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Burro abandonado se recupera no Algarve e já 'percebe' inglês

26 de dezembro de 2008
3 min. de leitura
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Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA
Algarve. ‘Branquinha’ poderá ser adotado por quem se mostrar sensível a animais. Tem 30 anos e foi salvo por um britânico:  É este o breve perfil do Branquinha, a nova coqueluche da quinta da associação Refúgio dos Burros, localizada no sítio de S. João, em Estômbar (Lagoa), onde se encontra há cerca de um mês, após ter sido abandonado pelo dono, pastor na Serra da Estrela, por já não precisar dele para o trabalho na agricultura.
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Já estamos a gravar? Certo. Testando: a dizer: um, dois, três… testando.
Contam a línguas soltas que sou um burro. Mas “burro” não sou. Meu nome é “Branquinha”, tenho já meus 30 anos, cheguei a 150 quilos e meu pêlo é alvo, a imaginar-se pelo nome que ganhei. Sou dócil e tenho apetite de leão.
Quando fui resgatado pelo meu amigo inglês, Sir Peter Lander, é bem verdade que estava magro, desvalido. Por aqueles dias pensava que fosse morrer. Depois de tantos anos servindo meu antigo dono, trabalhando pesado nos campos que eu o ajudei a cultivar, vi-me só. Ele não me queria mais. Talvez tenha pensado que eu não daria conta do serviço por avançar nos anos ou impacientou-se. Sempre fui amigo de uma boa mesa e se nem relógio trabalha de graça, quanto mais um burro que não é nada “burro”. Sem ração, sem tração. Ou ele alimentava-me com fartura ou eu empacava mesmo. Só não imaginei que meu dono teria coragem de fechar-me por trás das cercas. Ali fiquei e depois dali sai. Andei boas léguas e queimei o que havia para queimar, até que me bateu a fraqueza. Nada havia para comer. Água só se chovesse. Seria meu fim, afinal. Mas Sir Peter apareceu como que caído do céu. Anjo não era pois não lhe vi asas. Mas que homem santo! Falou algo que não entendi. Falou de novo. De novo não entendi.
Mas sua expressão era uma ternura só, seu cheiro era bom e eu arrisquei, o segui. Vim dar com outros burros e não foi em nenhuma água. Meu novo lar se chama, perceba-se a ironia, “Refúgio dos Burros”. Ora se não estou em casa?
Hoje até sei traduzir o que Sir Peter dizia e gosta de repetir: “Come here”. E eu como mesmo. Entendo direitinho que é para comer aqui e de nada faço-me de rogado. Comer, aqui ou ali ou acolá, é com este ser de quatro patas que agora está a gravar este depoimento. São cenouras, palha e alfarrobeiras. Hum… só de falar ronca-me a barriga!
Aqui no “Refúgio” não há solidão. Somos em 14 burros, 95 cães, 50 gatos, 2 mulas e 1 cavalo. Notem que a maioria é canina. E ainda assim, como se chama o refúgio? Poderia ser dos cães, sem dúvida. Mas, como já afirmei, de “burro” nada temos e dominamos a cena. Agora espero, quem sabe, por um novo dono que deseje adotar-me. Mas Sir Peter é categórico: “– Só o dou a boas pessoas, que se revelem sensíveis e com condições para tratar dele. Caso contrário, ficará nesta quinta enquanto viver”.  Nada tenho de ansiedade por um novo lar. Estou em casa. Como bem, passeio melhor ainda e descanso dos trabalhos duros que enfrentei na agricultura. Se um novo dono chegar ou não chegar, eu não ligo. Cá se vai vivendo com a cabeça entre as orelhas. Pois sim. Fim do depoimento. Esta gravação deu-me é fome e Sir Peter já acena-me com cenouras nas mãos: “Come here”. Lá vou eu, Sir Peter, como sim… não precisa pedir duas vezes!
Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.

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