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Eleições 2018 e Agronegócio: a coerência da barbárie

15 de agosto de 2018
4 min. de leitura
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Parece estar fechada a época de acordos e negociatas para a formação das chapas para as eleições presidenciais deste ano. Finalmente, o jogo parece ter seus jogadores definidos.
Quero atentar-me para três jogadores. Ou melhor, para três vice-jogadores. Não aleatoriamente, três presidenciáveis dos que estão entre os mais bem cotados nas pesquisas de intenção de votos escolheram como vice alguém diretamente ligado ao agronegócio.
Geraldo Alckmin (PSDB) escolheu a senadora Ana Amélia (PP), integrante da bancada ruralista que tem uma longa trajetória de defesa do agronegócio, incluindo-se aí, obviamente, a pecuária.
Ciro Gomes (PDT) escolheu Kátia Abreu (ex-MDB, atual PDT), famosa pecuarista. Kátia iniciou sua vida de criadora de gado quando seu marido, dono de fazendas, faleceu. Ela, então com vinte e poucos anos, resolveu continuar a tocar as fazendas e tornou-se figura importante na pecuária nacional. Foi presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária e ministra da agricultura, pecuária e abastecimento do governo Dilma Rousseff. Sua imagem com os pecuaristas só anda queimada por ter se oposto ao seu então partido (MDB) e se colocado contra o impeachment da antiga “chefa”, pelo que foi expulsa do partido. Seu nome aparece em delações da Odebrecht como tendo recebido R$ 500.000,00 para sua campanha ao senado em 2014, sem ter sido indiciada.
Álvaro Dias (Podemos) escolheu Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDS – leia-se, forma do Estado sustentar mega-empresários da iniciativa privada com dinheiro público -, onde trabalhou pelo desenvolvimento do agronegócio no país, possuindo relações próximas com o setor.
Este aceno claro ao agronegócio, especialmente à pecuária, não é em vão. O Brasil é o maior exportador de carne do mundo. A cadeia de “produção” de carne gera R$ 170 bilhões de Reais por ano. Não é nenhuma novidade o poder que, por conta de sua preponderância econômica, a bancada ruralista conquistou em Brasília. Este aceno, portanto, é tanto ao mercado quanto ao poder legislativo.
Até quando nossas organizações políticas se pautarão primordialmente em interesses econômicos (especialmente de uma pequena parcela da população)? A própria ideia do que seja política está tão apodrecida em nossa sociedade que nem pode mais ser chamada de política. A política deveria ser a preocupação com aquilo que é coletivo, com os limites, com as normas que regem a possibilidade da existência de todos os participantes do jogo social, ou seja, a coexistência. Assim sendo, política e economia não são sinônimas.
Não pense que meus argumentos são uma apologia socialista. Não são. A troca de produção no mercado não é, necessariamente, algo perverso. O casamento espúrio entre Estado e mercado, gerando monstros produtivos, sim, o é. E, para além disto, por mais liberdade que se possa defender aos indivíduos e suas trocas (mercado), certos padrões de moralidade nunca deveriam ser ultrapassados. Por exemplo, se eu quiser oferecer meus serviços como assassino de aluguel, por mais que se defenda a liberdade de troca, devo ser proibido ou punido. Da mesma forma, se determinada atividade econômica (mesmo que esta atividade esteja voltada para suprir uma real demanda dos consumidores) gera tortura e assassinato de dezenas de bilhões de seres sencientes por ano, ela deve ser proibida ou punida. Nunca apoiada.
É desta forma que política e economia, ainda que parceiras eternas, se diferenciam. A política deveria limitar a economia, mas não no sentido comum desta ideia, aquele no qual o Estado controla todos os parâmetros econômicos, manipulando a economia como se fosse um fantoche dos interesses dos poderes executivo e legislativo. Os limites que a política deve impor à economia são de caráter ético, garantindo que princípios morais adequados sejam respeitados. É para isto que deveriam servir os três poderes da república.
Em resumo, é preciso que as linhas mestras da política sejam princípios verdadeiramente éticos e ecológicos. Não é porque a pecuária possui presença central na economia brasileira que deve ser impulsionada pelo Estado (seja pelo BNDS, seja por leis ou fomentos). Se a pecuária é um erro moral crudelíssimo e escravocrata, deve ser barrada. Não há justificativas cabíveis para se passar por cima da moralidade por motivos econômicos. Defender isto é a mesma coisa que defender o retorno à escravidão humana, se esta render mais lucro para algum setor econômico, ou legalizar serviços como matador de aluguel, tráfico de órgãos, venda de filmes pedófilos etc.
Falar em ética na política deve, portanto, ir além de averiguar se o cidadão roubou menos ou mais. Uma sociedade eticamente embasada – o que não somos – deveria escolher representantes eticamente embasados. Princípios éticos (e a real aplicação dos mesmos) deveriam ser o início de qualquer julgamento sobre humanos. As eleições não deveriam ficar fora deste parâmetro. Tal parâmetro precisaria existir na mente dos julgadores, os eleitores, mas isto ainda é, no máximo, uma longínqua utopia. A realidade é que temos políticos amarrados ao agronegócio representando um povo churrasqueiro. Nada incoerente. Há coerência prática na incoerência ética.

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