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Tudo, menos os frutos da terra

6 de setembro de 2016
4 min. de leitura
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Palavra enviada aos pais dos estudantes

Neste ano tive algumas oportunidades de falar para estudantes e educadores, de diferentes realidades, seja por ser este o Ano Internacional das Leguminosas (FAO-ONU); Década da Ação pela Nutrição (ONU), em razão do ensaio que publiquei sobre a encíclica do Papa Francisco, Laudato Sí’; ou quando a temática era a crise ambiental. Todos os assuntos estão relacionados e, em todas as ocasiões, o aspecto alimentar foi abordado sob diversas perspectivas de hábitos e costumes, econômica, nutricional, política, ética ou da saúde.
Durante as perguntas ou no final, quando fica aquela rodinha de interessados, eram recorrentes as afirmações ou pedidos: “você deveria falar tudo isso para os pais”; “lá em casa é difícil mudar!”, “Minha mãe diz que não tem tempo”; “é difícil”; “é caro” ou, “minha família tem o hábito tal”; “Já tentei mudar, mas não tenho apoio”. Ouvindo tudo isso, convenci-me de que era preciso compartilhar algumas inquietações.
Vamos iniciar com os dados de duas pesquisas recentes. A primeira, um grande estudo publicado em julho, conhecido como ERICA (Estudo dos Riscos Cardiovasculares em Adolescentes), proposto pelo Ministério da Saúde com apoio de pesquisadores da UFRJ.
Avaliaram cerca de 75.000 adolescentes em 1.248 escolas de 121 municípios. Chamou a atenção a ingestão elevada de bebidas açucaradas (56%) e alimentos ultraprocessados (leia-se: hambúrguer, presunto, linguiça, salgadinho de pacote, biscoitos etc.). Com isto temos o consumo excessivo de ácidos graxos saturados, açúcar livre e sódio. Mais de 80% consomem sódio acima do limite máximo recomendado. A notícia boa é que o arroz com feijão ainda está nos pratos de mais de 60% dos jovens. Contudo, atenção! Há uma diminuição no consumo dos grãos.
A segunda, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE), realizada pelo IBGE e publicado no dia 26 de agosto de 2016, detalha o comportamento de adolescentes entre 13 e 17 anos, no que se refere a bullying, família, matar aula, preocupação com aparência, consumo de álcool, uso de drogas e iniciação sexual. Vale a pena ler uma síntese da pesquisa que abrangeu 16.608 estudantes da rede pública e privada. Mais uma vez a constatação que 3,1 milhões deles estão obesos ou acima do peso. O que eles comem? Mais doces que legumes, mais alimentos ultraprocessados (os mesmos já citados) do que frutas. Precisamos pensar também o que significa o dado de que seis em cada dez estudantes mineiros entre 13 e 15 anos já ingeriram bebidas alcoólicas.
O que as pesquisas estão detectando é fácil de ler: as crianças e jovens estão se alimentando muito mal! Recado para nós: precisamos cuidar melhor disso! Eles não nasceram gostando ou rejeitando isto ou aquilo, mas aprenderam a gostar disto e não daquilo. Cresceram nos observando e copiaram nossos hábitos alimentares. Nós, os adultos, é que compramos, preparamos e oferecemos aquilo que fará parte da cultura alimentar da família.
Então, temos a responsabilidade de fazer algo por eles.
Gosto do significado da palavra dieta, derivada do grego díaita, aponta para “modo de viver”, não apenas “comer”. Aquilo que ingerimos tem impacto em nossa vitalidade, saúde e disposição. Para além disso, no plano macro, legitimamos e fortalecemos negócios e movimentamos determinados setores da economia, daí isso ser, também, um ato político. Ele fala de nós. Na ausência de um olhar mais aprofundado, o indivíduo ainda sustenta a falsa ideia de que para “encher a barriga” basta pouco e não precisa de qualidade. Nutrir é algo bem mais complexo. Implica cuidado na escolha daquilo que iremos colocar na sacola do supermercado, tempo envolvido no preparo, até o momento em que o alimento chega ao prato e, por fim, como se faz essa refeição. Fazemos escolhas e muitas delas têm priorizado a praticidade e não a qualidade nutricional.
Tudo aquilo que é muito gostoso tem gordura, açúcar e sal. A indústria alimentícia sabe disso e, no limite, não terá escrúpulos em explorar. O desejável e tudo aquilo de que necessitamos para ter saúde está perto de nós: os grãos, os cereais, as frutas, oleaginosas, verduras e os legumes. Aqui há um universo de cores, texturas e sabores que podem se transformar em receitas deliciosas e atraentes. Não há o glamour da propaganda, mas o trabalho artesanal das mãos zelosas e comprometidas dos adultos.
Na música de Beto Guedes “Pela claridade de nossa casa”, ele diz “vem procurar um lugar onde a gente, para se alimentar, bastaria a terra”. Tão distante estamos dessa poesia! Em nossos pratos, tudo, menos os frutos da terra. O pedido dos estudantes, na rodinha final, eu entendi. Eles querem e se convenceram de que é preciso mudar, mas precisam do imprescindível apoio dos pais.

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