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Gateiras falam da relação com os animais

20 de julho de 2009
6 min. de leitura
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Sean Penn, Linda Evangelista, Benício Del Toro, Nicolas Cage, Angelina Jolie e Mel não têm pedigree, mas com altivez de sobra, reinam soberanos no apartamento de sua tutora, fincado na selva de pedra dos arredores da Praça Imprensa Fluminense. Sorrateiros e obsevadores — como manda o melhor manual do comportamento felino — se esgueiram pelas frestas, se alongam como iogues, somem e… de repente — ao se sentirem à vontade com as visitas, que fique claro —, dão o ar da graça. Aí, contemplam e se enroscam no forasteiro desarmado como sempre fazem aos pés da tutora, a funcionária da Câmara Municipal de Campinas, Rose Munhoz. “É uma relação bem verdadeira. Os gatos nos ajudam e são mais atentos às nossas ansiedades que muitos humanos. Gatos nunca são falsos. São companheiros, dignos e independentes”, define a “gateira” e guardiã dos animais.

foto da tutora com um de seus gatos no colo
(Foto: Edu Fortes/AAN)

É bom que se frise, porém, que o sexteto surgiu na vida de Rose completamente por acaso — fato comum entre tutores de gatos, em alta. Cerca de sete anos atrás, época em que trabalhava no prédio da Câmara, ainda instalado no Paço, se deu conta de que alguém havia deixado nos jardins da Prefeitura uma gata borralheira, sem eira nem beira. Era Mel, que surgia para adoçar os dias de alguém ainda inexperiente na criação de gato em apê. “Ela vivia escondida no almoxarifado e eu sempre a alimentava. Um dia, entrou no cio e foi o maior auê para tirá-la de cima de uma árvore. Com a ajuda de uma faxineira, resgatei a Mel, levei-a ao veterinário e, então, para casa. Não sabia que era tão fácil e prazeroso cuidar de gatos”, lembra.

Pouco tempo depois, durante caminhadas pelo Bosque dos Jequitibás, Rose encontrou Benício, Sean e Linda à deriva, junto de dezenas de outros gatos abandonados por lá. Arregaçou as mangas e, junto de voluntários de entidades como União Protetora dos Animais e Associação dos Amigos dos Animais de Campinas, passou a alimentar os gatos. Em 2003, por conta de um surto de raiva, 42 deles foram transferidos pela Prefeitura pelo Centro de Controle de Zoonoses. “Desde então, vários outros gatinhos foram surgindo nas ruas do Cambuí e, da maneira que posso, me disponho a ajudá-los”, conta.

Tamanha afeição, garante, não tem a ver com a magia atribuída aos felinos e sim com o olhar irresistível e cúmplice de seus amigos de quatro patas, muitas vezes malquistos pelos humanos. “Eles olham no fundo da alma da gente. Essa história de que gato atrai energias ruins, dá azar, faz sujeira, dá trabalho, não se apega ao tutor e sim à casa, precisa de liberdade e não vive bem em apartamento, tudo isso é puro mito. São animais maravilhosos”, defende Rose, citando, indiretamente, a psiquiatra alagoana Nise da Silveira, discípula do psiquiatra suíço Carl Jung .

Mimados por igual

Nos pet shops, é grande o movimento da gataiada e de seus tutores, cada vez mais preocupados com o bem-estar dos peludos. Luciene Lemes, tosadora da Central Pet unidade Cambuí, nota que os gatos são tão queridos quanto os cães, mas recebem cuidados especiais. “Para isso, temos um serviço de banho e tosa diferenciado, que minimiza o estresse. Cães e gatos são tratados em espaços separados e mimados por igual”, relata. Na quarta-feira que antecedeu o feriado de 9 de Julho, em apenas uma hora, quatro gatos persas tomaram seus banhos no estabelecimento.

Mas o zelo vai além do asseio (que, aliás, os felinos tiram de letra). Acessórios como arranhadores em forma de casinha e brinquedinhos como ratinhos e bolinhas são cada vez mais procurados para entreter os gatos. “Além disso, quando temos filhotes de persa para vender (os preços variam de R$ 900,00 a R$ 1,3 mil), eles não passam mais que um mês conosco. A procura é muito grande”, diz Luciene.

Xodó da família

A psicóloga Andréia Galletta Guido também se derrama toda quando o assunto são seus felinos Pamela, de 8 anos, e Naty, de 3, ambas sem raça definida. A mais velha, por sinal, teria tudo para ser lembrada como presente de grego “ganho” uma semana depois do próprio casamento. “Quando ela tinha dois meses, passou um apuro com um cão rottweiler, que passou dois dias rondando. Foi aí que decidimos adotá-la e sem qualquer experiência anterior”, lembra.

Hoje, expert no assunto, explica que Paloma virou o xodó da família (sofre de insuficiência renal) e garante que qualquer um pode se deixar levar pelos gatos. “Se antes os cães eram os tutores do pedaço e os gatos discriminados, vistos com preconceito, hoje são procurados à beça. Se tornaram queridos, estão na moda”, se diverte Andréia. “E não são apenas as mulheres que adoram gatos. Conheço muitos homens que preferem tê-los aos cães ou têm os dois bichos em casa”, diz Rose.

Donos do pedaço

O apartamento de Rose Munhoz pode ser chamado de referência no gênero para um criador de gatos. Em todas as janelas, telas de proteção. Na lavanderia, uma grande caixa de areia para as necessidades dos bichanos, limpa várias vezes ao dia. Espalhados pela casa, ratinhos e outros mimos de brinquedo para atiçar a curiosidade dos animais e estimular o relacionamento tutor-bicho. Além, claro, de adornos mil para decorar banheiros, porta e prateleiras, todos alusivos aos… gatos. “O segredo para se ter um bom gato é dar a ele uma boa ração e deixá-lo à vontade em casa”, resume Rose.

Jung explica

Esse encantamento das mulheres pelos gatos faz ainda mais sentido quando se conhece o pensamento, a praxis e os arquétipos aos quais se referia o psiquiatra suíço Carl Jung; ou os métodos de tratamento de sua discípula, a psiquiatra alagoana Nise da Silveira, também profunda conhecedora de Freud e considerada pioneira na luta antimanicomial no Brasil.

Animal admirado pela psiquiatra por sua liberdade, independência e altivez, Nise dizia que “o gato é um ser essencialmente livre e essa liberdade desafia o ser humano”. “Além disso, Nise destacava a afinidade sempre presente nos gatos em relação aos humanos. Foi a partir de tal observação que a psiquiatra introduziu os animais na coterapia de seus pacientes, com destaque para os felinos, cuja linguagem corporal é completamente outra, e escreveu um livro chamado Gatos, a Emoção de Lidar (1998). Nele, destacou o quanto os humanos se sensibilizavam com os felinos”, ressalta a psicóloga Andréia Galletta Guido.

Referência

A relação entre a humanidade e os gatos domésticos é relativamente recente, se comparada à presença do “melhor amigo do homem” no mundo: data de 3 mil anos a.C. Da deusa egípcia Bastet — que tinha corpo de mulher e cabeça de gato — da mitologia aos contos infantis como O Gato de Botas, de Charles Perrault, são muitas as referências ao Felis silvestris catus (nome científico do gato doméstico) na história, literatura e até no cinema.

O temor pelos felinos remonta à Idade Média, período em que os bichos eram relacionados às bruxas, perseguidas e queimadas vivas. Ainda nesse período, com a peste negra ou bubônica, doença transmitida pelos ratos, que dizimou 1/3 da Europa, os gatos voltaram a ter importância. Era o início da redenção dos bichanos.

Fonte: Cosmo On Line

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