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Aplausos

6 de dezembro de 2008
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Ver uma versão retardada de si mesmo, incapaz de argumentar com quem lhe aprisiona e lhe força a trabalhar dia após dia. Pagar para assistir aos momentos de liberdade adestrada de um animal que passa a vida inteira preso em uma apertada e mal-cheirosa jaula, só saindo para cumprir os trajetos e trejeitos obrigatórios dentro de uma arena cercada. Levar os filhos para terem, talvez, seu primeiro contato com um animal antes só visto na televisão – mas um contato viciado, que começa com o ‘astro’ sendo arrancado da África ou Ásia, pois faz parte do jogo que o animal seja exótico. Perpetuar, ainda hoje, o comportamento dos ‘buanas’, ou dos europeus medievais ávidos por encher os olhos com as anomalias, bizarrices, excentricidades e mistérios vindos dos novos mundos que se descobriam, fora dos vilarejos e além dos horizontes demarcados por séculos de amedrontamento religioso. E os descendentes dos descendentes desse astro continuam a encenar o show de suas vidas. Isso se o estresse não tiver colaborado com o fim do tormento hereditário, inviabilizando a gestação das fêmeas circenses. Nesse caso, novas vagas se abrem no mercado de trabalho, voltadas para estrangeiros.
Esse é o circo.

Um lugar “onde se permite a cavalos, pôneis e elefantes assistirem a homens, mulheres e crianças fazendo papel de idiotas”, definiu Ambrose Bierce em seu O Dicionário do Diabo. Em cada entrada em cena, um pouco do Coliseu romano, sorrindo após ser enterrado pela História, junto com suas centenas de milhares de animais abatidos durante os jogos. Quanta glória. Em cada entrada paga para ver o circo, um subsídio para manter tudo como está. Em cada palma batida pelo respeitável público, a continuidade e aprovação do sistema que, mais uma vez, escraviza os animais não-humanos.

O mais perverso é vender a idéia de que quem gosta de animais vai vê-los no circo. Que o brilho no olhar das crianças vai diminuir porque os animais serão proibidos de estar lá. Que o adestramento não é violento, que eles se divertem ao correr e pular nos círculos de fogos e dançar usando chapeuzinhos. Por trás disso, a vontade do homem de subjugar aquele que é possível ser subjugado. Que a escravidão pode ser dissimulada e vista de forma benéfica, mediante pagamento de ingresso.

Na Idade Média, macacos africanos supostamente tocavam instrumentos musicais, para diversão do populacho europeu. “É questionável se conseguiam realmente tocar uma música, porém o simples bater nos instrumentos e criar algum tipo de som era suficiente para demonstrar não só que queriam imitar seres humanos, como também que fracassavam na sua empreitada”, comenta Desmond Morris em O Contrato Animal. Mais do que ouvir a melodia, era aplaudir a derrota.

Como estão nossos ouvidos, hoje?

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