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Lua Maria Branquela

7 de agosto de 2009
4 min. de leitura
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Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA

foto da cadelinha lua (arquivo pessoal)

Tenho três meses. Na ordem de nascidos fui a última, a caçulinha. Ao todo, somos em seis irmãos. Cada um de uma cor, com tamanhos diversos. Eu sou a menorzinha. Tenho o pelo curto, marrom, com manchas bege e tenho os olhos verdes. Todos temos olhos verdes, mesmo o primeiro irmão que é todo pretinho. Mamãe se chama Loira. É uma cachorra sem teto e somos a primeira cria. Primeira e última, é bom registrar. Nossa mãe Loira, batendo patinhas por aí, encantou um anjo da guarda, uma protetora de animais e passou a ganhar ração, água fresca, carinho, vacinas e na sequência ganhou um lar para ter seus filhotes e ser castrada.

Quando nascemos, que bagunça! Dormíamos uns sobre os outros, enroladinhos! Faz frio fora da barriga da mamis. Eu gostava de ficar sobre meus irmãos, no alto da pilha de cachorrinhos. Foi assim que me viram, quando eu ainda me chamava Liz Taylor. Nasci Nina, sabe? Talvez por eu ser a mais pequenina da ninhada. Mas, quando fui para a casa de outra protetora, pelos meus olhos verdes e meu charme sem igual, virei Liz. A Taylor.

A foto da ninhada circulou pela internet. Os protetores buscavam um lar para cada um de nós. Nada fácil. Somos lindinhos mas somos sem raça definida e os interessados perguntavam: “Vai crescer?”. Bom, dizia a protetora, pelo tamanho da pata e pensando na mãe… vai sim, vai crescer um pouquinho, vai ficar um cachorro médio. Nem todos têm espaço hoje em dia para um cachorro médio e muitos adotantes desistem diante da incerteza. E se o lindo filhotinho ficar do tamanho de um São Bernardo? Nunca se sabe…

Pois eu estava na casa da protetora. Eu, meus irmãos e mais uns vinte cães adotados por ela quando aquelas pessoas chegaram. Duas moças, uma loira, outra de cabelos castanhos e um garotinho de seis anos. Chegaram fazendo barulho, falando alto, o menino estava excitado com tantos cães. Era noite de lua cheia? Acho que era. Havia bastante luminosidade no quintal da casa da protetora. Minha rmã peludinha foi a primeira a ser mostrada. Ela se agarrou ao colo da moça castanha e ficou ali feito um bichinho carente. Pensei: “Xi, já era. Desse jeito vão gostar muito dela e eu ficarei aqui, sem ser adotada”. Mas aquelas duas moças e o garotinho não pareciam ter pressa e foram vendo todos os cachorros. Eu estava contida por um portãozinho mas forcei a barra, empurrei, pulei, mordi, fiz que fiz e o portão se abriu. Saí em disparada e, não sou boba nem nada, pulei no menininho. Ele tinha os olhos verdes, a voz rouquinha e uma cara de gente boa que me dava vontade até de uivar de alegria. “Esse vai ser meu tutor!”, pensei confiante e, apesar de o meu jeito destrambelhado deixá-lo um pouco assustado, ele gostou de mim. Eu pulava, ele pulava. Ele gritava, eu latia. Era a dança perfeita. “Desculpa irmãzinha, mas este tutor é meu!”. E foi mesmo.

Saí de lá nos braços do garotinho. Rafael é seu nome. Nome de anjo. O meu anjo protetor.

Todos os dias, no final da tarde, ele chega da escola e nós voamos pela casa. Correria, gritaria, latição, bolinhas pra lá e pra cá. Eu adoro roubar os brinquedos do quarto dele e, vez ou outra, exagero e dou-lhe umas mordidinhas… Ah, sou filhote ainda, não conheço a força dos meus dentes de leite que, aliás, já começaram a cair. Também adoro as duas moças. A loira é quem manda. Ela é a dona do pedaço. A outra é mole comigo que só. Faço dela gato e sapato.

Estamos sempre juntos. Minha caminha vai e vem entre a sala, sala de tv, e o quarto. Outro dia, até tomei banho de banheira! Acredita? A vida é muito boa. Eu adoro minha família, meus ossinhos e esses brinquedos que ou ganho ou dou uma roubadinha básica do quarto do Rafa. Saio com eles na boca e fico provocando… Alguém sempre vê e sai correndo atrás de mim. “O lelê”, como diz o garotinho quando brinca comigo. Dou muitos olés nele pela casa.

Agora, para tudo ser um sonho completo, com final superfeliz, só falta um irmão meu ser adotado… É o Rodolfo. Mas eu estou aqui entre uma mordida e uma prece, pedindo aos céus que ele tenha a mesma sorte que eu tive e que nossos outros irmãos tiveram e apareça um anjo na vida dele também. Vai aparecer e ele vai ser o melhor amigo de alguma pessoa de bom coração.

Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.

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