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Burocracia movida a chicote

31 de maio de 2009
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Agora que o Ministério Público gaúcho promovia regularmente audiências públicas para colocar em prática a lei aprovada no ano passado pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, sancionada pelo Prefeito, prevendo o fim da circulação das carroças, o próprio MP ingressa com ação direta de inconstitucionalidade. As audiências reuniam, além de procuradores, representantes da Prefeitura, da EPTC – órgão responsável pelo trânsito, vereadores, entidades de proteção animal e interessados. Apenas na última sessão é que os carroceiros se fizeram presentes, com dois integrantes do MNCR – Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. E eis que, em meio às atividades que avançavam com definição de prazos e metas, formação de grupos de trabalho, envolvendo desde a qualificação profissional dos trabalhadores envolvidos e sua inclusão social até a normatização do trânsito já caótico, surge uma placa de ‘pare’.

Mas não é ‘pare’ para toda a problemática envolvida na questão. Ficam em segundo plano o trabalho infantil, os cavalos surrados e esqueléticos, os VTAs desrespeitando as normas mais elementares do trânsito – a mesma que dá multa/apreensão para o automóvel, como andar na contramão, ou deixar que alguém com 9 anos dirija. Isso é dia a dia, não é caso isolado.

Foto de um cavalo puxando uma carroça muito pesada

Segundo release do MP/RS, “a referida Lei contém vício de inconstitucionalidade, na medida em que ocorre um desrespeito à iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo, afrontado, assim, artigos da Constituição Estadual”. O projeto de lei ficou cerca de quatro anos tramitando no Legislativo – com muita polêmica e ampla cobertura da Imprensa, teve votação com forte esquema policial e ampla cobertura da Imprensa – há um ano, até outdoor foi colocado na época etc. Total de cinco anos, mais ou menos. Cinco anos.

Segundo o site do MNCR, “o Ministério Público Estadual entrou com uma Adin por que a lei não prevê o futuro dos trabalhadores afetados com a medida, além de também não poder ter partido da Câmara de Vereadores”. Na verdade a lei obriga a Prefeitura a apresentar projeto – o que estava começando a se desenhar, já que o prazo é oito anos – para a realocação dos catadores em modernos galpões de reciclagem. Só que inclusão social significa direitos e deveres. Quem antes colocava seus filhos a recolher lixo – já vi meninos e meninas de 4 ou 5 anos recolhendo papelão, vai sofrer um baque ao saber que essas crianças obrigatoriamente vão estar na creche ou na escola. Esposas fazendo curso de qualificação – sim, já há verba para isso – são novas cidadãs, emergindo de um ambiente de miséria social e humana, e nada melhor que a educação para fazer as pessoas perceberem o mundo a seu redor. E começarem a mudar as coisas.

Mas há quem queira deixar as coisas sempre iguais, escondidas sob uma aura de revolução – pois fica mais fácil comandar quem está embaixo, se o ‘tapete’ humano for social e economicamente frágil. Bastam algumas palavras de ordem, articulações, reuniões a portas fechadas – os universitários que gostam de brincar de ‘social’ se levam tão a sério… – e está feito um estrago para quem nasceu miserável. Tal como o cavalo, vai receber arreios e será conduzido para um lado, para o outro, carregando um grande peso nas costas.

Com a diferença de que o chicote, nesses casos, são discursos demagógicos que fazem alguns acreditarem nas nuvens de algodão. A maioria só está tentando não passar fome, ignora siglas anarquistas e vai agradecer, algum dia, aos que quiseram mudar sua situação para melhor.

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