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Escolher a paz

28 de julho de 2010
8 min. de leitura
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Bom dia.

Os que já me conhecem, me conheceram como ativista pelos direitos dos animais, como idealizadora e produtora de documentários como A carne é fraca e outros… e como fundadora e presidente do instituto Nina Rosa.

Hoje vim compartilhar com vocês parte da vivência que me trouxe até este trabalho.

Devo começar dizendo que o encontro comigo mesma teve início motivado por diferentes e frequentes sentimentos de insatisfação, de inadequação e também de períodos de depressão.

Na juventude estava à procura de algo indefinido: estudei dois anos de secretariado, dois anos de clássico, completei o IADÊ –  estudos da história da arte e decoração, carreira que jamais segui, trabalhei como secretária, casei-me, divorciei-me, trabalhei vários anos como modelo fotográfico e outros tantos anos organizando shows de moda – sempre procurando algo indefinido, que fizesse sentido para mim.

E só aos 50 anos, depois de um período muito solitário (com a cadela Chica)  de muita, leitura, reflexão, autoconhecimento e entrega é que veio à tona aquilo que era tão forte e tão fora do padrão, que não conseguia ver: meu amor, devoção e comprometimento para com os animais. O trabalho que realizo hoje teve início servindo como voluntária, quando eu tinha 50 anos. Vejam que a idade cronológica é irrelevante. Há crianças que já nascem veganas, com a consciência desperta para a compaixão. Outros, como eu, têm um ritmo mais lento, um processo mais longo, levam mais tempo sofrendo, antes de despertar aos poucos e agir.

Parece que todos temos a oportunidade, mais cedo ou mais tarde, de fazermos contatos mais imediatos com nossa verdade original.

De acordo com Rudolf Steiner, fundador da Sociedade Antroposófica, vivemos em ciclos de sete anos e cada setênio representa possibilidades de mudanças, sendo que o sétimo ciclo de 7, que ocorre por volta de 49 anos, pode nos impulsionar especificamente a trabalhos altruístas, de âmbito mais global. Se a pessoa não reconhece o impulso, se está muito desconectada dela mesma, pode polarizar essa energia e começar a se preocupar demais consigo mesma, com sua aparência, a disfarçar a idade, procurar companhia muito mais jovem etc.

Coincidentemente ou não, foi por volta dessa idade que percebi o quanto estava cansada de fazer o social, de relacionamentos complicados e limitadores, dos valores padrões vigentes da sociedade etc.

E perguntas vinham à tona: Qual minha função? Qual minha verdadeira tarefa? O que vim fazer?

Fui percebendo quando era meu ego que estava tomando decisões por mim, ou sentimentos de inveja, ou timidez, confusão ou medo que estavam fazendo escolhas por mim, e não os sentimentos que queria para conduzir minha vida.

Dediquei-me a buscar conhecer minha verdade, expressar e manifestar aquilo que acredito, que faz sentido para minha alma e que escolho para minha vida.

Temos de indagar, temos o direito e o dever de indagar nossa sabedoria interna, Qual é a minha principal tarefa?

Relevante é perceber que o processo de indagar, buscar dentro de si, e se oferecer ao trabalho universal, é um momento de verdadeira intimidade em nossas vidas; é pessoal, é a profunda intimidade com seu espírito. E relevante também é ficarmos abertos para as respostas, de maneira incondicional, pois se temermos saber ou temermos mudanças, a resposta pode não ser clara.

Todos nós temos tarefas a realizar em nossas experiências terrenas e é provável essas tarefas irem além do casamento, da criação de filhos e da construção de uma carreira profissional.  É possível que já tenhamos nascido comprometidos com alguma causa para defender, é possível que estejamos tendo a oportunidade de evoluir num sentido mais altruísta, é possível que nosso coração aspire servir ao bem comum, e que  possamos enxergar além de nosso pequeno e conhecido círculo.

Mudar pode não ser fácil, mas é mudando e continuando a mudar mesmo quando não for fácil, que nos livramos do medo da mudança e podemos então ser mais livres.

Quando um indivíduo muda o paradigma de expansão da sua consciência, ele passa a ser referência para os outros. Sua firmeza afetará outras pessoas; sua convicção lhe dará coragem e, muitos, juntos,  podem provocar grandes mudanças, mudanças históricas. O grandioso poder do exemplo.

Isso sempre aconteceu em um momento ou outro na história da humanidade e provocou mudanças de paradigmas. Nos últimos cem anos, a abolição dos escravos, o direito das mulheres ao voto são alguns exemplos de mudanças significativas que partiram de indivíduos que não aceitaram um padrão contrário aos seus princípios e tiveram coragem e determinação para provocar mudanças.
Coragem não é  ausência de medo, mas enfrentar o medo.

Nós  que vivemos na época atual estamos tendo a oportunidade de participar de uma dessas grandes mudanças. A mudança que prioriza os valores morais, os princípios, a ética. A mudança que nos fará também sentir a dor ou a alegria de um irmão nosso do reino mineral, vegetal ou animal, como se fosse a nossa própria dor ou nossa própria alegria.

Não é tão estranho assim olhar um rio de águas poluídas e fétidas e sentir sua dor… Não é difícil sentirmos a alegria de um riacho de águas claras e límpidas, correndo e cantando em seu caminho. Certamente podemos sentir sua alegria. Eles não precisam falar a nossa linguagem, aliás, bem limitada.

Nem precisamos ir até a Amazônia para assistir a espetáculos degradantes de desflorestamento e de negligência com o reino vegetal. É só sairmos às ruas, nas cidades e olharmos para nossas irmãs, cimentadas até o tronco, sem ter como armazenar água, sem consideração, muitas vezes usadas como lixeiras em sua base. Falta amor e gratidão pela beleza, pela sombra, pela purificação do ar, pela energia positiva, por nada, apenas por existirem, como direito que têm.

Por outro lado, quando estamos num bosque preservado, com árvores nativas, exuberantes, sentimo-nos parte de sua harmonia. Mesmo quando observamos uma só árvore na calçada, bem cuidada, sentimos sua harmonia, e somos envolvidos por ela.

E o que estamos fazendo ao reino animal? Exploração, exploração e mais exploração. E dor, e sofrimento. Desrespeito ao direito à vida, desrespeito a todos os seus direitos.

– Estamos degolando-os vivos, queimando e mastigando sua carne.

– Estamos arrancando sua pele e vestindo-a sobre nossa pele.

– Estamos confinando-os em pequenos espaços só para quando, e se tivermos vontade, olharmos para eles e satisfazermos nossa curiosidade.

– Estamos aprisionando os alados, por inveja ou vaidade, para que cantem só para nós,  quando têm o céu por direito.

–  Estamos confinando seres aquáticos a pequenos ou grandes aquários, para olhar ou nadar com eles por breves momentos, submetendo-os a toda uma vida de submissão, quando eles têm por direito a imensidão das águas.

– Estamos apoiando a ridicularização de grandes animais, rindo da sua dor e do roubo de sua dignidade em espetáculos circenses, como se fazia no passado com anões e mulheres barbadas e ensinamos nossas crianças a rirem também.

– Estamos jogando-os em arenas com os genitais fortemente amarrados, para que pulem de aflição e de dor, enquanto gritamos e rimos, alheios ao seu sofrimento.

– Estamos comprando-os como objetos, e descartando-os como objetos, na primeira dificuldade.

Todas essas barbaridades somos nós que fazemos quando apoiamos o consumo da exploração. Somos nós que patrocinamos e mantemos  esses horrores acontecendo; e depois, com a barriga cheia de cadáveres, com a nossa aura manchada de dor e desamor, com indiferença pelo destino dos irmãos dos outros reinos, queremos para nós mesmos a paz?

“Desde que chega a esta Terra, o viajante toma, toma e não dá quase nada em troca.”

Se não queremos fazer parte disso, temos que mudar nosso paradigma; temos que passar e ver nossos irmãos dos outros reinos com o mesmo interesse que vemos a nós mesmos. Temos que colocar o interesse deles de não sofrer, paralelo ao nosso igual interesse. Temos que conhecer e respeitar seus direitos e sermos exemplo disso na prática.

São quatro os reinos na face da Terra, com iguais direitos; e temos nos ocupado de apenas um deles, o reino humano. Enquanto assim pensarmos e agirmos, estaremos nos limitando a conhecer e viver apenas um quarto de nossas vidas.

Todos nós somos luz e todos nós temos sombras acumuladas ao longo de vidas. É hora de decidir qual delas queremos para conduzir nossa vida , qual delas escolhemos para irradiar para o Universo em nossa volta e qual delas escolhemos para nos acompanhar em nossa morte.

É hora de mudar de ponto.

É hora de decidir ter ideais pelos quais valha a pena trabalhar.

É hora de jogar fora a depressão (quem trabalha por um ideal não tem tempo para depressão), jogar fora a confusão, a omissão, de enfrentar os receios, de ter fé, de escolher a paz interna, para poder estar sereno mesmo em meio a uma guerra… ou à guerra de todos os dias…

É hora de deixar de ser o que não é.  Esse é o primeiro passo para saber o que se é.

É hora de ser responsável por si próprio e pelas consequências de suas escolhas.

É hora de pararmos com as críticas e agirmos para fazer o que acreditamos que deve ser feito, do jeito que deve ser feito.

É hora de andar na contramão do padrão vigente, se perceber que esse padrão não é bom.

Assim, cada um fazendo o bem que pode fazer, vamos contagiando de compaixão uns aos outros, vamos fortalecendo as ações positivas uns dos outros, vamos inspirando uns aos outros, vamos apoiando uns aos outros, até que sejamos tantos andando na contramão, que formemos um novo caminho, um novo sentido, uma nova opção, um novo padrão.

Orar, mantralizar em Deus, na paz, na luz.

Anjinho da guarda não é arbitrário – espera nossa autorização.

“Estou pronta e preparada para cumprir minha missão; quero ser encaminhada para ela.”

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