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O caminho sem volta

23 de janeiro de 2016
4 min. de leitura
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Neste ano completo onze anos de caminhada na estrada que me conduziu ao veganismo. Digo caminhada, pois não foi uma decisão da noite para o dia. Não sei ao certo, mas foram, aproximadamente, três anos desde o primeiro contato com aquilo que nunca me interessei ver, ouvir ou saber, passando pelo autoconhecimento e inúmeros confrontos com as minhas próprias incoerências. Digo que não é uma experiência de características padronizadas, tamanho único, ou um rompante juvenil que se vive na euforia de uma turma. Ao contrário, ela é sempre no singular, ímpar, pois é uma experiência existencial.
Aprendi a cozinhar muito cedo, pois, em casa, todos tinham que ajudar. Minha casa de infância tinha alguns porcos, muitos coelhos e galinhas. Ainda assim, carne era artigo raro na mesa. Essa era a vida. Já adulta, além de limpar e temperar carnes, fazia pães de queijo, batia nata para fazer manteiga e assava biscoitos. Foi sempre assim. Uma rotina comum que, se assim foi, assim não continuou a ser!
Fazendo uma retrospectiva desse período, tentei identificar de onde partiu, então, a iniciativa ou a força mobilizadora capaz de vencer a inércia e trocar um costume familiar tão arraigado, com sua memória gustativa e afetiva.
O primeiro passo, a fisgada inicial, foi dada pela compaixão. A repulsa foi imediata ao tomar contato com os procedimentos envolvendo desde o parto de um animal, sua breve vida, até chegar ao abatedouro. Entretanto, longe dos olhos, longe do coração! Quando se toma essa decisão, é preciso algo mais que dê sustentação a ela ao longo dos dias e anos. Essa foi e é dada, sem dúvida, pelo conhecimento. É preciso ler, estudar, ver e ouvir sobre os bastidores da indústria da carne, dos ovos, do leite, do entretenimento, do couro etc., isso sem falar dos impactos ambientais. Quanto mais se conhece, mais força se tem em prosseguir nos propósitos.
Não se trata de deixar algo para trás com sofrimento ou sentimento de perda, ao contrário, prepondera o sentimento de lucidez e liberdade, provenientes da capacidade de decidir como “quero” fazer parte desta história. Trata-se de chamar para si a responsabilidade de não autorizar ninguém (empresa, cultura, família, costume etc.) a abater, escravizar ou explorar qualquer animal. Aquilo que você come passa pelo seu controle consciente e intencional.
Se devemos ser a mudança que queremos no mundo, conforme anuncia Gandhi, digo que no meu mundo, ou a minha existência neste planeta, não dependerá do sofrimento, dor e morte dos animais não humanos. Esse é o núcleo que sustenta toda a mudança. Alguns me dizem que a vida é curta e que precisamos aproveitar. Exatamente por ser a vida curta é que temos pouco tempo para deixar nossa marca.
A saúde e o bem-estar físico é uma consequência, e não o motor principal. Quem inicia esse caminho tem muito o que retirar de seu prato, guarda-roupa, e, por um bom tempo, fica sem saber o que colocar no lugar. O período de adaptação e transição passa rápido. Hoje há inúmeros sites, revistas, blogs, páginas e perfis em redes sociais com depoimentos, receitas etc. É possível resistir às inúmeras “profecias apocalípticas” de familiares e amigos: “Olhe! Você precisa comer por causa das proteínas, do cálcio, do ferro etc., caso contrário, vai acontecer isso e aquilo”. Acalme-se! Afirmo-lhe seguramente que, nesse longo período, meu organismo respondeu muito bem e agradeceu com saúde e disposição. Claro que é preciso cuidar da B12 (ingestão de alimentos enriquecidos ou em cápsulas); buscar informações sobre os nutrientes e fazer exames periódicos. Isso vale para qualquer um, independentemente de ser vegano.
O mais bonito é que descobri o gosto, as cores e a textura dos grãos, das verduras, dos legumes, das frutas, das sementes e o meu cardápio se expandiu. Alguns dizem que a dieta vegana é restrita, ao contrário, é ampliada! Descobri as combinações mais adequadas, o prazer de testar e inventar receitas, além de ler os ingredientes dos produtos industrializados. Ganhei em leveza, (não me refiro ao peso corporal, apesar de ser uma consequência), mas de espírito, uma convicção profunda de estar fazendo aquilo que o pulso desse tempo chamado século XXI requer. Contudo, se tem algo de que não me ocupo é patrulhar o prato do vizinho. Aprendi, nesse longo período, que é mais producente reforçar aquilo que atrai e une e, assim, chegar ao coração das pessoas. Lembro do Tatu Bolinha! Adorava encostar o dedo para vê-lo virar bolinha! Não agimos assim tantas vezes? Quantas portas fechamos e dificultamos a própria caminhada.
As demais conexões foram sendo restabelecidas e um novo desenho repleto de relações se descortinou para mim. A natureza ganhou outro status. O Homo sapiens sapiens foi reposicionado; e eu, felizmente, percebi a minha insignificância. Aceitei deixar o trono, para tornar-me partícipe de uma teia de relações interdependentes: pessoas, planeta e animais.
Recoloquei-me como alguém que divide com outros seres humanos e não humanos o mesmo planeta e que devo portar-me como guardiã e cuidadora, e nunca como predadora. Sou parte de várias relações, não mais e nem menos importante que os demais. Mudar de rota é possível e é bem mais fácil do que você pode imaginar. É preciso dar um único e primeiro passo. Boa caminhada! Aviso: não há volta!

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