães infectados pelo parasita leishmania. Este ano, 6.311 cachorros foram sacrificados, de acordo com a secretaria.

O drama vivido pelo motorista não é incomum em Belo Horizonte. Pesquisa feita pelo professor Vitor Márcio Ribeiro, do curso de veterinária da PUC Minas, com 35 exames que deram positivo para a leishmaniose canina – resultados obtidos com kits fornecidos pelo Ministério da Saúde, os mesmos usados pela SMS e distribuídos para todos os laboratórios brasileiros –, apresentou 45% de divergência após contraprova no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ou seja, quase a metade dos casos deu negativo. O trabalho foi apresentado no Congresso Mundial de Leishmaniose, na Índia, em fevereiro. O especialista explica que os kits contêm dois tipos de exames sorológicos: o Elisa, comprado de um laboratório particular pelo ministério, e o de Reação de Imunofluorescência Indireta (Rifi), que mede a quantidade de anticorpos produzidos pelos cães contra a leishmaniose. O Rifi é adquirido de um laboratório próprio do órgão federal.

Os dados da pesquisa reforçam a mobilização de especialistas pela revisão das técnicas de diagnóstico de leishmaniose canina. Veterinários defendem melhorias na qualidade dos exames para evitar laudos falsos-positivos e buscam reconhecimento das técnicas de tratamento dos animais contaminados, evitando o sacrifício. “O Brasil é o único país do mundo em que se manda sacrificar cães. O resultado da pesquisa surpreende e aponta que o diagnóstico precisa ser revisto”, argumentou Ribeiro, que também é conselheiro da Associação de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de Minas Gerais (Anclivepa).

O presidente da Sociedade Mineira Protetora dos Animais, o veterinário Alisson Toledo, afirma que houve um aumento de 30% nas denúncias de resultados falso-positivos em exames feitos pela SMS que chegaram à instituição este ano, em comparação com o mesmo período de 2008. Só na semana passada foram três casos. “Há uma série de fatores que pode provocar o erro. Um deles é o fato de a coleta da prefeitura não ser feita por veterinário. O papel filtro usado para absorver o sangue retirado da orelha do cachorro pode cair no chão antes de secar ou ser manuseado com as mãos sujas. Há também a possibilidade de erros de digitação na hora de colocar o resultado”, ressaltou Toledo. “Houve um caso em que o dono do cachorro recebeu um resultado positivo e, cinco dias depois, um negativo do mesmo exame. Nesse intervalo de tempo, o animal já tinha sido sacrificado”, acrescentou.

Sintomas

A universitária Raíssa Moreira de Souza, de 19 anos, do Bairro Concórdia, Região Nordeste de BH, também tenta preservar a vida de sua fox paulistinha. O exame feito pela SMS deu positivo para leishmaniose, mas ela recorreu ao mesmo laboratório que o motorista do Barreiro, que é referência da Funed, e o resultado foi negativo. “Ligaram para mim falando que virão com a carrocinha buscar a cachorra para novo exame, mas só vou permitir se eu for junto. Ela não tem sintomas, come bem e está alegre”, disse.

O Ministério da Saúde não se pronunciou. Técnicos da Gerência de Controle de Zoonoses da SMS, Vanessa Fiuza e Rodrigo Said afirmaram desconhecer as reclamações de Jorge e Raíssa. Segundo eles, a concordância entre os exames feitos pela prefeitura e, posteriormente, por laboratórios particulares credenciados pela Funed, é de 95% a 98%. “A secretaria segue as regras da Portaria Interministerial 1.426. O trabalho para diminuir o nível de transmissão da leishmaniose é muito maior do que identificar e eliminar os reservatórios (cães). A pessoa que se recusa a entregar um animal com exame positivo pode responder penalmente por infração sanitária”, disse Vanessa Fiuza. A multa prevista é de R$ 4.386.

Fonte: Uai

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