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Feira ecológica: sem cachorro, mas com salame

21 de junho de 2009
3 min. de leitura
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Então neste sábado estávamos na ‘feira ecológica’, nome popular dado ao evento que ocorre aos sábados de manhã em duas quadras da avenida José Bonifácio, no mesmo local onde, aos domingos, ocorre o tradicional Brique da Redenção, em Porto Alegre. São inúmeras bancas de produtos orgânicos, ecológicos, integrais, macrobióticos, vegetarianos e veganos, e também livros, plantas etc. O público, claro, costuma ser uma atração à parte, tanto pelo fervilhante número de pessoas, e nisso sempre se incluem muitos conhecidos e gente ‘da causa’, como pela grande maioria que frequenta o local só porque outras pessoas também estão ali – não, eu não estou sendo implicante, é a mais pura verdade – ou para comprar ‘uma comidinha mais saudável’. Já ouvi cada uma…

Pois o local fica tão atravancado que foram colocados cartazes pedindo que as pessoas não circulem mais com seus animais, ‘em nome da boa convivência entre humanos e animais’. Algo assim. Na verdade, me incomoda muito mais aquele tipo de gente que não tem bem certeza para onde está indo, mas está sempre bloqueando o caminho, ou os impacientes que dizem ‘com LICENÇA?!’ no momento que estou dando passagem a uma pessoa idosa. Aliás, os idosos são maioria por lá.

Porém, minha preocupação sempre foi com a integridade dos animais que circulam junto com seus donos, pois muitos compradores são incapazes de desacelerar e fazem da ida à feira ecológica uma atividade mecânica e plástica como um passeio no shopping, com o fetiche por filas, carrinhos, sacolas, ‘no débito’, obrigação de olhar tudo e chegar em tempo para o próximo compromisso etc. E os cachorros ficam sujeitos aos pisões dos tênis desse público autômato – claro, faz parte do ritual neurótico colocar abrigo, tênis e óculos escuros nas manhãs de sábado.

Nesta edição, por exemplo, alguém levou um filhote de cachorro pela coleira, e este passou o tempo todo em pânico, vendo centenas de pernas passando por sobre sua cabeça, desviando das grandes orelhas. Cruzei com a dupla mais de uma vez e o cãozinho estava sempre andando de ré, desacostumado com a coleira, assustado com o ambiente e com o caos que só os humanos conseguem proporcionar como atrativo ‘ecológico’. O dono, claro, esteve alheio ao animal durante o tempo todo.

O animal, mesmo aquele considerado ‘com sorte’, passeia quando o dono quer passear, corre quando o dono lhe libera para correr – e, invertendo, TEM que correr quando seu dono decide correr, viaja quando o dono decide, dorme quando ele decide, usa coleira, manejo elétrico, spray de pimenta e demais acessórios pet, isso quando não passa a viver no box de um banheiro, ‘porque caga demais’. Mas quem faz uma leitura rápida da cena somente vê uma pessoa comprando produtos saudáveis em uma feira ecológica, levando seu melhor amigo para passear. Como tirar essa imagem romântica da cabeça das pessoas? Não que tudo tenha que ser amargo ou apresentado como tal, mas havia alguém puxando, e outro sendo puxado por uma tira de couro no pescoço. Uma cena que se reproduz nas relações profissionais, matrimoniais etc. e, arrisco dizer, nas forças de construção da sociedade.

Como sussurrar no ouvido das pessoas que um dos pontos mais visitados da feira era um cara com um isopor – ilegal, claro – vendendo peças de queijo e salame industrializado? Nada a ver com o perfil do evento, mas ninguém chamou a fiscalização, pelo contrário, aproveitaram a saída – o cara fica estrategicamente colocado na esquina final da feira, quase em frente à banquinha da SVBPoa – para beliscar uma amostrinha e levar para casa um bom salamito ‘da colônia’, com garantia. Mas acho que eu é que estou sendo romântico agora.

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