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William Blake: “Toda comida sadia é apanhada sem rede ou armadilha”

23 de maio de 2017
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Ao grito da lebre caçada/Da mente, uma fibra é arrancada/Ferida na asa a cotovia/Um querubim, seu canto silencia

Blake: “Um tordo rubro engaiolado/Deixa o Céu inteiro encolerizado/Um cão com dono e esfaimado/Prediz a ruína do estado” Arte: Reprodução)
Blake: “Um tordo rubro engaiolado/Deixa o Céu inteiro encolerizado/Um cão com dono e esfaimado/Prediz a ruína do estado” Arte: Reprodução)

“Toda comida sadia é apanhada sem rede ou armadilha”, escreveu William Blake, em crítica a quem resume os animais a alimentos, em The Marriage of Heaven and Hell (O Casamento do Céu e do Inferno), uma de suas obras mais famosas, lançada em 1790. No livro, um dos maiores poetas da primeira geração do romantismo inglês transmite suas crenças vanguardistas e sua espiritualidade peculiar através de uma combinação de prosa, poesia e ilustrações aos moldes das profecias bíblicas.

Embora não fosse exatamente religioso, o místico William Blake era espiritualista à sua maneira e acreditava que o mal que os seres humanos infligem aos animais, relegando-os à comida, têm consequências negativas para o mundo e a vida em sociedade. Inspirado no panteísmo, o poeta defendia que seres humanos e animais nascem com uma conexão natural que depois de rompida desencadeia fenômenos que ameaçam o equilíbrio da vida terrena.

Essa sua perspectiva o influenciou a escrever em 1803 um poema de 132 linhas, intitulado Auguries of Innocence (Augúrios da Inocência), que só foi publicado em 1863. Ou seja, mais de 35 anos após a morte de Blake, um pensador que qualificava como mais nociva a violação das leis espirituais do que a violação moral. Na obra com caráter sibilino de presságio, o poeta explora o paradoxo da inocência, do mal e da corrupção. E nesse contexto, apresenta a contumaz intercorrência na relação dos seres humanos com os animais:

Um tordo rubro engaiolado
Deixa o Céu inteiro encolerizado
Um cão com dono e esfaimado
Prediz a ruína do estado
Ao grito da lebre caçada
Da mente, uma fibra é arrancada
Ferida na asa a cotovia,
Um querubim, seu canto silencia
A cada uivo de lobo e de leão
Uma alma humana encontra a redenção
O gamo selvagem acalma
A errar por aí, a nossa alma
Se gera discórdia o judiado cordeiro
Perdoa a faca do açougueiro

Crítico férreo da imoralidade, e principalmente de todas as formas de crueldade, quando fala do cordeiro em Auguries of Innocence, Blake se refere tanto à candura animal, que se sobressai à humana, quanto ao destino de Jesus Cristo que perdoou seus executores.

O inglês que amargou décadas de pobreza se via mais como escultor e pintor do que poeta. Ele esperava que em uma exposição realizada em 1808 o seu trabalho pudesse trazer-lhe tanto retorno financeiro quanto reconhecimento por seu estilo original, baseado em temas a frente do seu tempo.

Na exposição que recebeu o nome de “Afrescos de Invenções Poéticas e Históricas”, Blake reuniu 16 de suas pinturas. “Aos que foram informados de que o meu trabalho se resume a obras não científicas, excêntricas ou nada mais que rabiscos de um louco, façam-me justiça e examinem tudo antes de tomar uma decisão”, pediu. Naquele dia, poucas pessoas prestigiaram o evento.

Ainda assim, ele não hesitou em dizer que não desistiria do seu sonho de ser reconhecido. “Ignorantes insultos não me farão desistir do meu dever para com a minha arte”, informou. Infelizmente ninguém comprou nenhuma de suas obras e a única resenha publicada sobre a exposição definiu William Blake como um lunático que só não corria risco de ser preso porque era inofensivo demais.

A recepção da poesia do inglês também seguiu na mesma esteira de suas pinturas e esculturas. Poucos viram ou leram pelo menos um de seus livros escritos e ilustrados à mão. Em 1811, dois anos antes de se consagrar como o poeta laureado, o britânico Robert Southey, leu Jerusalem, uma das obras mais famosas de William Blake. “É um poema perfeitamente louco”, sintetizou Southey.

No dia 12 de agosto de 1827, o poeta faleceu aos 69 anos na pobreza e no anonimato. Quase ninguém reconhecia qualidade em sua sensibilidade e autoralidade. Seu velório em Bunhill Fields, na região norte de Londres, passou despercebido e só pôde ser realizado através de um empréstimo de 19 xelins. Sepultado em um túmulo sem qualquer inscrição, o corpo de Blake foi colocado sobre outros três e seguido por mais quatro falecidos.

Catherine continuou a imprimir e divulgar as obras do marido depois que ele morreu, o que deixou claro que a parceria dos dois envolvia tanto amor quanto trabalho. Com a ajuda de poucos amigos e fãs de William Blake, ela conseguiu sobreviver por mais quatro anos. Nesse período, afirmou ter visto o marido muitas vezes, chegando a sentar-se junto dele por duas a três horas diárias. No dia 31 de outubro de 1831, Catherine chamou por Blake, como se ele estivesse no quarto ao lado. “Meu William…meu William…”, repetiu ela até o momento de sua morte.

Saiba Mais

Entre as obras mais importantes do poeta inglês se destacam The Marriage of Heaven and Hell, Jerusalem, And did those feet in ancient time, Songs of Innocence and of Experience, Milton e The Four Zoas.

William Blake nasceu no Soho, em Londres, em 28 de novembro de 1757.

Catherine Blake nasceu em 25 de abril de 1762 e faleceu em 31 de outubro de 1831.

Referências

Blake, William. The Marriage of Heaven and Hell.  CreateSpace Independent Publishing Platform (2014).

William, Blake. Auguries of Innocence. Amazon Digital Services LLC (2012).

G.E. Bentley. The Stranger From Paradise: A Biography of William Blake. Yale University Press (2001).

Blake, William and Tatham, Frederick. The Letters of William Blake: Together with a Life (1906).

Gilchrist, A. The Life of William Blake, London (1863).

Morton, Timothy. The Pulses of the Body: Romantic Vegetarian Rhetoric and Itscultural Contexts. The University of Colorado at Boulder In Kevin Cope, ed.,1650–1850: Ideas, Aesthetics, and Inquiries in the Early  Modern Era Vol. 4. AMS Press. Pg. 53-88 (1998).

 

 

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