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A censura e o ensinar abolicionista

29 de outubro de 2015
5 min. de leitura
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Pawel Kuczynski
“Professores leem pouco no Brasil, diz estudo”. Tá na cara que precisamos melhorar a educação no país, professores e alunos, sem essa desculpa de que precisa vir de casa. Somos pagos para ensinar. Em outras palavras, somos agentes de mudanças e transformações sociais e não sujeitos passivos que simplesmente aceitamos uma realidade imposta. Assim deveria ser. Todas as dificuldades que surgem como argumentos não são barreiras para professores exemplares.
Recentemente, um professor foi expulso de suas atividades por ensinar direitos animais aos seus alunos. O ato em si é bastante atrasado, mas o que considero mais bárbaro é o silencio ao redor de tudo. Dos professores. O consentimento da sociedade.
O que aconteceu aqui, se deu como nos tempos da ditadura. Ele foi acusado por pais que se sentiram incomodados por um professor no seu pleno direito de exercer sua profissão, e dentro dela, o dever de questionar o status quo, as tradições, o sexismo, o racismo, e questões outras, entre elas a mais nova até agora silenciada: os direitos animais, afinal, ele é professor de filosofia!
Qual profissional seria capacitado para tal atividade? Se até eu mesma nas minhas aulas de biologia sou habilitada a trabalhar esses assuntos nas aulas e em conteúdos transversais?
O mais sórdido de tudo é que nas reuniões de professores, onde todo mundo fica encenando, se fala muito em temas transversais, transdisciplinaridade e etc etc, com aquele vocabulário babaca e cheio de floreios que todo professor e pedagogo conhece, onde se quer fazer o educador engolir e decorar aquele monte de regras, mas que depois esquece para entrar na sala de aula e ensinar a mesma decoreba. Não é assim senhores professores?
Para ver conteúdos violentos, sexistas ou pornográficos na TV e no celular todo aluno tem capacidade e os pais não tem lá toda essa preocupação, mas para ver um documentário, por exemplo, sobre a realidade que enfia na boca e ajuda a financiar, aí fica nervoso, e vai correndo fazer BO? Não. Esses materiais e outros são recursos pedagógicos, usado na dose certa, no momento certo, para a faixa etária correspondente. Não estamos lidando com retardados. E somos bons professores.
Qual é o problema com a educação no Brasil? É preciso rebaixar tanto assim a qualidade da educação nas escolas? E a ordem para baixar o nível vem de cima?
A ordem de dispensa foi dada pela superintendência de ensino, somente porque os pais fizeram acusações sobre a pessoa do professor, nem mesmo quiseram dialogar com o mesmo. Uma decisão autoritária. Mostrando que umas poucas pessoas exercem um grande poder sobre toda uma superintendencia. Talvez não seja apenas isso. Talvez seja isso e também mais uma questão. Uma questão de deseducação e preconceito. Uma questão especista.
Esses poucos pais, foram reclamar de um assunto que está começando a tomar corpo atualmente no Brasil. Os direitos animais, a educação vegana. O professor Leon Denis é conhecido internacionalmente por ensinar direitos animais, ética animal e veganismo em escolas públicas no Brasil.
Eu mesma pratiquei a educação vegana no EJA em escola particular e muitos projetos com adolescentes e adultos, mas nas escolas onde lecionei nunca houve problema, fazia diversas práticas com vídeos, palestrantes. Inclusive em uma noite praticamente a escola inteira parou para assistir o documentário ‘A carne é fraca’. Todas as turmas com seus professores, se revezavam, para assistir. Essa noite foi tão importante na escola que saiu no Jornal Vale dos Sinos de Sapucaia do Sul: “Colégio promove palestras sobre vegetarianismo”.
“Fui informado pelo inspetor escolar que estou impedido legalmente de lecionar durante os próximos três anos no Estado de Minas Gerais. Está na resolução SEE n. 2741/15. No dia do professor, 15 de outubro, deixei de ser professor. Quanta ironia e injustiça. Sou um espírito livre, e incomodo por isso. A filosofia crítica incomoda. A verdade dos fatos incomoda. E estou pagando o preço por ser adepto da veracidade como virtude. Por defender em aula todos aqueles que estão em constante estado de vulnerabilidade. Os grandes pensadores, aqueles que são minha fonte de inspiração, na filosofia, na literatura, nas ciências, nunca foram bem vistos pela teocracia, pela oligarquia, pelos mantenedores do status quo; pelo contrário, sempre incomodaram e foram caçados pelas ideias que defendiam.” Essas foram as palavras do educador e escritor Leon Denis.
Aos bons professores, aos educadores que apoiam o professor Leon Denis e que também passam por lastimosos percalços, só posso dizer:
É fácil, muito fácil ser o torpe de sempre, vestir a mesma roupa, comer a mesma coisa, ter as mesmas ideias e passar isso adiante, como sendo o certo. É barbada ser um professor mediano, medíocre. E aluno que faz o basicão? Para isso qualquer um pode se qualificar. Mas questionar um sistema, estar além disso, fazer a escolha por um caminho diferente dos demais e até mesmo correr riscos como este professor correu e pagou com a propria profissão, aí não é para qualquer um, e tem meu respeito.
Escrevi essa crônica ouvindo a música Índios da Legião Urbana. Tem a ver com a situação de quem, injustamente é atacado em sua fragilidade, parece que o mundo sempre atinge os que lutam pela justiça e aos inocentes, pois é um mundo de energúmenos.
“Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha
Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano de chão
De linho nobre e pura seda…”

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