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Em festa de cachorro outros bichos é que dançam

25 de agosto de 2018
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Desde há muitos anos, em que sempre me era oferecido convite para participar de janta promovida por ONGs de proteção aos animais (leia-se cães, gatos e cavalos), com o intuito de angariar recursos em prol da causa animal, imediatamente eu garantia minha participação e colaboração comprando o cartão beneficente, ou o “vale janta”. Quando chegava o dia do evento, não era tão surpresa que no cardápio da janta em prol de uns bichanos, principalmente cachorros, havia uma série de outros animais seccionados, embebidos em molhos, cremes, grelhados ou mergulhados em sopas ou caldos de leguminosas. Eis o paradoxo inconsciente de humanos de bom coração tentando melhorar a vida de uns em detrimento do sofrimento e da morte de outros.
Para os “protetores” de animais domésticos, o calvário de bois, porcos, galinhas e de peixes servidos à mesa não refletia em sabor amargo. Muito pelo contrário, era a manutenção habitual de um paladar viciado pela gordura e pelos músculos cadavéricos de seres azarados e “desprovidos” de graça, sepultados entranhas adentro de humanos bem intencionados. Afinal, a causa era nobre e vinha ao encontro de seres merecedores de afeto e proteção humana, abandonados irresponsavelmente e injustamente por ex tutores sem compaixão e consideração.
Mas é interessante que uma boa intenção venha precedida de uma imensurável má ação, fruto da falta de reflexão e da respectiva conexão para com a desgraça de seres sensíveis e indefesos, tal qual a condição dos nem tão “sortudos’ canídeos. Ainda assim, estes, por sua vez, podem experimentar a liberdade das ruas na companhia amigável de um semelhante vadio; experimentar o faro apurado que os leve aos resquícios comestíveis descartados nas lixeiras das ruas, dos condomínios e dos restaurantes ou mesmo ter a mão generosa de algum humano sensível que os provenha com um alimento qualquer. E ainda a possibilidade de um resgate que os leve a um lar seguro e afetivo. Eis a realidade e toda a generosidade que a matilha “humano canina” deseja para os familiares de quatro patas. Sem sombra de dúvida, são os seres que mais estão integrados à sociedade humana, cuja amizade e lealdade lhes propicia uma profunda troca sentimental e uma considerável proteção legal. É claro que essa situação é evidente no mundo ocidental, pois em alguns pontos do Oriente, os nossos belos peludinhos também são escaldados em panelas para compor caldinhos e ensopados. Mas, se você preferir, poderá degustá-los cozidos ao fogão ou grelhadinhos na brasa. A forma de preparar um saboroso cãozinho é irrelevante, pois o que importa é o tempero O cardápio é variado e as possibilidades são muitas, tal como fizemos aqui com bezerrinhos, vacas, cabritos, porcos, aves e os habitantes do mundo aquático. Ah, nessa situação poderíamos também aproveitar dos nossos gatinhos, cuja pele, tal como a dos coelhos e das chinchilas, daria um glamoroso casaco de pele.

Mas, ironias nem tão à parte, é notório que cada vez mais amantes e defensores de cães e gatos estejam percebendo a incoerência em dar carinho e reivindicar direitos prá uns enquanto negam esses mesmos direitos prá outros. É o paradoxo de um especismo eletivo, insustentável enquanto prática incoerente de quem deseja paz, respeito e justiça para alguns e não para TODOS os animais. Nesse sentido, só de imaginar um cão sentindo na pele o inferno vivido por uma galinha ou porco num criadouro e abatedouro, é que vários “cachorreiros” estão aderindo a uma dieta vegetariana, ou seja, isenta de morte ou de qualquer sofrimento animal. Trata-se de uma realidade cada vez maior não só entre protetores, mas também por indivíduos que compartilham a amizade e o afeto com um animal de estimação.
O cão, embora submetido a papéis distorcidos de sua condição natural, fruto de uma antropomorfização irresponsável e inconseqüente, tem servido de elo principal para que humanos deixem de causar prejuízo a outros animais. Nessa troca afável de carinho e fidelidade, é razoável que se faça a analogia da natureza em comum no que toca às necessidades, aos sentidos e aos sentimentos vividos por humanos, cães e porcos por exemplo. Basicamente, apenas o formato físico distingue a vida daquele que circula pela casa, dorme em caminha fofa, ganha colo e carinho, recebe tratamento estético e de saúde, é levado para passear, etc, daquele suíno cujo pedaço do corpo está sobre a mesa e servido ao prato, sem antes ter passado uma vida miserável desde o nascimento, separado da mãe aos doze dias, castrado sem analgésico e confinado até a morte prematura e cruel no abatedouro.
Embora já encontremos jantas beneficentes para alguns animais sem o prejuízo de outros, ainda há muito por fazer para que mais vidas sensíveis e indefesas sejam poupadas da angústia e do sofrimento. Na particularidade dos lares, e no comodismo da zona de conforto, muitos “amantes” dos animais ainda hesitam em fazer a conexão entre o holocausto vivido pelos animais com aquilo que colocam no prato. Preferem não ver e não saber. A consciência não deve ficar pesada diante dos vícios paladares.E nesse sentido, ainda tem muita festinha de cachorro em que outros animais só entram depois de mortos, embalados pela marcha fúnebre daqueles que promovem a desgraça alheia.

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