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De vivisseccionista a antivivisseccionista

20 de junho de 2011
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Permitam-me que me apresente: Meu nome é Carlos Roberto Zanetti, sou paulista de Jundiaí, interior de São Paulo. Formei-me em Ciências Biomédicas pela então Escola Paulista de Medicina, onde também desenvolvi minha dissertação de mestrado e de doutorado, ambas em Imunologia, tendo o vírus rábico como objeto de estudo.

Durante o doutorado fiz um estágio sanduíche no Instituto Pasteur de Paris, na Unité de la Rage. No intervalo entre o mestrado e o doutorado prestei concurso público no Instituto Pasteur de São Paulo, onde dei início a uma carreira de pesquisador científico.

Naquela época tinha o sonho de ser aprovado em um concurso para professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o que se tornou realidade em 1997. Hoje sou professor associado 3, chefe do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia e orientador no Programa de Pós-graduação em Biotecnologia e Biociências da UFSC. Além disso sou bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. A trajetória descrita nesta dezena de linhas representa o percurso de uma vida de 50 anos, que completo no próximo mês.

Metade desses anos estive constantemente em contato direto com animais de laboratório e graças às suas vidas (ou às suas mortes?) publiquei a ampla maioria dos meus 42 trabalhos científicos. Embora não gostasse de executar vários procedimentos com animais, nada indicava que um dia eu abandonaria tais práticas, até eu ter sido indicado representante de meu Departamento junto a Comissão de Ética em Pesquisa com Animais (CEUA).

Nas reuniões da comissão havia duas professoras cujos pontos de vista destoavam de todos os outros professores: a representante do Departamento de Filosofia, Profa. Dra. Sônia Felipe e a do Departamento de Ecologia, Profa. Dra. Paula Brüger. Elas provocavam os demais professores a reflexões profundas e incômodas, sempre com argumentos inteligentes. Pela primeira vez em toda minha carreira ouvi vozes dissonantes a tudo que me haviam ensinado.

Nas votações dos pareceres dos projetos encaminhados aquela CEUA, ambas eram sempre votos vencidos e demorou um tempo até eu ter coragem de acompanhar seus votos contrários a projetos que não passavam pelo crivo ético. Desde então minha visão sobre a utilização de animais em pesquisa mudou radicalmente. Como que aplicando o princípio dos 3R`s na minha vida profissional, fui diminuindo, refinando e finalmente substituindo o uso de vidas de animais não humanos por procedimentos in vitro.

Há mais ou menos dois anos não mato mais nenhum animal. A minha transformação pessoal respingou em outros colegas de Departamento: foram suprimidas as aulas práticas que utilizavam animais na disciplina de Imunologia, ministrada para os cursos de Ciências Biológicas, Medicina, Enfermagem, Odontologia,  Nutrição  e Farmácia; duas professoras filmaram estas aulas que em breve estarão disponíveis para utilização em outras Universidades; outro professor encerrou os estudos com vacinas contra HIV  realizados em camundongos e agora realiza estudos mais complexos, multidisciplinares, em seres humanos infectados; foram abertos espaços em aulas para se abordar a utilização de animais em pesquisa no curso de graduação em Ciências Biológicas e no Programa de Pós-graduação.

É, portanto, para relatar aspectos dessa minha experiência que estou aqui. Novo desafio que encaro com alegria e com esperança. Alegria por estar livre de deliberadamente causar a morte a seres que, assim como eu, compartilham desta misteriosa e maravilhosa experiência que é a Vida. Esperança de contribuir para que seja construída uma Nova Ciência, cujos meios e fins sejam mais nobres do que os atuais, impostos por interesses nem sempre explícitos.

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