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Filosofia antropocêntrica ou Filosofia pela Vida?

11 de maio de 2009
11 min. de leitura
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A própria filosofia que prega contra a opressão, dentro de seu antropocentrismo cego e tradicionalista, gera opressões ainda mais cruéis. Filósofos que pregam para que “se libertem os excluídos”, excluem o direito de viver de todos aqueles a quem, em teoria, defendem, pois a teia da vida é muito mais longa do que ele pode supor. Toda vez que se sentam para fazer um simples ritual como o de comer, iniciam um mecanismo de opressão que desfaz, literalmente, tudo aquilo pelo qual trabalharam e teorizaram. Esse antropocentrismo não os deixa visualizar que são eles também, os principais pilares que sustentam a opressão, quando se propõe a excluir uma classe que lhes é singular, em favor daquela que lhes é totalmente aprazível.
O Filósofo diz lutar contra uma opressão quando é aquele que, com suas palavras, argumentações e teorias, o que mais pode oprimir ao excluir “outros” de suas idéias, conseguindo abster-se da culpa somente porque, fechado em si mesmo, não consegue enxergar o que faz, infelizmente existem muitos filósofos ainda presos a Caverna platônica.
Para libertar a vítima, é necessário que primeiro o Filósofo se liberte, pois ele é, em si, vitima de sua própria opressão.
A Filosofia atual é uma causa da opressão porque se recusa a enxergar além de si mesma e de seu antropocentrismo, porque não consegue enxergar além dos seres humanos, porque idolatra antigos filósofos antropocêntricos e vaidosos e transmite essa mesma missão aos futuros professores de Filosofia, numa cadeia sem fim que oprime a própria Filosofia. Nós combatemos os professores de ciência que dessensibilizam seus alunos durante uma aula de vivissecção, combatemos os doutos em medicina porque fazem com que os futuros doutores matem animais alegando que isso, é em defesa da vida, e ignoramos que essa batalha acontece dentro de um curso que deveria privilegiar o “Pensamento” – Hegel se refere a liberdade de “pensar um pensamento”, no entanto continuamos, ano após ano, pensando o que outros seres humanos pensaram -. Aprendemos filosofia, porém muitos não aprendem a filosofar, a realmente, se libertar. A Filosofia que deveria se essa “Mãe que Liberta”,exclui e oprime os seres que lhe são singulares e, nesse círculo fechado em que vivemos, sabemos que qualquer ato contra o “Outro”1 se volta contra o interlocutor. E como podemos encarar esse “Outro”? Enrique Dussel coloca que o “Ser” precisa deixar de ser metafísico, fechado em si mesmo, que é preciso se relacionar com outros seres, trocar experiências, sua Filosofia de Libertação passa a ser refletida no “Outro” e a Ética se materializa na figura do ser ‘Oprimido”, da vítima, com isso existindo uma razão crítica libertadora. A questão é: Quem é esse “Outro”? Para a filosofia antropocêntrica esse “Outro” seria legitimamente os seres humanos, porém não são apenas eles os oprimidos da dor, há um outro “Outro”, muito mais oprimido e marginalizado:o animal não humano.
Toda Filosofia busca uma ética para melhorar o mundo; todas as filosofias falharam em determinadas épocas, em levar os homens a esse melhor, todas, senão a esmagadora maioria era antropocêntrica.
Dussel nos mostra uma filosofia que transporta o ser ontológico para o ser material, o Ser, esse Outro, através da concepção de alteridade2 faz com que eu também exista através do outro, da visão do outro, de forma que eu possa compreender o Mundo a partir da compreensão desse “Outro”. Esse “Outro” não pode mais ser deixado de lado, ser encoberto ou esquecido, não pode mais ser dominado, excluído ou subjugado por aqueles que se acham os “senhores” superiores. Ao trazer essa materialidade para o Ser, descobre-se então a vítima, o principal motivo da Ética dusseliana, pois a vítima se enquadra em qualquer povo, em qualquer continente, em qualquer ethos humano, e vamos adiante em nosso pensamento, essa vítima se enquadra no todo pertencente a Vida, animais humanos, animais não humanos e até mesmo nas plantas.
Mas a Filosofia ainda sim está repartida entre animais humanos e não humanos, porém uma leitura rápida e livre de qualquer antropocentrismo pode nos mostrar uma nova visão, que muitos filósofos ainda não perceberam:
” O oprimido, o torturado, o que vê ser destruída sua carne sofredora, todos eles simplesmente gritam clamando por justiça:
__ Tenho fome! Não me mates!Tem compaixão de mim!- é o que exclamam esses infelizes.
[…] Ele simplesmente grita. O grito -enquanto ruído, rugido, clamor, protopalavra ainda não articulada, interpretada de acordo com o seu sentido apenas por quem tem “ouvidos de ouvir”- indica simplesmente que alguém(um ser- grifo meu) está sofrendo e que do íntimo de sua dor nos lança um grito, um pranto, uma súplica.É a interpelação primitiva”3
Essa, a máxima da Filosofia da Libertação: A escuta do grito do oprimido.
Livres do antropocentrismo filosófico que cega a muitos, de quem seria, também, esse grito?
” O oprimido, o torturado, o que vê ser destruída sua carne sofredora, todos eles simplesmente gritam clamando por justiça:
O animal oprimido e torturado, o que vê ser destruída sua carne sofredora, todos eles simplesmente clamam, a seu modo, por justiça e por liberdade, pois seu desejo inerente é o de permanecer vivo, sem sofrer qualquer abuso, dor, exploração. No antropocentrismo o que ocorre é simplesmente a opressão do oprimido com outra vítima humana.
“Ele simplesmente grita.O grito – enquanto ruído, rugido, clamor, protopalavra ainda não articulada, interpretada de acordo com o seu sentido apenas por quem tem “ouvidos de ouvir”
É nós temos ouvidos de ouvir e olhos de ver, os animais demonstram claramente quando estão com medo, fogem, se debatem e gritam em desespero, como não enquadrar esses indivíduos no rol de vítimas oprimidas?
“indica simplesmente que alguém (um ser- grifo meu) está sofrendo e que do íntimo de sua dor nos lança um grito, um pranto, uma súplica. É a interpelação primitiva”
O pedido de socorro desses indivíduos que são marginalizados pela vaidade filosófica de fazer valer apenas a palavra humana, de achar que somos melhores, que somos o inicio, o meio, o fim, quando somos apenas vítimas de nós mesmos. Talvez o maior erro filosófico até hoje seja seu antropocentrismo exarcebado, sua visão de que apenas o indivíduo humano mereça os cuidados da ética e da moralidade, e vemos até hoje que a Filosofia se debate na questão ética, sem achar solução para os conflitos que se avolumam pelo Mundo, sejam as guerras ou a opressão dos indivíduos.
O certo é que, nenhuma ética vencerá esses impasses enquanto não levar em consideração a vida, como medida de todas as coisas, não importando a forma que ela tome diante de nossos olhos.
O certo hoje é que o Filosofo não vê que suas palavras, cheias de argumentos e razões libertárias esbarram no preconceito antropocêntrico delas mesmas ao afirmar que, libertando uma vítima humana, que também oprimi muitas das vezes, essa opressão irá cessar, como se não estivéssemos ligados a mais nada, a não ser a outros seres humanos. Somos fios de uma só teia e se um dos fios se parte, toda a teia corre o risco de desaparecer.
Enquanto não conseguirmos enxergar com clareza quem são realmente os “Outros” aos quais nos referimos nas teorias filosóficas, a quem devemos estender nossa alteridade, e quem são realmente as “vítimas”, todos seremos opressores e todos seremos oprimidos.Não é mais possível separar classes para lutar pela vida, pois a Natureza é única e é ela quem dita as regras, não os Filósofos. Se antes o homem era o “tudo”, hoje não precisamos filosofar para saber que a Vida é o principio primordial, a essência universal do que somos e do que seremos.
É impossível conceber que a morte solitária de um boi no abatedouro, o bife no prato do filósofo e a fome dos excluídos não tenha qualquer relação entre si. Mas ao defender algumas vítimas, pois o filosofo antropocêntrico não defende todas e sim somente as que elege, ele cria erroneamente essa separação, como se nossas vidas não estivessem ligadas a nada a não ser a outras vidas humanas, e é perfeitamente sabido que na teia da vida a humanidade é apenas mais um fio que forma o todo, que é formado por outros fios que não devem ser desconsiderados, criando a possibilidade da teia se enfraquecer ou pior, destruir-se com a mais leve brisa.Na teia da vida, cada fio tem sua função total e igualitária.
É preciso uma nova filosofia de Libertação Ética, mas de libertação da vida igual e totalitária, pois o oprimido que o filósofo defende também é opressor, e sendo assim, cria-se um circulo de opressão imperceptível a olhos totalmente antropocêntricos que, se não mudado, jamais terá um fim, e continuaremos incessantemente buscando por uma ética que impeça holocaustos, que impeça a fome, que impeça a dor e os tormentos, enquanto de olhos fechados, sentamo-nos sobre uma pilha de corpos mutilados, torturados e famintos que provocamos todos os dias porque não conseguimos enxergar nos animais, seres que merecem nossa consideração na teia da vida.
Como não ser oprimido se eu igualmente oprimo usando da força e de um direito que me outorguei tal qual aquele que me oprime? Nota-se aqui que o pensamento do opressor é sempre o mesmo, seja a vítima quem for e que forma tiver. O filósofo defende a vítima, mas dá força ao opressor para que continue agindo.
É mais do que necessário uma Filosofia de Libertação Animal, nós como animais necessitamos nos libertar desse antropocentrismo tradicionalista e destruidor, que acoberta os olhos dos filósofos e os leva ao precipício da vida que eles dizem defender. Quando se defende a vida, não se pode escolher ou eleger privilégios. A causa de todos os problemas da modernidade estão ancorados exatamente nesse pensamento antropocêntrico que insiste em permanecer. O homem não pode ser a medida de todas as coisas, isso é eleger privilégios, a Vida em si, deve ser a medida de todas as coisas, pois ela é reguladora, é meio termo, é imparcial, está em tudo e permeia tudo, ela é o motivo da liberdade e o fim da opressão. Enquanto a Vida não for tida como elemento primordial, não haverá qualquer ética capaz de moralizar o caráter humano.
Não são apenas os oprimidos humanos que clamam por justiça, mas se tirarmos de todos os seres, as formas4, veremos a todos apenas como Vida, e todas as vidas clamam por justiça, somente filósofos que ainda não pensam livremente é que possuem ouvidos surdos e olhos cegos para não compreender que a base do Mundo é a vida e não os seres humanos, esse não lutam pelo fim da “Dor”5. A importância de cada ser está na sua existência, em sua participação na teia da Vida, é preciso ao filósofo, libertador e ético, que reconheça que até então, apesar de tudo o que aprendeu e buscou, ainda se encontra preso ao poder da sociedade que o rege, vendo o que ela o obriga a ver, falando o que ela o obriga a dizer e nada mais.
Se fôssemos tão importantes como nos imaginamos, não estaríamos atravessando tantos problemas de ordem climática como estamos. Se chegamos a esse ponto do caos ecológico de um sistema que era perfeito, de uma teia que era perfeita, é porque nossa filosofia preocupou-se apenas com a vida de determinados indivíduos renegando outros a marginalidade. Somos os causadores desse desequilíbrio e somos responsáveis pela opressão e pelos oprimidos. Quando a teia se desfizer, levará com ela aqueles que ignoramos, tanto quanto aqueles que idolatramos e elegemos como nosso objeto de defesa, porque não conseguimos aceitar que a teia da vida era feita de cada ser composto de matéria e forma, de cada ação que a tornava mais firme. A decisão agora é simplesmente: aprender filosofia ou aprender a filosofar, e filosofar é amar, é desprender-se dos preconceitos arraigados no ser, somente assim poder-se-á criar uma ética capaz de evitar a opressão, de evitar as mortes e as injustiças, libertando-se a vítima, elimina-se para sempre o opressor, essa sim, a Filosofia da Vida.
Referências Bibliográficas
PANSARELLI, Prof. Mestre Daniel – Algumas questões filosóficas contemporâneas – Dussel , a Filosofia da Libertação e o Eurocentrismo- Palestra proferida em 11/10/2008 .
DUSSEL, Enrique – Filosofia da Libertação e Ética da Libertação
ARISTÓTELES – Os Pensadores- Abril Cultural

Notas
1 Na descoberta do “outro”, o ser filosófico, até então metafísico, deixa essa ontologia para se tornar material, passa a existir, a ter um rosto, ou seja se completa em si e em nós mesmos.
2 Quando passamos a compreender o outro ser, nos colocando no lugar dele, nos completando através dele, quando a sua visão, passa a ser a nossa, como se enxergássemos pelos olhos dele.
3 Livro- A filosofia dusseliana da libertação e sua ética.
4 Aristóteles dizia que dentre tudo o que éramos, em essência, em substância, éramos todos matéria e forma. Vamos filosofar, pois nos é permitido pensar livremente. Somos todos seres integrantes do Planeta, alguns moldados na Forma Humana outros na Forma Animal e somos todos matéria, ossos, sangue, pele, órgãos.E como dizia grande filósofo, só se pode separar forma e matéria no pensamento, então, se tirássemos a Forma de todos os seres e deixássemos somente a Matéria, coração, sangue, pele, veremos que a forma é algo irrelevante para separar quem deve viver e quem deve morrer.
5 Toda injustiça causa dor, independente do ser que venha a atingir.
Simone Nardi, escritora e estudante de filosofia, é autora do blog Consciência Humana, colunista do Site Espírita da Feal (Fundação Espírita André Luiz), e fundadora do Grupo de discussão espírita Clara Luz, que discute a alma dos animais e o respeito a eles. É editora da ANDA.

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