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Exploração e ilusão: as semelhanças entre o lulismo e o bem-estarismo

31 de março de 2014
6 min. de leitura
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O modelo lulista de governo iludiu – e continua iludindo, sob a figura de Dilma Rousseff –milhões de brasileiros, dando-lhes a impressão de que mudaram de vida quando na verdade tudo o que ganharam foi o “direito” de escorar sua vida nos prazeres do consumo sem que tivessem ganhado a oportunidade de se tornarem agentes de uma verdadeira mudança sociopolítica. Pode ser comparado com facilidade ao bem-estarismo, movimento que defende a continuidade da exploração animal condicionada a reformas na pecuária e na pesca que “garantam o bem-estar dos animais”.

Isso porque ambas as ideologias possuem em comum muitos detalhes e princípios, que levam a uma aparente melhoria nas condições de vida dos “beneficiados” mas os mantêm servos de um sistema essencialmente baseado em desigualdade social, alienação política e exploração. Enganam a opinião pública com a aparência de que a situação de miséria deles está sendo combatida, enquanto conservam o status quo de injustiça social e política, perpetuam o controle e a docilidade dos explorados e garantem a continuação ad aeternum do poder e dos ganhos dos exploradores.

Lulismo e bem-estarismo estão juntos, em primeiro lugar, quando tomam como premissa que o sistema dominante de exploração é legítimo e certo e as categorias dominantes têm o direito natural de explorar os dominados. Baseiam-se numa pirâmide hierárquica social e moral, na qual os dominadores são poucos e estão no topo, enquanto suas vítimas, de acordo com sua espécie e classe social, são cada vez mais numerosas e compõem uma gigantesca base.

Essa pirâmide, de baixo para cima, abarca em sequência os animais de rebanhos escravizados pela pecuária e pela pesca, os animais domesticados mantidos em gaiolas (pássaros, hamsters, porquinhos-da-índia etc.), os animais carismáticos (cães, gatos e animais silvestres considerados bonitos), os seres humanos trabalhadores pobres, a classe média, a média-alta e finalmente os grandes empresários e latifundiários.

Os dois também se igualam quando mascaram, por via da propaganda, as mazelas do sistema que defendem, passando a impressão de que ele é “bom” e trata “bem” seus subordinados. O lulismo divulga a imagem de um capitalismo bonzinho, domesticado e “promotor da justiça social”, que promete aos mais pobres a conquista, por meio do esforço meritório, das maravilhosas condições materiais de vida dos mais ricos e, através do Estado, dá uma ajuda aos mais necessitados como a mão que os puxa para cima e lhes dá condições de participar do promissor mercado de trabalho e “subir na vida”.

Ao mesmo tempo, o bem-estarismo propagandeia que a produção de matérias-primas de origem animal pode se tornar “civilizada” quando adota procedimentos que “respeitam o bem-estar animal”. Aos produtores, promete o aumento dos lucros com uma exploração animal mais “humanitária”, com condições ambientais mais confortáveis e que não causam o sofrimento constante dos sistemas tradicionais de exploração.

E aos consumidores, divulga como é “maravilhoso” e “limpa a consciência” comer alimentos dessa origem, cuja qualidade se torna superior com a ausência de fatores interferentes como a violência física óbvia – que degrada a qualidade da carne, do leite e dos ovos que se consome. Une o “útil” ao “agradável”, prometendo “melhorar” as coisas para produtores, consumidores e vítimas.

Outro ponto em comum entre as duas políticas é a aliança entre os agentes políticos (Estado e entidades bem-estaristas de “defesa animal”) e os exploradores. O lulismo, em nome da “governabilidade” e da manutenção da “paz (ordem) social”, sela acordos com setores conservadores interessados na perpetuação das injustiças – clérigos religiosos fundamentalistas, latifundiários, grandes empresários, donos de empreiteiras etc. Tem o pretexto de conciliar as demandas dos trabalhadores e dos empresários. Com tais alianças, o poder político-econômico deles permanece intacto, a educação é mantida precária e de conteúdo ideologicamente conservador e o povo é mantido dócil, distraído e dissuadido da mobilização política com os empregos gerados e o poder de consumo incrementado.

Já o bem-estarismo sela pactos com pecuaristas, em especial donos de fazendas industriais, de modo que todos – produtores, consumidores e animais não humanos – saiam “ganhando”. Com isso, os consumidores, que na comparação dessa ideologia com o lulismo equivalem em alienação aos trabalhadores, acreditam que estão finalmente consumindo alimentos “éticos” e com isso não precisariam mais protestar contra a exploração animal – ou melhor, contra as crueldades gratuitas na pecuária – e cogitar o vegetarianismo como forma de se opor a ela.

E ao mesmo tempo, os que lucram com a exploração animal saem ganhando muito, tanto com o aumento das receitas como com o silenciamento dos consumidores revoltados com as agora erradicadas violências explícitas. Isso enquanto os animais não humanos permanecem sendo tratados como objetos, mutilados, mantidos confinados nas cercas das propriedades – ainda que não mais em gaiolas e baias pequenas – e mortos sem qualquer direito à vida, à integridade física e à liberdade.

Como consequência das reformas cosméticas das condições de vida dos explorados, os agentes políticos populares – trabalhadores e consumidores de alimentos de origem animal – acabam sendo domados, tendo sua demanda por mudanças estruturais resfriada. Sua sede por revolução na ordem vigente é satisfeita com reformas que lhes passam a ilusão de que as coisas estão mudando para melhor e os explorados finalmente ganharam a consideração ética do Estado e dos exploradores.

O desejo de um povo livre da exploração capitalista com suas crueldades e da abolição da violência contra animais é apaziguado e o status quo não sofre alterações realmente fundamentais. No final das contas, os animais não humanos e os trabalhadores continuam sendo explorados, dessa vez com algum conforto cedido a eles e sem mais a indignação de serem servos de um sistema injusto.

A população se contenta com a leve ascensão social, a melhoria do poder aquisitivo e as ilusões de que não é mais pobre, está agora na classe média e agora tem acesso ao sonho da riqueza pelo mérito. Os consumidores de alimentos de origem animal se contentam com a carne, leite, ovos e mel “felizes” e ficam com a também ilusória crença de que os animais finalmente estão sendo “respeitados” e não é mais preciso protestar contra uma crueldade que supostamente deixou de existir.

E a desigualdade social e moral continua intocada, com um leve ajuste no índice Gini, uma alteração menos que discreta na hierarquia moral classista e especista e a ilusão de que a sociedade “está mudando para melhor” com “justiça social” e “respeito aos animais”.

O lulismo e o bem-estarismo são, ao invés de provedores de uma vida digna aos explorados, instrumentos políticos dos exploradores – e também de trabalhadores elitizados que foram cooptados por eles, como o ex-presidente Lula, líder histórico da política que leva seu nome – para se manterem no poder e esfriarem o espírito revolucionário. Mas com a expansão das lutas dos abolicionismos social e animal, não terão mais vez e não conseguirão mais enganar a sociedade com falsas promessas de bem-viver sem mudar a ordem vigente.

Fica então a lição para que a sociedade não se deixe enganar por políticas pactuais de conciliação e reforma cosmética do estado de coisas. Apenas mudanças radicais, muitas vezes revolucionárias, têm o poder de realmente acabar com a exploração dos politicamente vulneráveis (trabalhadores, animais não humanos, minorias humanas etc.), e isso vai se conseguir unificando-se as lutas dos diversos abolicionismos contemporâneos pela libertação dos animais humanos e não humanos.

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