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Cavalos: vida e morte repletas de sofrimentos (parte IV – Final: Esperança?)

18 de dezembro de 2008
Paula Brügger
4 min. de leitura
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Lagoa da Conceição, Floripa. Entro por uma ruazinha estreita que termina no pé de um morro e vejo um potrinho castanho-escuro deitado no chão, ao lado de sua mãe que pastava tranqüilamente. Ao vê-lo deitado, logo pensei: será que está bem? Pouco depois soube que o potrinho nascera naquela madrugada e talvez, por isso, ainda estivesse descansando. Voltei mais tarde, com algumas cenouras de presente, e encontrei o potrinho já de pé. Mãe e bebê passavam muito bem. Meu coração se encheu de alegria.

Forte como um cavalo

Livre do risco da febre aftosa e do mal da vaca louca, a carne magra de cavalo vem adquirindo grande importância econômica recentemente, em vários lugares do mundo. Além disso, para proveito dos humanos, um sem-número de atividades esportivas, turísticas e outras formas abjetas de exploração movimentam negócios lucrativos ao custo do sofrimento desses fortes e dóceis animais. Mesmo as práticas ditas nobres, como a equoterapia, reduzem muitas vezes o animal cavalo – uma das sete espécies do gênero Equus – a uma condição de objeto ou recurso. Não é demais, portanto, questionar aos que exibem em seus automóveis adesivos como “I love horses” (Eu amo cavalos) se o que eles amam, de fato, são os animais, ou o que eles podem lhes proporcionar.

Domesticação

Cavalo: Ma – sétimo signo do horóscopo chinês. Descendentes de uma linhagem que remonta há 60 milhões de anos, o cavalo moderno surgiu há cerca de um milhão de anos, durante o Pleistoceno. Desde então, os cavalos vagaram em liberdade pelas pradarias e florestas do planeta até serem domesticados, ou seja, subjugados pela espécie humana, há cerca de 5.000 anos. Portanto, ao contrário do que se diz – “que os cavalos sempre nos serviram (sic)” – durante a maior parte do tempo evolutivo dessa espécie no planeta, eles (e todos os outros animais) não foram nossos escravos. Com que direito os exploramos, os confinamos em espaços exíguos, os privamos da liberdade, ou tiramos suas vidas? Não seria mais do que hora de libertá-los?

“Cavalos solares” e outras esperanças de libertação

Nos EUA há uma luta para banir definitivamente os matadouros de cavalos. Uma vitória parcial ocorreu em 2006, ainda que de forma temporária. Embora haja quem argumente, com razão, que apesar disso é possível que a matança prossiga – e talvez de forma mais cruel, por ser clandestina – reconhecer a crueldade subjacente a tal prática é uma boa notícia. Assim como a abolição da escravatura não acabou totalmente com o trabalho escravo, mas mostrou que escravizar um ser humano era algo execrável, penso que a proibição de assassinar esses animais seja também uma forma de repudiar publicamente as vilezas ocultas sob o véu de uma prática aceita sem questionamentos. Em termos de Brasil, por enquanto, a boa nova é a lei 12.831, de autoria do vereador Feliciano N. Filho, sancionada em 11/01/2007, que proíbe a circulação de veículos de tração animal nas vias públicas de Campinas (SP). Em Porto Alegre (RS) também existe o PL 043/05, de autoria do vereador Sebastião Melo, cuja proposta é promover o fim gradativo da presença das carroças no centro da cidade em oito anos e a instalação, em projeto piloto, de contêineres para a coleta seletiva do lixo. Tais leis são muito importantes, pois, além de se preocuparem com o bem-estar dos animais, prevêem medidas – como a formação de cooperativas etc. – que ajudam a resolver problemas sociais de pessoas cuja renda familiar depende de tais atividades.

As leis também visam reduzir os acidentes de trânsito provocados por tais veículos, muitas vezes conduzidos por menores de idade. E o que seriam os cavalos solares? Um antigo sonho que acalento. Temos hoje tecnologia suficiente para prescindir de veículos movidos à tração animal. E mais, conhecimento suficiente para que veículos movidos a energia solar ou biodiesel tomem o lugar daqueles movidos a tração humana ou animal. Aqui mesmo, na Universidade Federal de Santa Catarina, há protótipos de veículos solares – elegantes e silenciosos – que convivem com as velhas e poluentes “tobatas” (microtratores) movidas a energia fóssil. Imaginem a cidade com tais veículos circulando, integrados num amplo projeto de educação e gestão de resíduos…

Meses depois… Lagoa da Conceição. Vejo o dono do potrinho nascido em janeiro e pergunto por ele e sua mãe. Ele me diz que o potrinho já havia sido vendido. Não tive coragem de perguntar para quem, ou com que propósito. É insuportável pensar que aquele potrinho que tanto amei, mesmo que apenas por algumas horas, venha a ter o mesmo destino de um outro, da mesma cor, cujas patas sangravam num matadouro imundo.

Há algum tempo, esteve em cartaz um filme ridículo (Jogos Mortais – Saw) no qual um dos personagens serra o próprio pé para se libertar da fúria de um assassino. Com que propósito se produz esse tipo de lixo? Terão tais filmes a função de obnubilar nossas mentes com uma ficção estúpida para que não vejamos a realidade cruel? Ao nos embriagarmos na trama de tais violências gratuitas, que não levam a nada, nos transformamos em covardes e abandonamos os verdadeiros desafios e lutas legítimas que deveriam fazer parte de nossas vidas pela construção de um mundo melhor.

“Cavalos solares”, fim dos matadouros, libertação animal. Estes sim são desafios que merecem nosso investimento e que poderão preencher, de fato, nossa fome por emoção.

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