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Tráfico atinge milhões de animais e movimenta cifras bilionárias

30 de julho de 2009
7 min. de leitura
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Nem sempre visível aos olhos da sociedade, ao contrário do desmatamento e da poluição, o mais certeiro ataque à biodiversidade animal nas matas do país também tem a seu favor as vistas grossas de muitos brasileiros. O tráfico de aves, mamíferos e répteis afeta a reprodução de várias espécies nativas e nutre uma rede de negócios sujos que movimenta milhões de reais por ano. Contribuindo para esse comércio clandestino, somam-se a brandura da legislação, a teia de cumplicidades armada pelas quadrilhas e, do outro lado do balcão, a tolerância generalizada em relação à origem ilegal de bichos de estimação.

Assim como grande parte do tráfico da vida silvestre escapa às autoridades, números precisos sobre capturas e cifras envolvidas fogem à estatística. Esse mercado ilegal é, porém, maior do que sugerem as notícias a cada operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e congêneres estaduais e municipais. Uma ideia de suas dimensões foi dada em março, no Rio de Janeiro, pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, que desbarataram uma quadrilha acusada de negociar até 500 mil animais por ano, no país e no exterior.

“Estimamos que o comércio ilegal da fauna silvestre no Brasil seja responsável pela retirada de cerca de 38 milhões de animais da natureza anualmente”, afirma o coordenador da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), Dener Giovanini, responsável pelo 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, lançado em 2001. Essa quantidade alarmante corresponde à média diária de 104 mil bichos, o que por sua vez equivale à retirada de 18 a 19 deles do habitat, por dia, em cada um dos 5.564 municípios brasileiros.

As aves são as mais cobiçadas. A variedade é grande: papagaios, araras, tucanos, arapongas e pássaros canoros como sabiás, trinca-ferros, curiós e chanchões. Bem atrás vêm os mamíferos, como macacos, tatus, preguiças e gambás. E, entre os répteis, jiboias e outras cobras, cágados e jabutis. “A sociedade ainda é tolerante com esse crime. Há uma ideia errônea, diante das questões de segurança em cidades como o Rio de Janeiro, de que a repressão ao comércio de animais pode ser deixada de lado”, lamenta no Ministério Público Federal fluminense o procurador Maurício Manso.

Terra dos Papagaios

A retirada de animais de seu habitat remonta aos primórdios da humanidade, tendo levado à domesticação de várias espécies. No Brasil, antes mesmo do descobrimento, os índios amansavam bichos para diversão nas aldeias. Os xerimbabos (coisa muito querida, em tupi) incluíam araras, papagaios, mutuns, quatis, veados e jiboias. A prática não tinha maiores impactos sobre a preservação das espécies, pois, além da longevidade e do número reduzido dos animais de estimação, sua alimentação era, quase sempre, a mesma encontrada no meio natural.

A crueldade que nasce da tolerância (Foto: Reprodução/Pantanal News)
A crueldade que nasce da tolerância (Foto: Reprodução/Pantanal News)

Com a chegada dos portugueses, em 1500, a relação entre humanos e animais silvestres mudou. Na carta ao rei dom Manuel, Pero Vaz de Caminha relata o encontro de homens da esquadra de Cabral com os indígenas, na Bahia, e conta: “Resgataram por lá cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o capitão vo-las há de mandar”.

Não foi por menos que o Brasil logo foi chamado de Terra dos Papagaios. Para os viajantes, voltar à Europa com um animal exótico provava a estada no Novo Mundo. No século 19, muitos espécimes foram levados por naturalistas europeus. No seu rastro, chegaram os comerciantes, que estimularam a captura de aves para abastecer com penas a moda europeia. Na metade do século 20, quando o país se urbanizava, o comércio de animais chegou às feiras das cidades. A de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, é até hoje uma das mais afamadas, dentre aquelas onde se fazem negócios obscuros com a fauna nativa.

No Brasil do século 21, informa o relatório pioneiro da Renctas, o comércio ilegal de animais movimenta, por baixo, US$ 500 milhões anuais – 5% do montante desse tráfico em todo o mundo, contabilizado em pelo menos US$ 10 bilhões por ano. Essas cifras são de 2001, mas Dener Giovanini faz a ressalva de que elas podem estar em queda no país. “O tráfico de animais vem sofrendo derrotas consideráveis”, diz, acrescentando que os brasileiros têm avançado na área, apesar do hábito arraigado, em todas as classes, de transformar bichos da natureza em animais de companhia.

“O maior desafio é conscientizar as pessoas de que estão contribuindo para o tráfico ao comprar animais ilegais, mesmo quando acreditam fazer um bem. O melhor, nesses casos, é denunciar o vendedor às autoridades”, aconselha no Ibama a coordenadora substituta de Gestão do Uso de Espécies da Fauna, Raquel Sabaini. Por lei, apenas espécimes originários de criadouros registrados podem ser adquiridos para estimação. Há cerca de 900 desses locais cadastrados no instituto, assim como 300 mil amadores – na maioria criadores de passarinhos.

Rede de cumplicidades

Investigações comprovaram que o tráfico se beneficia de uma malha que abrange de policiais – participantes ou cúmplices – a empregados de transportadoras. Com um dos PMs presos, em Magé, na Grande Rio, a Polícia Federal apreendeu 200 passarinhos transportados desde Parati (RJ), ponto de acesso de caçadores fluminenses ao Parque da Bocaina. “A carteira funcional acaba sendo um facilitador”, lamenta o procurador Maurício Manso, referindo-se a operações policiais nas estradas.

Além de PMs, faziam parte do esquema motoristas e outros empregados de empresas de ônibus interestaduais e intermunicipais, que acobertavam o transporte de animais nos compartimentos de carga. Outra constatação foi a impunidade de muitos traficantes. Flagrados e presos antes das investigações, eles foram logo soltos e prosseguiram negociando animais. No caso das conexões internacionais, as investigações levantaram suspeitas de facilitação proporcionada nos aeroportos para o embarque dos bichos.

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, defende a equiparação do tráfico de animais aos de drogas e armas. Na opinião de Minc, a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) é suave e não distingue o traficante do amador que mantém ilegalmente um passarinho na gaiola. O tráfico de drogas é punido com 15 anos de prisão e o de animais, com apenas 18 meses, conversíveis em serviços comunitários. O procurador Maurício Manso sugere mudanças na lei que permitam à Justiça apreender bens dos traficantes de animais, como nos casos de drogas e armas. Os recursos seriam revertidos em ações ambientais.

Um obstáculo à erradicação desse comércio é a difícil situação econômica da maioria dos caçadores. “As conexões socioeconômicas do tráfico de animais com comunidades carentes existem, mas a pobreza não é justificativa. O Estado precisa ser mais presente e oferecer fontes alternativas de renda, sem abrir mão da missão constitucional de proteger os recursos naturais”, assinala, na Renctas, Dener Giovanini. De acordo com as investigações feitas no Rio, uma arara pode render R$ 100 ao caçador, para ser vendida no exterior por até R$ 8 mil.

Além dos maus-tratos no cativeiro e no transporte, muitos animais são vítimas de crueldade deliberada, afirma Maurício Manso. “Há casos em que, quando caem em redes armadas na floresta, passarinhos sem valor comercial têm as asas quebradas e são jogados no chão”, conta. Feita a captura, a regra generalizada é o transporte, por longas distâncias, de grande quantidade de animais em pequenas caixas, com alimentação e higiene precárias. Com esse tratamento, até oito entre dez animais morrem no trajeto rumo às cidades.

(Com informações do PantanalNews)

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