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Bastidores da aprovação do projeto de lei que proíbe o uso de animais em circos

4 de junho de 2009
11 min. de leitura
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Por George Guimarães

Escrevemos mais uma importante página de um dos capítulos da defesa animal no país. Na manhã do dia 3 de junho, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o Substitutivo do Projeto de Lei 7.291/2006, que proíbe o uso de animais em circos em todo o território nacional. Refiro-me a essa vitória como apenas uma das páginas de um dos muitos capítulos porque esse Projeto de Lei ainda está longe de ser aprovado, pois ainda terá que passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e possivelmente pelo Plenário, seguindo depois para o Senado, onde passará por novas comissões. Ainda assim, a vitória de hoje na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, onde o projeto esteve tramitando por longos dois anos e meio e com isso causando grande apreensão, é certamente um momento determinante.

Diferentes grupos e indivíduos dedicados à proteção e defesa animal trabalham com a questão dos animais em circo há mais de uma década. Alguns desses estiveram presentes no Plenário 10 da Câmara dos Deputados e muitos outros estiveram presentes em tantos outros momentos, participando de reuniões, audiências públicas, visitas a gabinetes e de outras formas de articulação com os parlamentares.

Hoje pudemos sentir aliviada uma tensão que se acumulava há muitos meses. Entre uma série de adiamentos de audiências públicas que por fim não aconteceram e os também seguidos adiamentos de votações, os ativistas pelos direitos animais por muitas vezes se apresentaram desestimulados diante da desarticulação causada por esses cansativos processos. Aos que se mantiveram fortes e disponíveis enquanto os seus colegas estavam impossibilitados, e aos que fizeram os sacrifícios que foram necessários, todos os esforços foram recompensados na data de hoje. Ainda assim, é importante saber que ainda há muitos embates pela frente até que seja aprovada uma legislação em favor da abolição do uso de animais em circos nesse país.

Estar em Brasília em busca da atenção dos parlamentares não é tarefa fácil. Raramente é possível ter contato com eles, ficando a comunicação restrita aos seus assessores. Alguns informam uma posição firme do parlamentar sobre a questão de modo que podemos confiar nela, enquanto outros informam a posição de maneira duvidosa. Muitos se mostram mal informados ou sequer desejosos de receberam a informação, enquanto outros informam claramente que votarão de acordo com o partido. Ou seja, são poucos os que podemos confiar e são muitos o que nos deixam sem qualquer segurança sobre seu posicionamento. Pelo que eu pude aprender, tudo é decidido às pressas e com muitas falhas de comunicação, o que só aumenta a possibilidade de prevalecer a desinformação, haja vista que apenas a comunicação seguida da ponderação é capaz de criar espaço para informação necessária à tomada de decisão à altura de um assunto dessa importância.

Na tarde anterior à votação, a informação era a de que a negociação girava em torno de três questões: a exclusão do termo “congêneres” do texto do substitutivo (havia temor de que atividades como rodeios pudessem ser afetadas por essa lei, apesar de haver no texto um artigo que especifica essa exclusão), a extensão do prazo para destinação dos animais de três para seis anos e a exclusão da proibição dos animais domésticos (o que significava que eles poderiam continuar a ser apresentados). Segundo os opositores, havendo o aceite dessas três condições, a matéria seria aprovada. O posicionamento sobre a exclusão do termo “congêneres” e o aumento do prazo era consenso entre os defensores dos direitos animais presentes. Já com relação à exclusão dos animais domésticos, o posicionamento foi firme no sentido de não aceitar negociações com relação a esse ponto.

Em conversa com a assessoria do relator do projeto na noite de ontem (horas antes da votação), meu posicionamento pessoal foi o de que se os animais domésticos fossem excluídos da proibição, seria da minha preferência que a matéria fosse rejeitada por completo, pois preferiríamos que não houvesse uma lei caso essa fosse tão imensamente incoerente ao ponto de excluir algumas espécies animais enquanto mantém outras. Ora, ou o nosso argumento moral vale para todas as espécies ou ele não valerá. Idem para os nossos argumentos sanitários e de segurança, pois os riscos oferecidos à população são semelhantes independentemente da espécie que é mantida pela por essa atividade que tem intrínseca a característica itinerante. Além dessas, também no que diz respeito à educação, que é a matéria da Comissão de Educação e Cultura, o prejuízo causado à formação de uma criança que é convidada a divertir-se com a humilhação de um chimpanzé ou o subjugo de um leão é o mesmo ainda que os sujeitos de tal tratamento sejam substituídos por um cavalo ou um cachorro.

Passado esse debate, ficou acordado que o texto que iria para votação seria tal de forma que atendesse apenas às solicitações que se referem à extensão do prazo e à exclusão das atividades congêneres, ficando mantido o posicionamento em relação à abolição da exibição de qualquer espécie animal, excetuando-se dessa proibição apenas os animais humanos. E assim ele foi apresentado. Mas, pela manhã, a negociação da exclusão dos animais domésticos voltou ao debate no Plenário 10 da Câmara dos Deputados. Aqueles que se opunham ao substitutivo declararam-se dispostos a aceitar todos os outros termos do projeto de lei desde que os animais domésticos fossem excluídos da proibição. Essa poderia parecer uma proposta bastante tentadora, haja vista que estava distante de ser certa a aprovação caso o embate caminhasse para a decisão pelo voto (que é o oposto de uma decisão por acordo). Os parlamentares em oposição ao texto lembravam aos outros deputados sobre o risco de perderem na votação caso o acordo para a exclusão dos domésticos não fosse aceito. No entanto, para a sorte dos animais de todas as espécies, os parlamentares que discursavam e negociavam em favor dos animais mantiveram-se sóbrios e firmes em sua posição, a qual foi totalmente condizente com a proposta da libertação animal.

São merecedores dos nossos agradecimentos os Deputados Federais:

– Affonso Camargo (PSDB-PR), que apesar de não fazer parte da Comissão de Educação e Cultura, esteve presente na votação e em muitos outros momentos da tramitação desse projeto de lei, discursando sobre o tema sem amarras e, hoje em especial, convidando aos outros parlamentares a fazerem um exame de consciência ao decidirem pela posição que tomariam;

– Alice Portugal (PCdoB-BA), que defendeu com uma energia ímpar aos interesses dos animais e da sociedade humana quando se posicionou diante dos outros parlamentares munida de argumentos firmes e repletos de informação;

– Antônio Carlos Biffi (PT-MS), relator do Substitutivo do Projeto de Lei em questão, desde o início da tramitação apresentou um excelente relatório que vinha de encontro aos interesses dos animais, mantendo-se coerente com o seu arrazoado até o final das negociações;

– Maria do Rosário (PT-RS), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, pela excelente condução dos trabalhos realizados pela Comissão por ela presidida;

– Ricardo Tripoli (PSDB-SP), que apesar de não fazer parte da Comissão de Educação e Cultura, esteve presente na votação e fez uso da palavra para defender os interesses dos animais em circos, tendo sido a sua presença de essencial importância para a mediação das negociações.

Cidadãos comuns não têm direito à voz durante a votação, mas podem estar presentes em silêncio (com exceção de uma manifestação aqui e ali, sempre devidamente advertida pela presidente da Mesa). Éramos cerca de 40 ativistas pelos direitos animais contra uma quantidade semelhante de circenses. Os ativistas posicionaram-se de maneira ordenada na penúltima fila (ou a primeira disponível para o público), exibindo faixas e cartazes, os quais foram apenas momentaneamente ofuscados pela pilha de abaixo-assinados que foi colocada sobre a mesa onde estávamos. As assinaturas, colhidas por grupos espalhados por todo o país e cujo transporte foi confiado ao VEDDAS para ser protocolado na Câmara dos Deputados, no dia anterior desfilou pelos gabinetes dos parlamentares em uma singela mala que carregava o conteúdo pesando 50 quilos (isso sem mencionar os outros 30 quilos de materiais como faixas e megafone que foram levados a Brasília com dois únicos braços e usados para adornar o ambiente externo que dá acesso ao Anexo II da Câmara dos Deputados). A pilha de assinaturas exposta sobre a mesa exibia em seus 70 centímetros de altura as assinaturas de cerca de 100.000 (cem mil) cidadãos que por meio dela declararam serem contrários à presença de animais em circos. Outras folhas, trazidas por outros indivíduos, foram agregadas a essa pilha no momento da votação.

O Deputado Ricardo Tripoli foi o segundo parlamentar a fazer uso da palavra e foi ele quem trouxe a atenção dos outros parlamentares para a platéia de defensores dos direitos animais que se colocava às suas costas. Nesse momento, ele pediu a permissão da presidente da Comissão de Educação e Cultura para que o VEDDAS entregasse à Comissão os abaixo-assinados que portava. O pedido foi acatado, mas não sem antes dar a oportunidade aos circenses de fazerem o mesmo (a minha estimativa é de que a pilha de assinaturas apresentada por eles continha cerca de cinquenta folhas). A presidente recebeu das minhas mãos as cem mil assinaturas que me foram confiadas e que foram devidamente posicionadas ao lado da Mesa, dando assim continuidade aos trabalhos.

As posições contrárias à proibição do uso de animais em circos frequentemente usavam de argumentos que excedem o limite do não risível, atestando aos mais esclarecidos que o que ocorre na verdade é que estão desprovidos de argumentos. Já as posições favoráveis à proibição do uso de animais em circos foram bastante consistentes e surpreendentemente focadas na questão animal. Digo que isso foi surpreendente porque há uma série de argumentos antropocêntricos, como as questões sanitárias e de segurança, disponíveis para uso, mas os argumentos que colocam em foco o interesse dos animais em não serem sujeitados às condições inerentes à atividade circense foram os mais usados.

Encerradas as exposições por parte dos parlamentares, houve uma breve movimentação no sentido de negociações entre eles. Das alterações propostas, a única que foi acatada pelo relator foi de estender para oito anos o prazo para a destinação dos animais. Em seguida, a matéria foi colocada em votação e, sem deixar que a tensão se alongasse, o texto foi rapidamente aprovado por unanimidade, o que provocou a comemoração entre os ativistas que ocupavam o Plenário.

Muitos grupos estiverem presentes no momento da votação. Além da presença do VEDDAS de São Paulo, destaco a presença da ADI de Londres, ANIDA do Rio de Janeiro, Coletivo Madu do Distrito Federal, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, ProAnima do Distrito Federal e WSPA, que se manifestaram em voz uníssona durante os trabalhos. Apesar de sabermos não ter sido sempre assim na trajetória desse tema, é certo que a atitude positiva em efeito hoje na Câmara dos Deputados esteve em efeito nas últimas semanas também entre grupos e indivíduos que atuam pelo mesmo objetivo no que se refere à abolição do uso de animais em circos e que não puderam estar presentes na Câmara dos Deputados na data de hoje.

Conforme descrevi no início, ainda temos muito a trilhar tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal até que possamos concluir o capítulo que se refere aos animais mantidos em circos. Nesse sentido, peço aos grupos para que se mantenham alertas e ativos em sua mobilização. Pude constatar pessoalmente que os deputados registram e respondem às manifestações feitas por meio de mensagens eletrônicas, em especial as que são feitas em tom educado. Aos que têm acesso a Brasília, a visita aos gabinetes e outras formas de contato direto com os parlamentares são de extrema importância. Àqueles que não têm acesso fácil ao Planalto Central, mas que poderiam fazer um esforço maior para criar essa possibilidade, eu recomendo fortemente que o façam. Aos que estão impossibilitados de se fazerem presentes, escrevam de maneira educada aos deputados que farão parte da Comissão de Educação e Justiça. E desde já, todos podem escrever aos deputados que votaram na Comissão de Educação e Cultura agradecendo pelo voto favorável ao Substitutivo do Projeto de Lei 7.291/2006 que proíbe o uso de animais em circos em todo o território nacional.

Oportunamente, dividi o voo de ida a Brasília com a Senadora Marina Silva, de quem me aproximei explanando o propósito da minha viagem e seguindo com a consulta sobre o seu posicionamento em relação à questão dos animais em circos. Com muita prudência, ela me respondeu: “acredito que tenhamos uma posição bastante semelhante”.

Há muitos caminhos que, inexoravelmente, colocarão a exploração de animais não-humanos nos capítulos mais vergonhosos da história da nossa civilização. O caminho que faz uso dos processos legislativos é um deles e por isso devemos saber usá-lo com eficácia. Nesse caminho, onde os parlamentares são os únicos a terem voz no momento da votação em plenário, não devemos nos esquecer de que somos nós que damos voz a eles. E para aqueles de nós que escolhemos fazer uso de nossa voz em favor de outrem, ainda que esse outrem não nos tenha elegido por meio dos mesmos processos eleitorais em efeito em nossa sociedade humana moderna, lembremo-nos de que somos nós a ponte entre eles e aqueles que têm o poder de legislar de forma que possa ser favorável à sua libertação.

Ofereço os meus agradecimentos pessoais à Ana Nira, Marina Corbucci, Renata Martins e Sônia Fonseca, cujo apoio e orientação foram preciosos para a realização do trabalho no qual eu propus a engajar-me nesse breve período.

George Guimarães
 
VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade
www.veddas.org.br
[email protected]
 
Veja as fotos que ilustram os acontecimentos acessando www.veddas.org.br/circos/fotos.htm

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