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Ativistas provam que é possível viver bem e saudável sem precisar tirar a vida de outros animais

27 de julho de 2011
14 min. de leitura
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Eles não usam casaco de couro. A carne não está incluída no cardápio. Nem mesmo aquele peixe fresco ou o peito de frango grelhado. Leite condensado, pizza, lasanha ou omelete, nem pensar. A não ser claro, que haja algum substituto feito à base de soja. Os rótulos dos alimentos e cosméticos precisam ser minuciosamente analisados. O objetivo é sempre o mesmo: identificar a presença de algum ingrediente de origem animal. Além das restrições alimentares e de higiene, a paixão pelos animais vai muito além. Participar de organizações que lutam em defesa dos direitos dos animais é praticamente consequência. Algumas pessoas parecem nascer com a veia ativista, enquanto outras descobrem ao longo da vida. Uma mistura de hábitos que exige muita disciplina e dedicação e, principalmente, amor.

Foto: Reprodução/ IELUSC

Aos quatro anos, George Guimarães não comia carne. Aos 16, não consumia nem utilizava nenhum produto derivado de origem animal. Formou-se em Nutrição e, hoje, faz consultoria, pesquisa e aconselhamento na Nutriveg Consultoria em Nutrição Vegetariana, em São Paulo. Além de dirigir as duas unidades de um restaurante “vegano” (dieta alimentar que exclui totalmente alimentos derivados de origem animal), colabora com e seis organizações não-governamentais e consegue encontrar tempo para dar palestras sobre vegetarianismo. Também dirige o Veddas – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade – e é conselheiro do Insituto Abolicionista Animal e membro-fundador da Sociedade Vegana. Recentemente, esteve a bordo do Sea Shepherd, um navio de caça aos baleeiros, na Antártida.

George aderiu ao “veganismo” por vontade própria. Os benefícios do hábito tomaram tanta importância na vida do nutricionista que ele decidiu passar adiante. Exemplo disso é o casamento perfeito entre sua vida pessoal e o sentimento de respeito pelos animais. “É a minha rotina que se adequa ao meu ativismo, que é a prioridade em tudo o que faço. É mais que uma ideologia de vida”, declara. Todo envolvimento de George com a causa animal parece refletir e influenciar diretamente nas suas decisões pessoais e se tornou mais que uma simpatia pela causa. “É uma responsabilidade da qual abrir mão não é uma possibilidade”, completa.

A voz ativista de George falou mais alto quando, no dia 18 de dezembro de 2010 recebeu um chamado às pressas para fazer parte de uma tripulação um pouco incomum: o navio de uma ONG internacional. A Sea Shepherd Conservation Society foi criada em 1977 com o objetivo de defender as espécies marinhas e proteger os mares, principalmente da pesca. Com mais de 30 anos, além da sede norte-americana, possui escritório na Austrália, Canadá, Inglaterra, França, Holanda e África do Sul, mantida por voluntários de todo o mundo. O nutricionista já havia tentado se inscrever para fazer parte da equipe dois anos antes, mas não foi selecionado. Ao receber o convite, nem pestanejou e embarcou para a gelada Antártida, rumo a novas experiências. Durante sua viagem, criou um blog chamado “Guerra Gélida” (www.guerragelida.blogspot.com), onde relatou diariamente a experiência e as aventuras vividas a bordo do navio.

Foto: Reprodução/ IELUSC

A estadia a bordo do Sea Shepherd proporcionou momentos únicos ao nutricionista, e ao que parece, só aumentou sua vontade de lutar em defesa dos animais. Mas para quem imagina que a vida dentro de um navio se resume a olhar o mar e fotografar as paisagens encantadoras das geleiras, o engano é do tamanho de um iceberg. Além dos intensos graus negativos e a batalha contra os navios pesqueiros inimigos, a alimentação é praticamente um desafio à sobrevivência.

Depois de dias sem comer frutas frescas, ter comido um quarto de maçã que a cozinheira havia reservado, foi um ápice de sua estadia. Afinal, para um nutricionista e diretor de restaurante, ficar sem qualquer alimentação natural e balanceada é praticamente uma prova de resistência. George lembra alguns casos que marcaram muito sua viagem, como ter encontrado a frota de barco pesqueiro japonesa em tempo recorde, na véspera do ano novo, e estar atuando na Ponte de Comando no dia seguinte, no momento do primeiro embate contra as outras embarcações pesqueiras, alvo do Sea Shepherd.

George afirma que em nenhum momento pensou em desistir. Ao menos, não nos momentos em que corria algum risco. “Esses são os momentos que enriquecem a experiência e nos fazem querer continuar. Os momentos de monotonia, onde a ação é escassa, são os que se pensa em deixar a missão. De qualquer modo, deixar a missão não é uma opção, já que não há saída viável quando você está isolado no meio do oceano. Por isso, essa possibilidade não é considerada como algo concreto”, relata.

Foto: Reprodução/ IELUSC

Muito mais do que amor por animais

Aprender a viver longe da carne e de qualquer produto de origem animal – desde cosméticos como cremes, perfumes e medicamentos até vestuário e a alimentação – , o ativismo inclui acreditar e lutar por uma causa nobre, acima de qualquer obstáculo possível. E é assim que o nutricionista escreve sua história. George procura colaborar o máximo possível com outras entidades de defesa aos animais e vegetarianismo, e como ele mesmo diz, das quais consegue administrar. No entanto, se queixa da falta de pessoas interessadas em colaborar, mas aponta que os defeitos são justificáveis. “Somente com a informação correta sobre nossas escolhas, conscientização e aumento na oferta de alimentos para atender ao público vegetariano, será possível provocar mudanças”, defende.

Mesmo a enxurrada de campanhas de proteção aos animais e preservação do meio ambiente, o número de pessoas envolvidas em ONGs e entidades de defesa dos animais, é muito pequeno. O ativista sugere que um dos motivos desta realidade é o comodismo das pessoas. Segundo ele, sair da zona de conforto e analisar a dimensão dos problemas e da tamanha crueldade contra os animais exige força de vontade e coragem para enfrentar o desconhecido. Falta a percepção real sobre o que é lutar por uma causa. E George completa: “Muitas pessoas pensam que podem ser ativistas dois dias por ano e com isso estão fazendo o que é necessário para mudar o mundo. Falta a percepção real sobre o que é lutar por uma causa”.

E para quem acredita que um ativista é aquela pessoa sensível, meiga e que declara aos quatro ventos que ama os animais, é melhor repensar os conceitos. O nutricionista e ativista afirma que as pessoas que abraçam a causa por amor aos animais são justamente aquelas que não compreenderam o que é um movimento ativista. “O movimento pelos direitos animais não é um movimento de amor, é um movimento de revolução social”, defende. E aos vegetarianos de plantão, George esclarece que apesar do número de pessoas que aderem ao vegetarianismo ser crescente, a quantidade dos que lutam pelos direitos dos animais é muito pequena.

Quem se dedica ao ativismo precisa ter plena consciência de que terá uma vida no mínimo, surpreendente. E nem é preciso esconder que tempo para si mesmo ou para família, amigos e diversão serão raros. O ativismo exige um envolvimento por completo, sacrifício que poucos estão dispostos a fazer. Vegana há sete anos, a coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) – Grupo Rio e coordenadora do Departamento Nacional de Ativismo da SVB, Bianca Kolling Turano, conseguiu isso bem: “Ativistas, de maneira geral, possuem experiências um pouco diferentes da grande maioria das pessoas. Não que isto faça deles melhores ou mais vividos. Mas estar em contato com desafios, atuar em grupo, com pessoas tão iguais mas, ao mesmo tempo, tão diferentes, é um grande desafio”.

Bianca não se tornou ativista por acaso. A junção de sentimentos de compaixão e amor pelos seres vivos e desencadeou na vontade de lutar pelo direito dos animais que, segundo ela, é uma batalha contra preconceitos, o tal do “especismo”, em que o ser humano admite-se como superior a outras espécies. Reflexo desta vontade foi a adaptação ao veganismo. Antes, Bianca não tinha nenhuma preocupação em ler os rótulos das embalagens dos alimentos, descobrir a origem dos alimentos e o histórico das empresas. Segundo a ativista, a experiência fez despertar um novo olhar sobre a vida. “O veganismo é uma prática deliciosa”, confessa.

A SVB, entidade que Bianca coordena, é uma porta de entrada para a criação de outros grupos semelhantes. Além de promover o vegetarianismo, procuram desenvolver projetos de defesa e proteção aos animais, como também realizar pareceria com outras entidades do Rio de Janeiro e do Brasil. As ações promovidas pela entidade são de grande repercussão. Exemplo disso foi uma conquista judicial, em que conseguiram impedir que um artista realizasse uma performance com galinhas amarradas em seu corpo, no Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro.

Bastante conhecida no Brasil, entre os interessados e simpatizantes do vegetarianismo, a campanha “Segunda sem Carne” também foi criada pela SVB. O contato com a população é um dos diferenciais do grupo. Segundo Bianca, desde 2006 existe uma barraquinha da SVB em uma feira de de alimentos orgânicos da cidade. A intenção é promover o diálogo com a sociedade sobre o veganismo. Para arrecadar fundos para a entidade, os voluntários vendem livros, camisetas, bottons e outros produtos que ligados à abolição da escravidão animal. “O grupo também distribui alimentação vegetariana nas ruas e realiza palestra nas escolas e universidades”, afirma a ativista.

O voluntariado é outra palavra que também pode definir o ativismo. A grande maioria – senão toda ela – dos ativistas não recebe nenhum benefício como salário ou abono trabalhista. Para participar como voluntário, conforme Bianca, exige-se do interessado que seja vegetariano ou vegano. Hábito e escolha que para a sociedade ainda soam como utopia ou até loucura. Bianca defende a ideia de é necessário uma compreensão e reflexão pela causa. “Muitos veganos entendem a abolição da escravidão animal como a própria abolição da escravidão humana e, mais, como uma visão da natureza de maneira biocêntrica, saindo do animalismo restrito para um animalismo amplo”, que exige ver o animal além de uma espécie da cadeia alimentar, por exemplo.

Ela argumenta que o ativismo é uma prática que faz o ser humano despertar do anestesiamento e da alienação, aproximando as pessoas dos seus sonhos e o contato mais humano, e desabafa: “Eu percebo o ativismo com ações no caso concreto, o que está longe de ser uma utopia, pois é algo que se pratica, se sente, se vive e que, ao longo dos anos, por menor que seja, acaba por gerar transformações positivas.”

O ativismo em Joinville

Em Joinville também existem pessoas que dedicam a vida para o defender o direito de existência de outras. É o caso da Sheila Wehling, estudante de Nutrição e uma das fundadoras da Frada – Frente de Ação pelos Direitos dos Animais – , criada há dois anos. Um dos principais motivos que levaram a estudante a fazer parte da entidade foi a sensibilidade. Enquanto muitas pessoas devem estar agora saboreando um suculento pedaço de uma picanha ou comprando um belo sapato de couro, Sheila faz uma simples reflexão. “Nada justifica que a espécie humana escravize e explore outras espécies.

Alice Walker, autora do livro A Cor Púrpura, tem esta frase que eu gosto muito: ‘Os animais do mundo existem para seus próprios propósitos. Não foram feitos para os seres humanos, do mesmo modo que os negros não foram feitos para os brancos, nem as mulheres para os homens’”. A ativista conta que estuda muito sobre o tema, com leituras, mantém contato com outros grupos de ativistas, além de ser vegana, há cinco anos. Segundo ela, absorve todo o conhecimento que possa ser útil para o movimento de libertação animal.

A estudante alerta que não é possível tornar-se vegano repentinamente, é necessário um processo de adaptação. E que ela conseguiu com sucesso: “Hoje eu não compro nada sem ler o rótulo. É automático. Se tenho dúvidas sobre algum ingrediente, pesquiso antes de comprar”, confessa. As dificuldades enfrentadas por quem decide mudar seus hábitos e ideologia de vida também são árduas. Os defensores sofrem preconceitos e muitas vezes são alvos de piadas entre as pessoas. “Nós comemos o que nossos pais comem, acreditamos no que eles acreditam. A escola não forma críticos, forma seguidores”, critica a estudante.

Ela compara o hábito carnívoro do ser humano com a escravidão humana, o veto do direito de voto feminino, o preconceito contra raças e completa: “A humanidade só ampliou seu campo ético porque alguns ousaram pensar, questionaram e lutaram”. A estudante sabe que será um caminho árduo, mas acredita que apenas da doação pelo outro é que será feliz. “Já me disseram que eu não vou viver para ver a libertação dos animais. Posso não colher, mas vou plantar todas as sementes que eu puder”, desabafa.

Atuando na web

Com 27 anos de carreira no jornalismo, Silvana Andrade criou o portal de notícias sobre direitos animais, o primeiro do mundo a tratar do tema e que hoje está entre os 58 mil mais acessados do planeta. São cerca de 530 mil visitas por mês, superando os gigantes WWF, WSPA e Greenpeace Brasil.

A ideia de criar o portal surgiu durante a discussão da votação da Lei Arouca, em 2008, que autorizava a utilização dos animais em experimentos científicos. Na época, um colega de profissão de Silvana fez uma matéria para o jornal O Globo e só cedeu espaço em sua reportagem para os cientistas vivissectores, defensores da lei.

Insatisfeita com a postura do jornalista, que não ouviu o outro lado (os interesses dos animais), Silvana decidiu criar a ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais – www.anda.jor.br) para informar jornalistas de todas as mídias e colocar em pauta assuntos que até hoje não tiveram o merecido espaço ou foram mal debatidos na imprensa. A proposta da ANDA, segundo Silvana Andrade é servir também de referência a toda sociedade, respondendo aos questionamentos e incentivando novas atitudes, sempre sob o foco dos direitos animais.

O portal de notícias funciona de forma totalmente independente, apenas com a colaboração de voluntários. São 40 colunistas que escrevem para o site, dos perfis mais variados: jornalistas, educadores, advogados, historiadores, biólogos, publicitários, estudantes, a grande maioria com títulos de mestres e doutores em suas áreas. A única restrição feita aos participantes é que sejam veganos ou vegetarianos e que atuem em defesa dos animais. O que não foi muito difícil, pois mais de 90% dos colaboradores são veganos e o restante lactovegetariano, confirma a fundadora.

O portal funciona diariamente, das 6h da manhã às 10h da noite, inclusive via redes sociais e blogs. A principal intenção da criadora do site é informar para transformar. “A imprensa não apenas informa. Ela forma conceitos. Modifica ideias. Influencia decisões. Define valores. Participa das grandes mudanças sociais e políticas trazendo o mundo para o indivíduo pensar, agir e ser. É justamente este o objetivo da ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais: informar para transformar”, explica Silvana Andrade.

De acordo com jornalista, “o portal difunde na mídia os valores de uma nova cultura, mais ética, mais justa e preocupada com a defesa e a garantia dos direitos animais. É o primeiro portal jornalístico do mundo que combate a violência social e a destruição do meio ambiente a partir da defesa dos direitos dos animais”. Exemplo de que o projeto funcionou e continua crescendo, são os recentes casos abordados também pela imprensa geral. Até o surgimento do site, por exemplo, raras eram as notícias retratando a crueldade, o descaso sofrido pelos animais. Hoje, conforme a jornalista, este espaço está sendo conquistado. O caso do cão que desapareceu no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), em março deste ano, foi divulgado pela ANDA e reproduzido pelos maiores veículos da imprensa brasileira.

Outro caso recente que prova a força da ANDA e a capacidade de mobilização, foi lançamento de roupas feitas com pele de animais, por grandes grifes nacionais. Após a matérias no site denunciando a postura desprovida de ética das marcas, internautas de todo o país se mobilizaram para exigir que as empresas deixassem de usar peles verdadeiras. Arezzo, Iódice e Colcci voltaram atrás e fizeram um compromisso público de nunca mais usar peles de animais em sua coleções.

A jornalista destaca a importância da participação dos seguidores da ANDA: “Os internautas fazem parte de todas as conquistas. Eles dão uma grande contribuição ao se manifestarem em defesa dos animais, ao fazerem ativismo virtual”, comenta, orgulhosa.

Silvana ressalta que os impactos provocados pelas publicações no site são reconhecidos e ganham cada vez mais espaço na vida das pessoas, que aos poucos, começam a se conscientizar. “A ANDA educa para um novo olhar sobre os fatos relacionados aos animais. Ensina a ver de uma forma mais ética, justa e respeitosa”.

Fonte: ILUSC

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