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Prêmio Espúrio

23 de abril de 2009
Paula Brügger
4 min. de leitura
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Causou profunda indignação, a todos que tiveram notícia, a outorga do Prêmio Fritz Müller, pela segunda vez, ao consórcio ENERCAN (Hidrelétrica de Campos Novos), integrado pelos grupos CPFL, Camargo Corrêa, Votorantim, Companhia Brasileira de Alumínio e CEEE, pela sua “exemplar conduta ambiental”. Segundo Sérgio Grando, presidente da FATMA [1], “o troféu é conferido às empresas e entidades públicas e privadas que se destacam por suas ações em defesa da natureza e da qualidade de vida dos catarinenses” (sic). O consórcio é formado, basicamente, pelos mesmos empreendedores da hidrelétrica de Barra Grande, cujo EIA-RIMA fraudulento foi motivo de uma batalha judicial que infelizmente não teve sucesso.

Enquanto destroem as últimas áreas expressivas de floresta de araucária e desalojam mais de 700 famílias, que ainda lutam por indenizações justas, tais empresas encobrem suas atividades predatórias sob ações que visam tão somente “maquiar de verde” a devastação que promovem, tais como criação de parques, plantio de mudas nativas, “asfalto ecológico”, educação ambiental (será educação ou adestramento?), resgate de animais e certificações como a ISO 14001, que não atestam responsabilidade ambiental alguma.

De todas as formas de “maquiagem verde”, talvez o resgate de animais seja a mais cínica, porém eficaz, pois toca direto no coração das pessoas. Foi notícia, por exemplo, o resgate de um filhote de mão-pelada (Procyon cancrivorus), com 40 centímetros de comprimento e pesando 700 gramas, cuja mãe foi atropelada (A NOTICIA, caderno Geral 18 nov. 2003). Esse pequeno órfão foi enviado a um zoológico onde deverá passar o resto de seus dias em cativeiro, provavelmente só, sem nunca desfrutar das experiências básicas que a natureza lhe ofereceria em seu habitat natural. Terão destino semelhante muitos animais debilitados ou feridos. Serão encaminhados a zoológicos ou “centros de pesquisa” nos quais estarão sujeitos a várias formas de abuso por parte de pseudocientistas que partilham, aliás, da mesma visão de mundo mecanicista e antropocêntrica que considera um avanço expedientes como ISOs 14000 e “asfaltos ecológicos”. Os animais em boas condições que serão soltos acabarão morrendo, em sua maioria. Os animais têm territórios definidos – não vivem errantes – e, ao serem novamente “soltos”, competem com outros por alimento etc. e acabam perecendo. Diversos deles – inclusive os considerados em extinção como o tamanduá-mirim e o gato-maracajá – serão vítimas dessa trama nefasta.

Mas o buraco é ainda mais embaixo. Em seu livro Exportando a nossa natureza – produtos intensivos em energia: implicações sociais e ambientais [2], Célio Bermann apresenta uma tabela que relaciona as usinas hidrelétricas que foram licitadas pela ANEEL e que tiveram empresas eletrointensivas como vencedoras. A tabela, que demonstra ser crescente a participação dos setores eletrointensivos  nos projetos de implantação de usinas hidrelétricas, exibe em 13 dos 32 casos listados (entre 1995 e 2002) pelo menos uma das empresas que integram o consórcio citado. As empresas CPFL, Camargo Corrêa e Votorantim são exemplos constantes na lista de empreendedores desse setor responsável por 27% do consumo final de energia elétrica no Brasil. A produção industrial brasileira está se inserindo no processo de globalização repetindo a velha fórmula (também presente no agronegócio) de exportador de produtos com baixo valor agregado e elevado impacto ambiental. Portanto, olhando a questão sob um ponto de vista mais sistêmico – na “espessura” do tempo e do espaço – a concessão do Prêmio torna-se ainda mais revoltante. Não se trata mais apenas da destruição provocada pela hidrelétrica em si, mas de premiar “vampiros energéticos” – e aqui incluo outros recursos naturais – pois os ciclos de matéria e fluxos de energia são inseparáveis. Energia para quê e para quem?  Eis a questão que não quer calar.

Quanto ao naturalista alemão cujo nome também foi escolhido para batizar o novo prédio do  Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina – Fritz Müller – imagino que ele esteja se “revirando no túmulo”. Ninguém poderia culpá-lo por isso. Premiar tais empresas por “preservar o meio ambiente” é tão absurdo quanto supor que ambientalistas vegetarianos possam premiar o Sr. Duda Mendonça [3] por salvar da panela e da extinção as centenas de galos que ele condenou à morte em rinhas sangrentas.

Notas
[1] Fundação do Meio Ambiente (SC). A ENERCAN foi premiada pela terceira vez com oTroféu Fritz Müller em 2007.
[2] BERMANN, Célio. Exportando a Nossa Natureza – Produtos intensivos em energia: implicações sociais e ambientais. Cadernos sobre Comércio e Meio Ambiente (1). Projeto Brasil Sustentável e Democrático. Rio de Janeiro: FASE, 2004.
[3] Veja na Folha Online de 21/10/2004, a matéria “PF prende Duda Mendonça em ´briga de galo´ no Rio” (www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u100960.shtml)

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